Como e porque sou romancista. José Martiniano de Alencar

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Como e porque sou romancista - José Martiniano de Alencar

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classe trabalhava em uma varanda ao rez do chão, cercada pelo arvoredo do quintal.

      Quando, pouco antes da Ave-Maria, a sineta dava signal da hora de encerrar as aulas, Januario fechava o livro; e com o tom breve do commando ordenava uma especie de manobra que os alumnos executavam com exactidão militar.

      Por causa da distancia da varanda, era quando todo o collegio já estava reunido no grande salão e os meninos em seus assentos numerados, que entrava em passo de marcha a sexta classe á cuja frente vinha eu, o mais pirralho e enfezadinho da turma em que o geral se avantajava na estatura, fazendo eu assim as vezes de um ponto.

      A constancia com que me conservava á frente da classe no meio das alterações que em outras se davam todos os dias, causava sensação no povo collegial; faziam-se apostas de lapis e canetas; e todos os olhos se voltavam para ver si o caturrinha do Alencar 2.º (era o meu apellido collegial) tinha afinal descido de monitor de classe.

      O general derrotado á quem a sua ventura reservava a humilhação de assistir á festa de victoria, jungido ao carro triumphal de seu emulo, não soffria talvez a dor que eu então curti, só com a ideia de entrar no salão, rebaixado de meu titulo de monitor, e rechassado para o segundo lugar.

      Si ao menos se tivesse dado o facto no começo da lição, restava-me a esperança de com algum esforço recuperar o meu posto; mas por cumulo de infelicidade sobreviera o meu desastre justamente nos ultimos momentos, quando a hora estava á findar.

      Foi no meio dessas reflexões que tocou a sineta, e as suas badaladas resoaram em minha alma como o dobre de uma campa.

      Mas Januario que era acerca de disciplina collegial de uma pontualidade militar, não deu pelo aviso e amiudou as perguntas, percorrendo apressadamente a classe. Poucos minutos depois eu recobrava meu lugar, e erguia-me tremulo para tomar a cabeça do banco.

      O jubilo, que expandiu a phisionomia sempre carregada do director, eu proprio não o tive maior, com o abalo que soffri. Elle não se poude conter e abraçou-me deante da classe.

      Naturalmente a questão proposta e cuja solução deu-me a victoria, era difficil; e por isso attribuia-me elle um merito, que não provinha talvez sinão da sorte, para não dizer do acaso.

      Momentos depois entrava eu pelo salão á frente da classe, onde me conservei até o exame.

      III

      Mais tarde quando a razão, como o fructo, despontou sob a flor da juventude, muitas vezes cogitei sobre esse episodio de infancia, que deixara em meu espirito uma vaga duvida á respeito do caracter de Januario.

      Então o excessivo rigor que se me tinha afigurado injusto, tomava o seu real aspecto; e me apparecia como o golpe rude, mas necessario que dá tempera ao aço. Por ventura notara o director de minha parte uma confiança que deixava em repouso as minhas faculdades, e da qual proviera o meu descuido.

      Este episodio escholastico veio aqui por demais, trazido pelo fio das reminiscencias. Serve entretanto para mostrar-lhe o aproveitamento que deviam tirar os alumnos desse methodo de ensino.

      Sabiamos pouco; mas esse pouco, sabiamos bem. Aos onze annos não conhecia uma só palavra de lingua estrangeira, nem aprendêra mais do que as chamadas primeiras lettras.

      Muitos meninos porém, que nessa idade tagarellam em varias linguas, e já babujam nas sciencias; não recitam uma pagina de Frei Francisco de S. Luiz, ou uma ode do Padre Caldas, com a correcção, nobreza, eloquencia e alma que Januario sabia transmittir á seus alumnos.

      Essa prenda que a educação deu-me para tomal-a pouco depois, valeu-me em casa o honroso cargo de ledor, com que me eu desvanecia; como nunca me succedeu ao depois no magisterio ou no parlamento.

      Era eu quem lia para minha boa mãe não sómente as cartas e os jornaes, como os volumes de uma diminuta livraria romantica formada ao gosto do tempo.

      Moravamos então na rua do Conde n. 551. Ahi nessa casa preparou-se a grande revolução parlamentar que entregou ao Sr. D. Pedro II o exercicio antecipado de suas prerogativas constitucionaes.

      Á proposito desse acontecimento historico, deixe passar aqui nesta confidencia inteiramente litteraria, uma observação que me acode e, si escapa agora, talvez não volte nunca mais.

      Uma noite por semana, entravam mysteriosamente em nossa casa os altos personagens filiados ao Club Maiorista de que era presidente o Conselheiro Antonio Carlos e Secretario o Senador Alencar.

      Celebravam-se os serões em um aposento do fundo, fechando-se nessas occasiões a casa ás visitas habituaes, afim de que nem ellas nem os curiosos da rua suspeitassem do plano politico, vendo illuminada a sala da frente.

      Em quanto deliberavam os membros do Club, minha boa Mãi, assistia ao preparo de chocolate com bolinholos, que era costume offerecer aos convidados por volta de nove horas, e eu, ao lado com impertinencias de filho querido, insistia por saber o que alli ia fazer aquella gente.

      Conforme o humor em que estava, minha boa mãe ás vezes divertia-se logrando com historias a minha curiosidade infantil; outras deixava-me fallar ás paredes e não se distrahia de suas occupações de dona de casa.

      Até que chegava a hora do chocolate. Vendo partir carregada de tantas gulosinas a bandeja que voltava completamente destroçada; eu que tinha os convidados na conta de cidadãos respeitaveis, preoccupados dos mais graves assumptos, indignava-me ante aquella devastação, e dizia com a mais profunda convicção:

      – O que estes homens vem fazer aqui é regalarem-se de chocolate.

      Essa, a primeira observação do menino em cousas de politica, ainda a não desmentio a experiencia do homem. No fundo de todas as evoluções lá está o chocolate embora sob varios aspectos.

      Ha caracteres integros, como o do Senador Alencar, apostolos sinceros de uma idéa e martyres della. Mas estes são esquecidos na hora do triumpho, quando não servem de victimas para aplacar as iras celestes.

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      Hoje com a mania das chrismas, do Visconde do Rio Branco. – J. A.

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Hoje com a mania das chrismas, do Visconde do Rio Branco. – J. A.