Os Lusíadas. Luis de Camoes

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Os Lusíadas - Luis de Camoes

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de boninas,

      Os furioſos ventos repouſauão,

      Polas couas eſcuras peregrinas.

      Porem da armada a gente vigiaua,

      Como por longo tempo coſtumaua.

      Mas aſſy como a Aurora marchetada,

      Os fermoſos cabellos eſpalhou,

      No Ceo ſereno, abrindo a roxa entrada,

      Ao claro Hiperionio que acordou,

      Começa a embandeirarſe toda a armada,

      E de todos alegres ſe adornou:

      Por receber com festas, & alegria,

      O Regedor das Ilhas que partia.

      Partia alegremente nauegando,

      A ver as naos ligeiras Luſitanas,

      Com refreſco da terra, em ſi cuidando,

      Que ſam aquellas gentes inhumanas:

      Que os apouſentos Caſpios habitando,

      A conquiſtar as terras Aſianas

      Vierão: & por ordem do deſtino,

      O Imperio tomarão a Coſtantino.

      Recebe o Capitão alegremente,

      O Mouro, & toda ſua companhia,

      Dalhe de ricas peças hum preſente,

      Que ſo pera eſte effeito ja trazia:

      Dalhe conſerua doçe, & dalhe o ardente

      Não vſado licor que dâ alegria.

      Tudo o Mouro contente bem recebe,

      E muito mais contente come, & bebe.

      Eſtà a gente maritima de Luſo,

      Subida pela exarcia, de admirada,

      Notando o estrangeiro modo, & vſo,

      E a lingoagem tam barbara & enleada.

      Tambem o Mouro astuto eſtà confuſo,

      Olhando a cor, o trajo, & a forte armada.

      E perguntando tudo lhe dezia,

      Se porventura vinhão de Turquia.

      E mais lhe diz tambem, que ver deſeja

      Os liuros de ſua ley, preceito, ou fé,

      Pera ver ſe conforme à ſua ſeja,

      Ou ſe ſam dos de Christo, como crè:

      E porque tudo note, & tudo veja,

      Ao Capitão pedia, que lhe dé,

      Mostra das fortes armas de que vſauão,

      Quando cos inimigos pelejauão.

      Responde o valeroſo Capitão,

      Por hum que a lingoa eſcura bem ſabia:

      Darte ey Senhor illuſtre relação

      De my, da ley, das armas que trazia:

      Nem ſou da terra, nem da geraçam,

      Das gentes enojoſas de Turquia:

      Mas ſou da forte Europa belicoſa,

      Buſco as terras da India tam famoſa?

      A ley tenho daquelle, a cujo imperio

      Obedece o viſibil, & inuiſibil,

      Aquelle que criou todo o Emispherio,

      Tudo o que ſente, & todo o inſenſibil

      Que padeceo deshonra, & vituperio,

      Sofrendo morte injuſta, & inſufribil:

      E que do ceo aa terra em fim deceo,

      Por ſubir os mortais da terra ao ceo.

      Deste Deos homem, alto, & infinito,

      Os Liuros que tu pedes, nam trazia,

      Que bem poſſo eſcuſar trazer eſcripto

      Em papel, o que na alma andar deuia.

      Se as armas queres ver, como tẽs dito,

      Comprido eſſe deſejo te ſeria:

      Como amigo as veras, porque eu me obrigo,

      Que nunca as queiras ver como inimigo.

      Iſto dizendo, manda os diligentes

      Miniſtros, amoſtrar as armaduras,

      Vem arneſes, & peitos reluzentes,

      Malhas finas, & laminas ſeguras,

      Eſcudos de pinturas differentes,

      Pilouros, eſpingardas de aço puras,

      Arcos, & ſagittiferas aljauas,

      Partaſanas agudas, chuças brauas.

      As bombas vem de fogo, & juntamente

      As panellas ſulfureas, tam danoſas,

      Porem aos de Vulcano nam conſente

      Que dem fogo aas bombardas temeroſas:

      Porque o generoſo animo, & valente,

      Entre gentes tam poucas, & medroſas,

      Não mostra quanto pode, & com razão,

      Que he fraqueza entre ouelhas ſer lião.

      Porem diſto que o Mouro aqui notou,

      E de tudo o que vio, com olho atento,

      Hum odio certo na alma lhe ficou,

      Hũa vontade mà de penſamento.

      Nas moſlras, & no gesto o não moſtrou:

      Mas com riſonho, & ledo fingimento,

      Tratalos brandamente determina,

      Ate que moſtrar poſſa o que imagina.

      Pilotos lhe pedia o Capitão,

      Por quem podeſſe aa India ſer leuado,

      Dizlhe, que o largo premio leuarão,

      Do trabalho que niſſo for tomado.

      Prometelhos o Mouro, com tenção

      De peito venenoſo, & tão danado:

      Que a morte ſe podeſſe neste dia,

      Em lugar de Pilotos lhe daria.

      Tamanho o odio foy, & a mà vontade,

      Que aos eſtrangeiros ſupito tomou,

      Sabendo ſer ſequaces da verdade,

      Que o filho de Dauid nos enſinou,

      Os ſegredos daquella Eternidade

      A quem juyzo algum não alcançou.

      Que nunca falte hum perfido inimigo,

      A aqueles de quem foſte tanto amigo?

      Partioſe nisto em fim co a companhia,

      Das naos o falſo Mouro despedido,

      Com enganoſa & grande corteſia,

      Com geſto ledo a todos, & fingido:

      cortárão os bateis a curta via

      Das agoas de Neptuno, & recebido

      Na terra do obſequente ajuntamento,

      Se foy o Mouro ao cognito apouſento:

      Do claro aſſento Etereo, o grão Tebano,

      Que da paternal coxa foy naſcido

      Olhando o ajuntamento Luſitano,

      Ao Mouro ſer moleſto, & auorrecido:

      No penſamento cuyda hum falſo

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