O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton
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— Que família tão encantadora, senhor Tenkink — comentou Truus.
Recostou-se na cadeira, tentando não mostrar as suas cartas, e permitiu que o senhor Tenkink elaborasse um monólogo de orgulho paterno que, ao fim e ao cabo, ela própria encorajara. A paciência era uma das suas virtudes.
Devolveu a fotografia a Tenkink, que sorriu com carinho.
— Uma das crianças alemãs é um bebé, ainda mais pequeno do que a sua filha nessa fotografia, senhor Tenkink — disse Truus, usando o termo «alemãs» e não «judias», afastando o foco dessa característica que era a que mais preocupava Tenkink, antes de ir direta à questão enquanto ele ainda segurava a fotografia dos filhos. — Tenho a certeza de que até o mais frio dos corações poderá ter piedade de um bebé.
Tenkink olhou para a autorização que estava na secretária e, depois, olhou para Truus.
— Menino ou menina?
— O que prefere, senhor Tenkink? Não há maneira de o saber com os bebés quando estão bem agasalhados para que a imprensa os admire.
Tenkink, abanando a cabeça, assinou a autorização e disse:
— Senhora Wijsmuller, quando os nazis invadirem a Holanda, espero que ponha a mão no fogo por mim. Parece que consegue convencer qualquer pessoa do que quiser.
— Deus não o queira — disse Truus. — Mas, nesse caso, sem dúvida, Ele porá a mão no fogo por si, senhor Tenkink. Obrigada. Há muitas crianças que precisam da nossa ajuda.
— Bom — começou a dizer o senhor Tenkink —, se não desejar mais nada…
— Entendo que é impossível — interrompeu Truus —, mas ouvi dizer que, em Hamburgo, um grupo das SS tirou trinta órfãos da cama e deixou-os na rua de pijama.
— Senhora Wijsmuller…
— Trinta crianças de pijama, com os pés descalços, na neve, enquanto as SS pegavam fogo ao seu orfanato.
— O que aconteceu ao «apenas onze»? — perguntou Tenkink, com um suspiro. Olhou para a fotografia da família e acrescentou: — E suponho que essas trinta também sejam judias. Tenciona salvar todos os judeus do Reich?
— Alojam-se na Alemanha em casa de cidadãos não judeus — explicou Truus. — Não é necessário dizer-lhe o que os nazis fazem aos cristãos que desafiam as suas proibições de ajudar os judeus.
— Com o devido respeito, senhora Wijsmuller, a proibição nazi de ajudar os judeus também afeta as mulheres holandesas que atravessam a fronteira para…
Truus olhou com insistência para a fotografia da sua família.
— Mesmo que pudesse ajudar — continuou Tenkink —, diz-se que, em breve, aprovaremos a lei que fechará a nossa fronteira. Talvez seja em poucas semanas ou até dias. Se não tem a informação necessária, não vejo como…
Truus entregou uma pasta castanha com cordões verdes que continha toda a informação de que precisaria, classificada corretamente. Era uma forma mais fácil de o fazer aceitar.
— Está bem, está bem — acedeu Tenkink, abanando a cabeça. — Verei se consigo fazer com que as aceitem temporariamente. Só até lhes encontrarem lares fora da Holanda. Fica claro? Têm família noutro lugar, na Inglaterra ou nos Estados Unidos?
— Sim, é claro, senhor Tenkink — replicou Truus. — É por isso que estão descalços no meio da neve a ver como queimam o seu orfanato judeu.
EXPOSIÇÃO DA VERGONHA
Lisl Wirth estava junto do marido na galeria de Munique, no último dia da exposição: Obras cubistas, futuristas e expressionistas que tinham sido expulsas dos museus alemães por não cumprirem os «padrões» artísticos do führer, todas expostas de má maneira e com preços destinados a fazer com que os visitantes se rissem. Qualquer pessoa com um pouco de sentido artístico perceberia que a outra exposição de Munique, a Exposição da Grande Arte Alemã, localizada na nova Haus der Deutschen Kunst de Hitler, estava cheia de paisagens incompetentes e nus aborrecidos em comparação. Como é que alguém podia fazer nus tão aborrecidos como aquela «grande» arte alemã? E esta era a «arte degenerada»? O Paul Klee que tinha à sua frente era lindo na sua simplicidade; as linhas ásperas da cara do pescador, a curva elegante dos seus braços, a longitude da cana de pesca num azul tão variado e evocador como o próprio mar. Fê-la pensar em Stephan, embora não soubesse porquê. Não achava que o seu sobrinho alguma vez tivesse ido à pesca.
— Gostas? — perguntou a Michael, surpreendendo-se com a pergunta. Até há poucas semanas, teria tido a certeza de que adoraria, mesmo que fosse apenas porque ela também gostava. — O Klee, O Pescador — disse e teve de especificar a qual se referia, porque os quadros estavam todos misturados, uma falta de respeito que era evidente graças às palavras das paredes: A loucura torna-se método.
Em vista do silêncio de Michael, Lisl concentrou-se nas palavras.
Ouviu gargalhadas atrás dela, as pessoas de mentes fechadas a comportar-se como se esperava delas.
Baixou o tom de voz e disse a Michael:
— Pensava que o Goebbels gostava dos modernistas.
Michael olhou para ela com inquietação.
— Isso era antes de o Hitler dizer no seu discurso que a arte degenerada minava a cultura alemã, Lis. Antes de promover o Wolfgang Willrich e o Walter Hansen.
Dois denunciantes — artistas falhados, mas denunciantes experientes — encarregados de estipular que arte devia aplaudir-se e que arte devia desprezar-se.
— Esta exposição foi ideia do Goebbels e é um gesto político muito inteligente.
Lisl afastou-se do quadro de Klee e de Michael. Quando é que o marido se transformara em alguém que valorizava a astúcia política acima da expressão artística?
Até Gustav e Therese Bloch-Bauer pareciam indiferentes ao assalto nazi à cultura, embora todos estivessem demasiado ocupados com as suas famílias e as suas vidas para se aperceberem das nuvens políticas que se acumulavam por cima da fronteira entre a Alemanha e a Áustria. Todos pensavam que Hitler era uma moda alemã passageira, que não aconteceria na Áustria, que a Áustria sobrevivera ao assassinato do chanceler Dollfuss e à tentativa de golpe de estado nazi há três anos e também sobreviveria a isto. Além disso, as pessoas tinham negócios para gerir, crianças para criar, festas para ir, retratos para os quais posar e arte para comprar.
Lisl fingiu interesse noutro quadro, noutra escultura, até acabar numa sala diferente da do marido, admirando um autorretrato de Van Gogh. Chagalls, Picassos e Gauguins, uma parede dedicada, de forma pouco lisonjeira, aos dadaístas. Ao chegar a uma divisão que catalogou como «a sala dos judeus», percebeu a situação delicada em que se encontrava. «Revelação da alma racial judia», estava escrito numa parede. Os quadros pareceram-lhe extraordinários. Esperava