Ndura. Filho Da Selva. Javier Salazar Calle

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Ndura. Filho Da Selva - Javier Salazar Calle

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embaixo, em contraste com o que vimos até agora, tudo era uma imensa mancha verde: estávamos cruzando a zona do equador. A selva o cobria totalmente. Uma exuberância verde sem fim. O objetivo da nossa próxima viagem seria algo assim, uma subida de barco pelo rio Amazonas, com paradas para desfrutar as imensas formas de vida do lugar. Já havíamos visto a imensidade de uma savana desflorestada e agora queria ver a grandiosidade de um mar de vegetação e vida transbordante. Poder avançar a golpes de facão pela selva quase impraticável, aprender como conseguir alimentos, conhecer tribos perdidas da civilização, ver animais e plantas exóticos… bem, isso seria já no ano que vem, se conseguisse convencer meus amigos; caso contrário, o norte da Itália também não me parecia nada mal.

      Um forte ruído, como uma explosão, seguido de um movimento muito brusco do avião me fez despertar do mundo de fantasias. A aeronave começou a dar saltos no ar e logo parecia que estávamos em uma montanha russa. Fui parar no chão, no meio do corredor, em cima de uma senhora. Levantei-me como pude e voltei ao meu assento, tentando não cair de novo. Gritos estridentes de pânico ressoavam por todos os lados. A confusão era total.

      – Fogo, fogo na asa! –gritou alguém no corredor do lado contrário ao meu no avião.

      – À direita! –observou outro passageiro.

      A princípio não sabia do que estava falando, mas quando olhei pela janela do meu lado pude ver uma fumaceira concentrada que fazia parecer que era noite, uma noite trágica. O avião fazia cada vez mais movimentos bruscos. Algumas pessoas começaram a gritar. No alto-falante soou a voz nervosa e quase ininteligível do piloto, que nos contava que uma guerrilha que ocorria no Congo, o qual estávamos sobrevoando, acabara de nos atingir com um míssil e que teríamos que fazer uma aterrissagem forçada. Uma mulher teve um ataque de histeria e tiveram que colocá-la sentada e presa entre duas comissárias de bordo e um homem que se ofereceu para ajudar. Nós três rapidamente nos sentamos, ajustamos os cintos de segurança e nos pusemos na posição indicada pela comissária durante a decolagem, com a cabeça entre os joelhos, olhando para o pouco alentador chão de metal. Estávamos aterrorizados. Enquanto estava nessa posição incômoda, lembrei de uma vez no noticiário em que haviam falado desses rebeldes que se financiavam porque controlavam algumas das minas de diamante do país, ou do precioso coltan, um mineral que contém um metal indispensável para a fabricação dos chips de celular, dos microchips ou componentes de centrais nucleares. Era algo assim como uma sangrenta guerra civil, na qual todos os países da região tinham interesses econômicos e militares, que já durava mais de vinte anos e que não parecia ter fim.

      As sacudidelas eram tão fortes que me jogavam de vez em quando para frente com tanto ímpeto que o cinto de segurança me comprimia o estômago, me deixando com falta de ar e me fazendo golpear a cabeça contra o assento à frente. Notei como o bico do avião apontava para o solo e começava uma descida vertiginosa. O ruído era infernal, como milhares de motores funcionando a toda potência de uma vez. Logo antes de atingir o solo, o piloto emitiu um último aviso, de que iria tentar uma aterrissagem forçada em uma clareira que havia localizado. A última coisa que pensei foi que todos iríamos morrer na colisão. Logo tudo virou uma grande confusão, sons altos, golpes, escuridão…

      Quando recobrei a consciência, tinha uma fortíssima dor de cabeça. Levei a mão à testa e notei que sangrava um pouco. Tinha ainda contusões e arranhões por todo o corpo; sobretudo um grande hematoma com a pele bem roxa, onde o cinto me havia apertado. Passei os dedos por cima e senti uma ardência intensa que me fez apertar os dentes com força. Olhei para os meus amigos. Juan parecia em estado de choque; emitia uma espécie de grunhidos de lamentação e se movia um pouco; Alex… Alex não se movia absolutamente; seu rosto, antes sempre alegre e cheio de vida, estava totalmente pálido, paralisado, o sangue brotando em abundância da nuca. Chamei-o desesperado, uma vez e depois outra. Toquei o seu rosto, estava muito rígido, segurei-o entre minhas mãos e o agitei levemente, chamando seu nome, implorando. Alex estava morto. Morto. Essa palavra ressoou na minha cabeça mais uma vez, como se fosse seu próprio eco. Morto.

      Angustiado, dominado pela situação, tentava reagir. Na minha cabeça ecoava um bum-bum-bum, talvez por causa do golpe. Espera aí, não era a minha cabeça. Ao fundo eu ouvia o som de uns tambores em uma melodia repetitiva. Parecia que alguém estava se comunicando à distância.

      – Merda! –pensei. Levantei-me cambaleante. Uma ideia surgiu na minha cabeça. Se foram os guerrilheiros que nos derrubaram, eles virão aqui e nos tomarão como prisioneiros, e pode ser até que nos matem. Era preciso fugir imediatamente. Minha primeira reação foi avisar o Alex, mas quando me virei e tornei a vê-lo, fui novamente confrontado com a sua morte. Fiquei quieto alguns segundos até conseguir voltar a reagir. Aproximei-me de Juan, que permanecia em seu assento e havia se agitado algumas vezes, como quem está tendo um pesadelo enquanto dorme.

      – Juan –balbuciei– temos que sair daqui.

      – E o Alex? –murmurou sem abrir os olhos.

      – Alex… Alex está morto, Juan –respondi, tentando me manter de pé–. Venha, Alex está morto e nós também estaremos se não sairmos agora. Está morto.

      Aos tropeços, procurei minha mochila em meio ao caos, até que a encontrei. Peguei-a e me dirigi à parte traseira do avião. Nessa parte, um lado estava em chamas e fazia muito calor. Todo o avião estava repleto de gente esparramada nas mais insólitas posições, alguns feridos, outros tentando reagir, outros mortos. Por todos os lados ouviam-se gritos, gemidos, murmúrios. Cheguei à parte da cozinha e meti na mochila tudo que encontrei: latas de sucos, sanduíches, caixas de coisas não identificadas, um garfo. Quando ficou cheia, voltei até o Juan e peguei a mochila dele, que estava em cima de uma mulher. Nessa mochila enfiei alguns cobertores do avião. Então me lembrei do estojo de pequenos socorros e voltei à cozinha. Estava ali, no chão, aberto e todo esparramado. Peguei como pude tudo o que estava próximo e voltei até o Juan.

      –Vamos Juan, temos que sair daqui.

      – Não posso –ele sussurrou– me dói tudo.

      –Venha Juan, tem que se levantar ou vão nos matar. Vou levar as mochilas para fora e volto para buscar você.

      –Está bem, vou tentar –respondeu, agitando-se um pouco no lugar.

      Peguei as duas mochilas e saí ainda um pouco cambaleante pelo abalo do golpe. Tive que fazer um esforço muito grande para não parar e tentar ajudar as outras pessoas, mas não sabia de quanto tempo dispunha e queria simplesmente viver. Viver um dia mais para ver outro dia amanhecer. Estávamos em um lado de uma clareira na floresta. Pelo visto, o piloto tentou aterrissar aqui aproveitando a ausência de árvores, mas se desviou um pouco; havia perdido a asa esquerda ao se chocar contra as árvores grandes. Do avião saía uma grade coluna de fumaça até o céu, permitindo que fosse vista num raio de muitos quilômetros. Adentrei o mato um pouco e deixei as mochilas ao pé de uma grande árvore. Logo me voltei com a intenção de retornar ao avião, mas nesse instante, um grupo de homens negros armados invadiu a clareira pelo lado contrário ao que eu estava. Abaixei-me rapidamente, me escondendo atrás de um tronco. Notei uma pontada de dor no estômago. Os guerrilheiros, alguns vestidos com roupa de camuflagem e outros com roupas civis, rodearam o avião apontando com suas armas e gritando sem parar. Não entendia nada do que diziam, mas pela região em que estávamos devia ser suaíli ou sabe-se lá o que.

      – Nitoka! –gritavam de vez em quando. Enyi!, nitoka!, maarusi!1

      Logo começaram a sair alguns passageiros do avião, desconcertados e confusos. Foram jogados ao chão sem contemplações e registrados conscienciosamente. Foram chegando mais rebeldes. Um dos passageiros, um homem que havia estado sentado à nossa frente, ficou nervoso e se levantou, tentando sair correndo. Os guerrilheiros

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Língua suaíli: nitoka, enyi!, maarusi!: Vocês! Saiam, depressa!