A Ordem. Daniel Silva

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A Ordem - Daniel Silva HARPERCOLLINS PORTUGAL

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durante o jantar e não houve qualquer indício da violência e do escândalo que os uniam. Donati especulou sobre o resultado do conclave, mas evitou o assunto da morte de Lucchesi. Parecia, acima de tudo, estar atento a cada palavra que Veronica proferia. O afeto entre eles era dolorosamente óbvio. Donati estava a caminhar à beira de uma fenda alpina. Pelo menos para já, Deus estava a protegê-lo.

      Só o telefone de Gabriel servia como recordatório do motivo pelo qual se tinham reunido naquela noite. Pouco depois das dez, estremeceu com uma atualização de Telavive. Os ciberdetetives da Unidade 8200 tinham conseguido recuperar a candidatura original de Niklaus Janson à Guarda Suíça. A atualização seguinte chegou às dez e meia, quando a Unidade encontrou a sua ficha de serviço completa. Estava escrita em alemão da Suíça, a língua oficial da Guarda. Continha uma referência aos dois recolheres obrigatórios violados, mas nada sobre uma relação sexual com um padre da Cúria.

      — E o número de telemóvel? Tem de estar lá. Os guardas estão sempre de plantão.

      — Paciência, Vossa Excelência.

      A espera pela mensagem seguinte durou apenas dez minutos.

      — Encontraram um antigo ficheiro de contactos que incluía o segundo-cabo Niklaus Janson. Contém um número de telemóvel e dois e-mails, uma conta do Vaticano e uma conta pessoal do Gmail.

      — E agora? — perguntou Donati.

      — Descobrimos onde está o telefone e se o Niklaus Janson ainda está na posse dele.

      — E depois?

      — Ligamos-lhe.

      12

      ROMA–FLORENÇA

      Donati foi acordado pelo dobrar de sinos da igreja. Lentamente, abriu os olhos. A luz do dia contornava as extremidades de uma persiana fechada. Dormira demais. Colocou uma mão na testa. A sua cabeça pesava devido ao vinho de Carlo Marchese. O seu coração também pesava. Não se atreveu a alongar-se em pensamentos sobre o motivo.

      Sentou-se direito e baixou lentamente os pés até ao soalho frio. Demorou algum tempo a conseguir focar o quarto. Uma secretária repleta de pilhas de livros e papéis, um roupeiro simples, um genuflexório de madeira. Acima dele, pouco visível na escuridão, estava o pesado crucifixo de madeira de carvalho que o seu mestre lhe oferecera alguns dias depois do conclave. Estivera pendurado no apartamento de Donati no Palácio Apostólico. Agora, estava pendurado aqui, no seu quarto na Cúria Jesuíta. Como era diferente do luxuoso palazzo de Veronica. Era o quarto de um homem pobre, pensou. O quarto de um padre.

      O genuflexório chamava-o. Erguendo-se, Donati vestiu o roupão e atravessou o quarto. Abriu o breviário na página adequada e, de joelhos, recitou as primeiras palavras das laudes, a oração matutina.

      Vinde, ó Deus, em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora…

      Atrás dele, na mesa de cabeceira, o telemóvel vibrou. Ignorando-o, leu a seleção de salmos e hinos daquela manhã, juntamente com uma passagem breve do livro do Apocalipse.

      Depois, vi outro anjo que subia do Oriente…

      Só depois de repetir a frase final da oração de encerramento, Donati se ergueu e agarrou no telefone. A mensagem que o aguardava estava escrita em italiano coloquial. As palavras eram ambíguas e cheias de pistas falsas e duplos sentidos. Contudo, as instruções eram claras. Se Donati não soubesse a verdade, teria assumido que o autor era uma criatura da Cúria Romana. Não era.

      Depois, vi outro anjo que subia do Oriente…

      Donati atirou o telefone para cima da cama desfeita e, rapidamente, fez a barba e tomou um duche. Embrulhado numa toalha, abriu as portas do roupeiro. Havia várias batinas e fatos clericais pendurados no varão, juntamente com o seu hábito coral. O seu guarda-roupa civil estava limitado a um único casaco desportivo com cotoveleiras, dois pares de calças castanho-claras, duas camisas brancas, duas camisolas de gola redonda e uns sapatos de camurça.

      Vestiu um dos conjuntos e colocou o outro no saco de viagem. Depois, acrescentou uma muda de roupa interior, artigos de higiene pessoal, uma estola, uma alva, uma faixa e o seu kit de viagem para celebração de missas. Guardou o telemóvel no bolso do casaco.

      Ao sair do quarto, encontrou o corredor vazio. Ouviu o ténue tilintar de vidro, talheres e louça que emanava da sala de refeições comunal e as sonantes vozes masculinas em oração, provenientes da capela. Sem que os seus irmãos jesuítas se apercebessem, apressou-se a descer as escadas e saiu para a manhã outonal.

      Um sedan Mercedes Classe E aguardava na Borgo Santo Spirito. Gabriel estava ao volante, Chiara no lugar do passageiro. Quando Donati deslizou para o banco de trás, o automóvel arrancou disparado. Vários peões, incluindo um padre da Cúria que Donati conhecia de passagem, apressaram-se a fugir do seu caminho.

      — Há algum problema? — perguntou.

      Gabriel olhou de relance para o espelho retrovisor.

      — Vou saber daqui a uns minutos.

      O carro guinou para a direita, evitando, por pouco, um bando de freiras de hábito acinzentado, e atravessou velozmente o Tibre.

      Donati apertou o cinto de segurança e fechou os olhos.

      Vinde, ó Deus, em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora…

      Aceleraram para norte, ao longo da Lungotevere, para a Piazza del Popolo e, depois, para sul, para a Piazza Venezia. Até mesmo segundo os padrões elevados de Roma, era uma viagem de deixar os cabelos em pé. Donati, um veterano de inúmeras escoltas papais, espantou-se com a habilidade com que o seu velho amigo conduzia o poderoso automóvel alemão e com a aparente calma com que, ocasionalmente, Chiara dava direções ou conselhos. A rota que estavam a seguir era indireta e repleta de paragens bruscas e desvios abruptos, tudo pensado para revelar a presença de vigilância motorizada. Numa cidade como Roma, onde as scooters eram um meio de transporte habitual, era uma tarefa árdua. Donati tentou ser prestável, mas, passado algum tempo, desistiu e observou os edifícios salpicados de graffiti e as cordilheiras de lixo por recolher que passavam velozmente pela sua janela. Veronica tinha razão. Roma era bela, mas nojenta.

      Quando chegaram a Ostiense, um bairro operário caótico no Municipio VIII, Gabriel pareceu satisfatoriamente convencido de que não estavam a ser seguidos. Dirigiu-se para a A90, a autoestrada de circunvalação de Roma, e seguiu para norte, para a Autostrada E35, uma estrada com portagem que se espraiava ao longo de todo o comprimento de Itália, até à fronteira suíça.

      Donati descontraiu a sujeição firme ao apoio de braço.

      — Importam-se de me dizer para onde vamos?

      Gabriel apontou na direção de uma placa azul e branca à beira da estrada.

      Donati permitiu a si próprio um breve sorriso. Há muito tempo que não ia a Florença.

      A Unidade 8200 localizara o telemóvel na rede móvel celular de Florença, pouco antes das cinco horas dessa manhã. Estava a norte do Arno, em São Marcos, o bairro da cidade onde os Medici, a dinastia bancária que transformou Florença no coração artístico e intelectual da Europa, tinham alojado a sua coleção de girafas, elefantes e leões. Até agora, a Unidade não conseguira

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