Memoria sobre as diversas salgas da sardinha. França Clemente Ferreira
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Memoria sobre as diversas salgas da sardinha / com o methodo de aproveitar as enxovas, e sobre a salga dos peixes grossos, como atum, corvinas, pescadas, gorazes, ruivos, e outros semelhantes etc
MEMORIA SOBRE AS DIVERSAS SALGAS DA SARDINHA
Com justos motivos a Administração Pública tem dirigido as suas vistas, e a attenção da Policia sobre os comestiveis, que se offerecem ao Povo. Entre estes os Peixes salgados são os que devem especialmente interessar os seus cuidados; por quanto raras vezes apparecem isentos de corrupção.
Grandes, e prejudiciaes abusos se tem introduzido no methodo de salgar os productos de nossas pescarias Nacionaes. A Sardinha he certamente o mais abundante, o mais rico, e o mais precioso: desgracadamente ella não he aproveitada com todas as utilidades, que offerecem, perdendo-se nas praias huma parte consideravel desta, e outra, por não ser convenientemente preparada, e salgada, não obstante a abundancia, e modicidade do preço de sal na mór parte das nossas terras de portos de mar, pelo que os nossos vizinhos nos vem vender, com mágoa nossa, o producto de suas pescarias, por não termos nós aproveitado as nossas.
Hum vigilante, zeloso, illuminado, e incomparavel Ministro, e Secretario de Estado a cujas vistas perspicazes, cuidadosas, e extensas abrangem todos os ramos dos interesses públicos de Portugal, fez já distribuir pelos portos de mar do Reino huma instrucção sobre o methodo da salga secca praticada em outros Reinos.
Deve-se esperar, que as Municipalidades territoriaes tenhão exactissimo cuidado em fazer examinar, se os contractadores, e os proprietarios das pescarias se conformão, ou não a estas ultimas instrucções, para que o Estado em ves de aproveitamento, não experimente o damno da perca de hum tão preciso, e precioso producto, e se a Sardinha, que se offerece á venda, tem com effeito, ou não as convenientes qualidades, a fim de que a saude pública dos Povos não sinta ruina, damno, ou perigo algum, nem se veja arriscada ao terrivel trafico dos monopolistas, sendo esta a que com razão deve mais que tudo merecer os nossos primeiros cuidados.
Ha outro methodo de salgar o peixe, tanto grosso, como miudo; este he o da salmoura.
Salmoura he aquella calda, que por si mesmo resulta da salga secca do peixe em dornas, tinas, etc.
Diz-se tambem moura aquella calda, que se faz em qualquer vaso, bastantemente saturada de sal, e sobre a qual em tempo se lança a Sardinha, como ao depois mostrarei.
A salmoura, quando he perfeitamente executada, merece sem duvida a preferencia para a mais perfeita conservação do peixe; por quanto a salmoura impede o contacto do ar, e por consequencia o ranço, que he já hum principio de corrupção, que se não póde sempre inteiramente evitar no commercio do peixe salgado, e muito mais na salga secca.
Este methodo da salmoura he commummente praticado nos edificios immediatos ás pescarias, e nos Portos do mar, aonde vem fundear as lanchas, e Embarcações empregadas nessas pescarias sobre costas remotas, para mais facil, e promptamente aproveitarem huma quantidade avultada de Sardinha sem maiores delongas, e trabalhos.
A negligencia porém, e a avareza se reunem, para que se abuse deste excellente methodo de salgar em moura, ou salmoura, consistindo este abuso em dous pontos: 1. em ter a salmoura raras vezes a necessaria, e conveniente força pela falta de sal: 2. em fazer servir a mesma salmoura para segunda, e terceira salga, ou, geralmente fallando, para huma quantidade indeterminada de peixe, que se renova a medida que as redes o pescão, sem aliás se renovar a salmoura como devêra, pois que desta maneira se acha impregnada de oleos, e immundicias accumuladas de repetidas salgas na mesma tina etc.
Estes abusos tem horrorosas consequencias, por quanto inficionão o ar, as habitacões, e os estomagos dos Povos, que usão de hum alimento corrupto, e immundo em permutação de hum bom, que com tanta facilidade poderião ter: com tudo se não póde empregar demaziada severidade, para evitar tão lamentaveis causas de molestias, e de contagio.
He pois necessario que a salmoura seja saturada de sal, para ter a conveniente consistencia: esta se conhece pela facil experiencia de sustentar a mesma na sua superficie hum ovo fresco, de sorte que a metade deste fique acima da agua por si mesmo.
Tambem conhecemos estar saturada a agua de sal, quando ella não póde dissolver mais que huma certa, e determinada quantidade do mesmo: donde temos, que para o conhecimento da boa saturação, basta que se observe ou a precipitação do sal, que a agua já não póde dissolver, ficando por isso o sal no fundo indissoluvel, ou a observação de se conservar por si mesmo na salmoura hum ovo fresco na forma dita.
Para se conservar o peixe nesta salmoura, he necessario, apenas sahe do mar, tirar-lhe as tripas, ou entranhas, deixando sómente as ovas, e os leites, e logo lançallo na salmoura, aonde deve ficar por tempo de doze, ou quinze horas: passadas estas, tira-se o peixe, deixa-se escorrer, e arruma-se ás camadas em barricas, com a cautela de pôr no fundo huma camada sufficiente de sal, outra por cima, e outra entre camada, e camada, de modo que hum peixe não toque no outro. Feito isto, carrega-se com pedras, e se lança a salmoura necessaria para cobrir todo o peixe, de forma que este fique sempre submergido.
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