Um meeting na parvonia. Unknown
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Um meeting na parvonia / poemeto escripto num canto
Oh! Musa sacripanta dos Vardascas,
Onzeneira, bulhenta, peralvilha,
Bachante de bordeis, deusa de tascas,
De Momo e da Discordia a vêsga filha,
Empresta-me o teu estro, põe-me em lascas,
Regateira infernal, vil farroupilha,
A mente, e, qual fusil na pederneira,
Accende-m'a com chamma de fogueira.
Preciso de fatal inspiração,
Não bebida na fonte de Hypocrene,
Como o enfermo que em grave indigestão
Carece vomitar, ou tomar séne.
Acode-me com o estro de febrão,
Que delire em linguagem torpe, infrene.
Oh! Musa, qual Medéa ardendo em furias,
Incita-me ás poeticas luxurias.
Dá-me influxo mordaz, horripilante,
Como outr'ora abrasou um Aretino,
Esse fogo infernal, que teve o Dante,
Ou a graça sequer de Tolentino;
Mas tu, oh! Musa reles, e farçante,
Não me entruges o plectro de mofino;
Se me negas o dar-me engenho e arte,
Nem mais um decilitro hei de pagar-te.
E seja o canto meu feroz, medonho,
Que similhe ao uivar do voraz lobo,
Ao crocitar dos corvos; enfadonho
Como o sorrir alvar de informe bobo,
Que a tratar o assumpto, que proponho,
Requer-se petulancia, e tal arroubo,
Que o leitor, deliquido n'um desmaio,
Me pareça assombrado pelo raio:
—N'um domingo de março, pela estrada
Que de Arroyos conduz á Panasqueira,
Vão magotes de povo de ranchada
A provar o bom vinho, e a petisqueira
Do louro peixe frito e da salada,
Que na Perna de Pau a taberneira
Lhes prepara; e com litros, comesanas,
De lá voltam com grandes carraspanas.
Já burbulham as arvores, e as flores
Engrinaldam os prados de Flora;
As aves gorgeando os seus amores
Alternam o chiar da triste nora.
Correm montes e valles caçadores
Co'as matilhas de cães, mas em má hora,
Que as pintadas perdizes e coelhos
Levam ventos nas azas, nos artelhos.
O dia estava brusco, e os pardaes
Chilreiam festejando o solsticio
Da vital primavera; nos curraes
Muge a vaca saudosa ao beneficio
Da pavêa; espirram os catharraes.
O povo é convidado p'ra um comicio,
Onde avido concorre p'ra tratar
D'uma ideia, que ha muito anda no ar.
Bôa gente de artistas, operarios,
Crestada pelas lavas do trabalho,
Vivendo das migalhas dos salarios
Que do fisco escaparam; rebotalho
Condemnado a subir asp'ros calvarios,
Que busca naipe ser no vil baralho,
D'onde querem tirar valetes, reis,
E trumphar co'o direito só das leis.
Vão anchos, vão alegres na esp'rança
D'um futuro feliz, que os seus tribunos
Lhes promettem de ha muito. Essa alliança
Da justiça e poder, fins opportunos
Que á força popular lhes affiança
O livral-os das unhas dos gatunos,
Que roubando a nação se fazem nobres,
Vampiros a chupar o sangue aos pobres.
É grande a multidão ali trazida:
Alguns por curiosos se conduzem,
A outros a cobiça mais convida,
Que muitos com promessas se reduzem;
E quantos com a mente prevenida
De utopias, que o animo seduzem,
Com a grata illusão de vir a ser
Povo e rei de si mesmo no poder.
Suspenso vê-se á porta da taberna
Um ramo de loureiro; mais em baixo
Por symbolo pintaram-lhe uma perna
E um letreiro:—«Bom vinho do Cartaxo,
Peixe frito, e as iscas á moderna»;
E de copo na mão vê se um borracho
Apontando p'ra a quinta, onde em devesas
Lá sob os parreiraes estão as mezas.
A gente á porta embica n'um montão,
Inquieta formigando n'um bulicio,
Como em dia de roda ao Campeão
Concorre por esp'rar o beneficio
D'uma sorte feliz, d'um alegrão.
Assim acode ali, e no comicio
Apanha, triste sorte, muita chuva,
Muita parra, coitada, e pouca uva.
Escolhem d'entre a turda in-continente
Um quidam consid'rado dos mais doutos,
Que occupando o logar de presidente
Ao sentar-se salvou com tres arrotos;
E com voz mal toada, intermittente,
Vae fallando, e cuspindo perdigotos;
Assim impertigado estende a mão:
«Eu abro, meus senhores, a sessão.»
E logo sobre um banco alevantado
Um homem vocifera, gesticula,
Os ministros ataca, e de zangado,
Em verrina, que mais descamba em chula,
Invectiva o imposto, e o tratado
Que aprovára das côrtes a matula.
—Embora, oh! patria minha, luctes, arques;
Não consintas vender Lourenço Marques!
«São justas nossas queixas, continua
O fogoso orador: heis de soffrer
Um inepto governo, que pactua
Co'a deshonra, e que falta ao seu dever?
Que