O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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perguntava porque Zweig abandonara a Áustria.

      — Nem sequer é judeu — comentou. — Pelo menos, não praticante.

      — Disse o meu marido gentil — repreendeu-o Lisl, com carinho.

      — Casado com a judia mais bonita de Viena — disse ele.

      Lisl viu como Rolf parava Stephan para lhe entregar o casaco desgastado da rapariga. Žofie-Helene pareceu tão surpreendida quando Stephan lho segurou que Lisl quase desatou a rir-se. Com dissimulação, Stephan inalou o cheiro do cabelo da rapariga quando estava de costas para ele e Lisl questionou-se se Michael alguma vez cheirara o seu cabelo quando eram namorados. Ela era um ano mais velha do que Stephan era naquele momento.

      — O amor juvenil não é maravilhoso? — perguntou ao marido.

      — Está apaixonada pelo teu sobrinho? — inquiriu Michael. — Não sei se o encorajaria a sair com a filha de uma jornalista demagoga e agitadora.

      — Qual dos seus pais achas que instiga mais as massas, querido? — perguntou Lisl. — O pai que, conforme nos disseram, se suicidou num hotel de Berlim em junho de 34, a mesma noite em que morreram tantos opositores do Hitler? Ou a mãe que, viúva e grávida, se encarregou do trabalho do marido?

      Viu Stephan e Žofie a desaparecer pela porta, seguidos pelo pobre Rolf, que corria com o cachecol esquecido da rapariga, de um tecido bonito cor-de-rosa aos quadrados.

      — Bom, não saberia dizer se essa rapariga está apaixonada pelo Stephan — comentou —, mas, certamente, ele está encantado com ela.

      EM BUSCA DE STEFAN ZWEIG

      — Ai, mein Engelchen com os seus admiradores: O dramaturgo e o parvo! — exclamou Otto Perger para o cliente. Não via a neta desde antes do Natal, mas ouviu-a a descer as escadas no outro extremo do vestíbulo, a conversar com o jovem Stephan Neuman e com outro rapaz.

      — Espero que prefira o tolo — respondeu o homem, dando uma gorjeta generosa a Otto, como sempre. — Os escritores não têm jeito para o amor.

      — Receio que esteja um pouco apaixonada pelo escritor — comentou Otto —, embora não saiba se se apercebe. — Fez uma pausa, desejava atrasar o cliente durante o tempo suficiente para lhe apresentar Stephan, mas o homem tinha um motorista à espera e as crianças pareciam ter parado, como costumava acontecer com os jovens. — Bom, alegra-me que tenha desfrutado da visita à sua mãe — comentou.

      O homem foi-se embora apressadamente e encontrou-se com os jovens na entrada. Já estava a subir as escadas quando olhou para trás e perguntou:

      — Qual de vocês é o escritor?

      Stephan, que estava a rir-se de alguma coisa que Žofie dissera, nem sequer pareceu ouvir, mas o outro rapaz apontou para ele.

      — Boa sorte, filho. Agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

      Foi-se embora e os jovens entraram na barbearia. Žofie anunciou que era o aniversário de Stephan.

      — Feliz aniversário, jovem Neuman! — exclamou Otto, enquanto abraçava a neta, que se parecia tanto com o pai que quase pôde ouvir o filho na sua voz acelerada. Viu Christof nos seus óculos sujos. Até o seu cheiro era o mesmo: Amêndoas, leite e raios de sol.

      — Era o herr Zweig — disse o amigo.

      — Quem, Dieter? — perguntou Stephan.

      — Jovem Stephan, o que estiveste a fazer na ausência da nossa Žofie? — perguntou Otto.

      — Estava sentado ao nosso lado no Café Central antes de o Stephan chegar. O Zweig. Com a Paula Wesseley e a Liane Haid, que parece muito velha.

      Otto hesitou, sem querer admitir que aquele rapaz tão tolo tinha razão.

      — Receio que o herr Zweig tivesse de apanhar um avião, Stephan.

      — Era ele? — Stephan ficou tão dececionado que, com o cabelo em pé no cocuruto, apesar dos esforços de Otto, pareceu um menino pequeno. Otto gostaria de lhe garantir que teria outra oportunidade de conhecer o seu herói, mas parecia-lhe improvável. A única coisa de que tinham falado — ou a única coisa de que Zweig falara enquanto Otto o ouvia — era se Londres estaria suficientemente longe de Hitler. Herr Zweig sabia como Christof morrera, o filho de Otto; sabia que Otto entendia como uma fronteira podia ser fraca.

      — Espero que sigas o conselho que o herr Zweig te deu, Stephan — comentou Otto. — Disse que, agora mais do que nunca, precisamos de escritores com talento.

      O que já era alguma coisa. Aquele grande escritor encorajara Stephan, embora o rapaz não tivesse ouvido.

      * * *

      Adolf Eichmann mostrou ao novo chefe gordo, o Obersturmführer Wisliceny, o Departamento Judeu de Segurança e acabou na sua própria secretária, junto da qual estava sentado o Tier, o pastor alemão mais bonito de Berlim.

      — Meu Deus, está tão quieto que parece dissecado — comentou Wisliceny.

      — O Tier está muito bem treinado — declarou Eichmann. — Seriamos capazes de nos livrar dos judeus e de passar a assuntos mais importantes se a Alemanha tivesse tanta disciplina como ele.

      — Treinado por quem? — perguntou Wisliceny, ocupando a cadeira do próprio Eichmann para mostrar a sua patente superior.

      Eichmann ocupou a cadeira das visitas e estalou os dedos uma vez para que o Tier fosse ter com ele. Assegurara a Wisliceny que o Departamento de Segurança II/112 funcionava como a seda, ainda que, na verdade, fosse uma seda rasgada e amarrotada. Operavam em três pequenas divisões no Palácio Hohenzollern, enquanto a Gestapo, com o seu próprio escritório judeu e muitos mais recursos, aproveitava para os desgastar. No entanto, Eichmann aprendera da pior forma que as queixas eram piores para quem se queixava.

      — O seu artigo sobre o «Problema Judeu», Eichmann, é muito interessante. A ideia de conseguirmos fazer com que os judeus abandonem a Alemanha se desmantelarmos os seus alicerces económicos aqui, no Reich. Mas porque haveríamos de os obrigar a emigrar para a África ou para a América do Sul e não para outras nações europeias? O que importa para onde vão, desde que nos livremos deles?

      Eichmann respondeu com educação.

      — Não queremos que as suas capacidades acabem nas mãos de países mais desenvolvidos que possam beneficiar em detrimento do nosso, acho eu.

      Wisliceny semicerrou os seus pequenos olhos prussianos.

      — Acha que os alemães não conseguem sobreviver melhor do que os estrangeiros ajudados por uns judeus de que desejamos livrar-nos?

      — Não. Não! — protestou Eichmann, pondo uma mão na cabeça do Tier. — Não me referia a isso.

      — E a Palestina, que o senhor inclui como país «atrasado», é território britânico.

      Eichmann, ao ver que aquilo iria de mal a pior, perguntou a Wisliceny qual era a sua opinião sobre o assunto, submetendo-se a um discurso compridíssimo e cheio de tolices e fanfarronadas apoiadas

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