Anuario iberoamericano de regulación. Varios autores

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dos atos administrativos emanados no campo do poder de polícia.

      Não obstante, entre nós, a autorização acabou recebendo contornos um pouco distintos daqueles tratados na doutrina europeia. Exceto pela visão de Miguel Reale, que é muito próxima daquela adotada pela doutrina italiana17, a doutrina brasileira sempre tratou a autorização como um ato essencialmente discricionário e precário, impassível, portanto, de criação de direitos subjetivos para o particular autorizatário.

      Nos primórdios, a doutrina tratava da autorização como um dos atos de polícia. Este ato constituía-se como “o ato administrativo discricionário pelo qual se permitir ao particular exercer atividade que, sem o assentimento da administração, seria proibida18. Seguem posição semelhante Themístocles Brandão Cavalcanti19, Francisco Campos20 e outros.

      Não obstante, a posição mais importante, que se tornou referência na teoria e na prática do Direito Administrativo, foi aquela manifestada por Hely Lopes Meirelles. O autor, em uma cuidadosa classificação dos atos administrativos, definia autorização como:

      ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração (...)21.

      Em outra manifestação, completa o autor:

      na autorização, há apenas, uma aquiescência unilateral, precária e discricionária, que possibilita a atividade ou a execução do serviço, sem qualquer encargo para o autorizante e sem nenhuma garantia para o autorizatário”22.

      Dada a relevância da definição apresentada pelo autor, ainda hoje presente em decisões e atos normativos da Administração Pública, importante analisar todas as suas implicações, como passarei a desenvolver.

      Em primeiro lugar, é relevante notar que o autor classifica a autorização como ato necessariamente discricionário e precário, ou seja, ato que pode ou não ser outorgado, conforme juízo de conveniência a oportunidade pela Administração Pública e que, igualmente, pode ser revogado a qualquer tempo. Essa classificação tem implicações muito relevantes e significativas para a posição jurídica subjetiva do particular, eis que: (i) implica a inexistência de direito subjetivo à obtenção do ato autorizatório; (ii) atribui à Administração Pública a capacidade de avaliar, segundo as condições do caso concreto, a conveniência e a oportunidade de se outorgar uma autorização a um particular que a pleiteia; e (iii) não cria proteções à esfera jurídica do particular autorizado, eis que o ato de autorização, por sua precariedade, poderia ser revogado a qualquer tempo, sem que qualquer direito fosse garantido ao autorizatário.

      Em segundo lugar, a classificação apresentada pelo célebre administrativa brasileiro extrapola a delimitação clássica do poder de polícia, como ocorria nas manifestações doutrinárias majoritárias que lhe antecedem. A razão para tanto decorre do fato de que Hely Lopes Meirelles menciona a pertinência da autorização para garantir o acesso a atividade (formulação clássica do poder de polícia) ou serviço, algo que já entraria no campo dos serviços públicos. Ou seja, o autor em discussão admite que possa haver autorização de serviços privativos da Administração Pública, extrapolando o binário tradicional de concessão/permissão.

      Em terceiro lugar, o autor em análise ainda afirma que a autorização é outorgada no interesse exclusivo ou predominante do autorizado. Com isso, quer-se afirmar que as atividades autorizadas não poderiam se voltar para a satisfação de um interesse da coletividade, mas apenas um interesse do autorizado. Tal afirmação possui grande relevo para determinar o cabimento da autorização, da concessão e da permissão segundo o pensamento de Hely Lopes Meirelles – o qual, diga-se, teve enorme influência sobre os doutrinadores posteriores e sobre a prática administrativa23.

      O autor ainda expressamente manifesta-se no sentido de que as atividades exploradas em regime de autorização, quando qualificadas como serviço público, teriam como traço a sequer inexistência de um regulamento de serviço, algo que seria ínsito e típico das permissões e autorizações. Nesse passo, para o autor, o elemento diferencial da autorização no campo dos serviços públicos é sua exploração segundo ordens exclusivas do ente autorizante, sem a estabilidade típica dos regulamentos, o que não assegura ao autorizatário qualquer forma de indenização ou pleito perante o autorizante24.

      Em consonância com a classificação apresentada pelo autor, a concessão é cabível para contemplar a delegação não discricionária e não precária (i.e., contratual e aprazada) de um serviço público para um particular, que o presta em nome e lugar do Estado. De outro turno, a permissão seria cabível para contemplar a delegação unilateral, precária e discricionária de um serviço público a um particular, para prestação à coletividade, também em nome e lugar do Estado, o que se caracteriza pela incidência de regulamentos de serviço. Por fim, como já mencionado, a autorização prestar-se-ia para permitir a prestação de um serviço público, de forma unilateral, precária e discricionária, no interesse exclusivo ou predominante do particular, sem a existência de um regulamento de serviço25.

      Ocorre, contudo, como é cediço, que a obra de Hely Lopes Meirelles foi majoritariamente escrita antes da edição da Constituição Federal de 198826, não contemplando o que determina o disposto no artigo 21, incisos XI e XII, de nossa Carta Política. Referidos dispositivos – sendo que o primeiro teve sua redação dada pela Emenda Constitucional n.° 11/98 – expressamente preveem um rol de atividades que devem ser exploradas pela União Federal, diretamente ou por meio de concessão, permissão ou autorização.

      Nesse diapasão, passa a ser fundamental interpretar-se o que venham a ser esses três institutos e o que significam as competências materiais da União Federal contempladas nos dispositivos mencionados. E isso ocorre porque o texto constitucional não determinou o que venham a ser atividades lá descritas (serviços públicos ou não) e nem tampouco determinou os contornos e o cabimento dos institutos da autorização, da concessão e da permissão nos casos lá versados.

      Muito embora a previsão constitucional da autorização como instrumento apto a permitir a exploração de atividades como telecomunicações, energia elétrica e transportes aéreos, terrestres e aquaviários demande, claramente, a meu ver, uma revisão da visão desse instituto do Direito Administrativo, fato é que a doutrina brasileira mais tradicional não mudou significativamente seu posicionamento após o advento da Constituição Federal de 1988.

      Os exemplos mais importantes de manifestações doutrinárias apresentadas após a Carta Constitucional quanto à manutenção do significado clássico da autorização são aquelas apresentadas por Celso Antônio Bandeira de Mello e por Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

      Segundo o primeiro autor, a previsão da locução autorização nos incisos XI e XII da Constituição Federal somente pode ser interpretada de duas formas: (i) casos em que há a exploração de uma das atividades arroladas em referidos dispositivos no interesse exclusivo do particular, sem qualquer caráter público na atividade (como exemplo, o autor cita o caso em que um particular desenvolva uma atividade de telecomunicação para seu uso exclusivo); ou (ii) casos em que há, de fato, a exploração de um serviço público por meio de autorização para resolver situação emergencial até que seja adotados os procedimentos cabíveis para outorga de permissão ou autorização27.

      Já para a segunda autora mencionada, a

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