Um Julgamento de Contos de Fadas a Colarinho Branco. Marcos Sassungo
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– Ponto final. Autor é desconhecido e agora a vossa tarefa é dar um título ao texto e comentá-lo.
– Posso? – Perguntou Juelcy à professora.
– Claro, filha. Tenha bondade.
– Obrigada Senhora professora. Disse a Juelcy e acresceu: “A dor da alma. É esse o título que dou”.
– E porque a dor da alma? Perguntou a professora.
– Porque pressupõe um texto poético e autodiegético, e com uma linguagem corrente. O autor se apossa das palavras tristeza, alma e espírito para exprimir seus sentimentos profundos, causados pela solidão. E por ela, critica o comportamento da sociedade versus a desvalorização do ser humano em si. O autor ainda usa palavras como lágrimas, dor, bondade, mansidão e perfeição para fazer menção a Tristeza de uma alma insatisfeita por não se conformar com a realidade.
– Muito bem, Juelcy… mais alguém para argumentar?
– Sim, professora. Respondeu o Angelino.
– Então, Angelino, que título darias ao texto e diga o porquê.
– Esperança. Esse é o título que eu daria ao texto. Justificativa: É um texto poético, e tal como a colega Juelcy disse, eu confirmo ser autodiegético e o autor descreve a perturbação da sua agonia, diante da sociedade e atribui a culpa a ela pelo facto de havê-lo trazido à tristeza e solidão. Mas ao perder a sua amada vê-se agonizado. E aí, ele ouve uma voz, estranhamente, esperançosa, irreconhecível no princípio e que o convida a perdoar a sociedade pelos seus feitos maléficos. Percebe-se logo que, a voz irreconhecível no princípio e reconhecível no final era a de Jesus, tal como o autor desconhecido o descreve.
– Obrigado, Angelino. Mais alguém? Bem, o silêncio diz que não. Mas obrigada. Juelcy, obrigada Angelino. É esse tipo de exercícios e outros também, que faremos nesse livro “Aparição” de Vergílio Ferreira. E estou ciente dos vossos conhecimentos em Língua Portuguesa aprendidos através do professor Nascimento Dinis na décima e na décima primeira classe. É, pois, através destes conhecimentos que estaremos viajando nos feixes do pensamento de Vergílio ferreira e de certeza aprenderemos outras técnicas que sem nenhum revês nos ajudarão. Relativamente ao livro, quero dizer-vos, de antemão, que também a presença de um narrador autodiegético é uma característica determinante. O sujeito enunciador revela-se a si mesmo à medida que se vai apropriando linguisticamente do fluxo das vivências que decorrem no mundo, como é evidente nos textos de abertura e fechamento do romance, que, situados num tempo pós-trágico de reflexão, funcionam como parênteses que sugerem uma libertação da visão do narrador em face da acção contida entre eles: "Sento-me aqui nessa sala vazia e relembro". Portanto, a acção inicia-se com a chegada a Évora de um novo professor, Alberto Soares, no início de mais um ano lectivo. Alberto, o narrador, cedo se relaciona com o Doutor Moura, antigo colega do seu pai e o seu círculo familiar, nomeadamente Ana, casada com Alfredo Cerqueira, Sofia, de quem se tornará explicador de Latim e Cristina, a filha mais nova da família.
Neste espaço familiar, circulam também as figuras de Carolino, um dos seus alunos do Liceu e o engenheiro Chico, um amigo da família, espécie de neorrealista militante. O espaço urbano de Évora tem como contraponto o espaço rural da montanha onde Alberto viveu a sua infância, e ao qual temos acesso através de analepses que nos dão conta do crescimento dessa personagem, designadamente, a descoberta do seu próprio eu, em face de um espelho, o primeiro contacto com o não-sentido da morte e a aquisição de consciências da morte de Deus. Assim, o seu passado evolutivo vai iluminando o seu desenvolvimento no presente da ação principal: a interacção da sua verdade com aquela das outras personagens, oscilando entre os polos da aparição e da desaparição, da revelação e da dissimulação, da integração e da desintegração. A acção principal estrutura-se em dicotomias combinadas em triângulos trágicos: Alberto, Sofia e Carolino; Alberto, Sofia e Ana; Ana, Sofia e Cristina etc. Alberto é aquele que introduz o vírus da interrogação no seio da comunidade eborense: Era absolutamente necessário que a vida se iluminasse na evidência da morte e como professor, caber-lhe-ia, além disso, trazer respostas. No entanto, ele cumpre apenas ambígua e incompletamente esse estatuto. As suas interrogações desintegram definitivamente Sofia de quem será amante, e corporiza toda a despolaridade potencial que as interrogações comportam. E Carolino que destruído pela corrosividade das interrogações da vida e perplexo diante do poder que percebe em si, acabará por assassinar Sofia infelizmente, esta de quem também se tinha tornado amante.
Queridos estudantes, minhas senhoras e meus senhores, quando falamos das interrogações, falamos da problematização da vida em face da morte. E logo, perceberão, durante a leitura, que Alberto não cessa de verbalizar o absurdo da mortalidade, tal como ela é expressa no sacrifício de Cristina, a criança loura que tocava Chopin divinamente, sugerindo através da música uma autonomia da realidade humana. Todavia, é exactamente através da morte de Cristina que se torna possível a exaltação integral da condição humana desde as suas raízes mortais – a sua aparição.
A professora, olhando atentamente para os alunos, disse:
– Minhas senhoras e meus senhores, sejam bem-vindos ao mercado da vida. Aí onde a dor e lágrima são sacrificadas para a ressurreição da felicidade. Nas minhas aulas, é imperioso que tragam convosco o livro que será o nosso objeto de estudo, a gramática do Português Moderno que será a nossa ferramenta indispensável, o meio através do qual estudaremos morfológica e sintaticamente a natureza das palavras que foram convidados a construir o livro “Aparição”, e, sem vos esquecerdes, por favor, do Dicionário. Vós, no entanto, sereis autores das vossas notas. Haverá encenação dos personagens em forma de teatro e trabalharão arduamente nos textos. Esses exercícios bem feitos e mais outros que adiante actualizarei, determinarão a vossa passagem de ano. Sendo assim, está aberto o ano académico na disciplina de Português. Há alguma pergunta?
– Sim, professora. – Disse o Francisco.
– Diga Francisco.
– Onde encontraremos o material e quanto custa?
– Na secretaria do colégio, e os custos variam desde quatro mil a três mil kwanzas ou, contactar, por favor, o Padre Carlos. E mais alguma pergunta? Está bem, então, nada mais havendo, dou por terminada a nossa aula de hoje. Até a próxima.
– Até a próxima, Senhora Professora. Responderam os estudantes, entusiasticamente.
Era a hora do intervalo. A aula de português dividia opiniões entre os estudantes. Como isso seria feito? Perguntavam-se. Outros ainda aplaudiam a competência comunicativa e gramatical da nova professora. Ela é uma excelente professora. – Disse o