Anuario iberoamericano de regulación. Varios autores
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O segundo ponto relevante é que o Código Brasileiro de Aeronáutica não faz distinção quanto à finalidade do aeródromo público para fins de cabimento de autorização ou concessão. Como já sublinhei, esse diploma legal expressamente prevê a existência de aeródromos públicos e aeródromos privados. Caso a construção doutrinária de que a autorização apenas pode se prestar para empreendimentos autorizados no interesse exclusivo do autorizatário estivesse correta – o que já demonstrei não estar – e fosse aplicável ao setor aeroportuário, seria natural que a autorização somente coubesse para aeródromos privados e, portanto, somente fosse cabível a concessão para aeródromos públicos.
Contudo, como é claramente apreensível da redação do artigo 36 ora em análise, tanto concessão como autorização são aplicáveis para aeródromos públicos, ou seja, aeródromos voltados à utilização por qualquer interessado, independentemente da aquiescência dos respectivos proprietários. Portanto, parece-me evidente que, nos quadrantes da lei setorial (i.e., Código Brasileiro de Aeronáutica), é perfeitamente possível a concorrência com assimetria regulatória entre aeródromos operados em regime de serviço público por meio de concessões e aeródromos operados em regime privado por meio de autorização.
Dizendo com outras palavras, é equivocado afirmar que a lei (em sentido estrito) veda que haja aeródromos públicos operados por meio de autorização em regime de competição com aeródromos públicos operados por meio de concessão, ou diretamente pelo Poder Público (hipóteses arroladas nos incisos I a III do artigo em discussão). O simples fato de o Código Brasileiro de Aeronáutica contemplar concessão e autorização como títulos habilitantes de aeródromos públicos já é suficiente para atestar que a competição mencionada não apenas é permitida, como também é existente.
O que ocorre, contudo, é que pode haver (como, realmente, há), restrições quanto ao âmbito de materialização dessa competição. É dizer, que há competição é inegável. Entretanto, a abrangência dessa competição é que pode ser limitada por atos infralegais que, porventura, venha a complementar o Código Brasileiro de Aeronáutica.
Essa constatação aparece de forma evidente no conteúdo do Decreto 7.781/2012, que regulamenta o regime de autorização para a exploração de aeródromos públicos. Nos termos de referido decreto, os aeródromos públicos explorados por meio de autorização somente podem ser voltados para serviços privados de aviação, excluindo-se, portanto, a possibilidade de recebimento de voos da aviação comercial (artigo 2º)64.
Assim é que, de lege lata, a concorrência entre aeródromos públicos operados no regime de serviço público (i.e., por meio de concessão ou diretamente pelo Poder Público) é limitada quanto ao respectivo mercado relevante, pois que somente pode existir em relação aos voos não operados no regime de serviço público. Portanto, é claro e evidente que há competição entre aeródromos concedidos e autorizados, mas essa competição somente se dá em relação aos voos não operados em regime de serviço público. Quando se tratar dos serviços públicos de transporte aéreo de passageiros, há uma reserva de mercado para os aeródromos públicos operados no regime de serviço público.
Nesse diapasão, é possível concluir-se que (i) é possível a construção e a exploração de um aeroporto privado no regime de autorização, com base em bens privados e com iniciativa exclusivamente privada, sem qualquer necessidade de iniciativa por parte do Poder Público, e (ii) a exploração de referido aeroporto em regime de autorização, segundo o regime atualmente vigente, impossibilita sua abertura para a aviação comercial, não lhe sendo possível, pois, oferecer os serviços de operação aeroportuária para qualquer voo operador no regime de serviço público.
Por conseguinte, no regime atualmente vigente do Código Brasileiro de Aeronáutica, a existência de aeroportos privados autorizados é possível e não encontra, nos lindes de referida lei, limitações. Contudo, em cotejo com o disposto no Decreto 7.871/2012, tem-se que o mercado relevante de atuação de tal aeroporto seria muito restrito, em comparação aos demais aeródromos públicos, já que somente poderia servir a receber voos de serviços privados de aviação.
Não obstante, o ponto mais relevante de tudo o quanto já exposto neste tópico reside no fato de que a Constituição Federal e a lei parlamentar não vedam a existência de aeródromos públicos explorados por autorização e concorrentes a outros aeródromos explorados no regime de serviço público. Muito ao contrário, aliás. O quanto já tive a oportunidade de expor em referência ao conteúdo do artigo 21, XII, da Constituição Federal, e do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica deixa evidente que essa competição não apenas é possível, quanto deve ser desejável em função das potencialidades que podem advir da livre iniciativa e da livre concorrência.
Apenas se poderia argumentar pela impossibilidade de competição entre aeródromos explorados por autorização e aeródromos explorados por concessão, caso os primeiros fossem um óbice a que os segundos cumprissem suas finalidades de serviço público65. Havendo, dentro do respectivo mercado relevante, capacidade para concorrência sem prejuízo às obrigações de serviço público, é perfeitamente possível que haja a competição mencionada.
Daí chego à conclusão clara de que, nos casos de mercados relevantes já devidamente atendidos a contento por infraestruturas sujeitas ao regime de serviço público, conforme seja demonstrada saturação em estudos técnicos pertinentes, não há qualquer óbice para que aeroportos privados entrem em regime de competição com os demais aeródromos públicos existentes operantes no regime de serviço público. E razão para tanto é muito simples: a entrada de uma infraestrutura competidora não porá em risco as finalidades de serviço público.
Muito ao contrário, aliás. Com a saturação do mercado, a existência de uma infraestrutura privada competidora estimulará a necessidade de busca pela eficiência e pelo aprimoramento na prestação dos respectivos serviços, com claros ganhos para os usuários. A manutenção de um regime restritivo à concorrência em um cenário de saturação de mercado é desencontrada dos interesses dos utentes, haja vista que preserva mercado inadvertidamente e inibe melhorias, inovações e busca pela eficiência.
Portanto, parece-me evidente que, dada a realidade dos serviços aeroportuários em regiões cujas infraestruturas sujeitas ao regime de serviço público estejam saturadas, é perfeitamente possível a alteração do regime do Decreto 7.781/2012 e a criação de um regime autorizatório capaz de inserir um aeroporto privado como infraestrutura competidora. Essa alteração, aliás, não apenas seria possível, como determinada pelo conteúdo da Ordem Econômica Constitucional.
Diante disso, parece-me fundamental, neste momento, dissertar sobre os contornos de uma nova autorização aeroportuária a ser criada de lege ferenda para permitir a implantação de aeroportos privados. Para tanto, dividirei a minha análise nos seguintes temas: (i) regime de outorga da nova autorização; (ii) regime de estabilidade da autorização; (iii) regime de encerramento da autorização; e (iv) regime normativo da autorização.
1. REGIME DE OUTORGA DA NOVA AUTORIZAÇÃO
Como tive a oportunidade de dissertar no tópico III deste trabalho, o campo de aplicação das autorizações, nos quadrantes do inciso XII do artigo 21 da Constituição Federal, é demasiadamente diversificado. Por isso, não é possível estabelecer-se