Romancistas Essenciais - Eça de Queirós. Eca de Queiros

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Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros Romancistas Essenciais

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coçava vagarosamente, com contrações aduncas, a sua cabeça verde. Amaro, embaraçado, curvou-se logo para um canto do sofá, onde viu os cabelinhos louros e frisados da senhora condessa que lhe enchiam vaporosamente a testa, e os aros de ouro da sua luneta reluzindo. Um rapaz gordo, de face rechonchuda, sentado diante dela numa cadeira baixa, com os cotovelos sobre os joelhos abertos, ocupava-se em balançar, como um pêndulo, um pince-nez de tartaruga. A condessa tinha no regaço uma cadelinha, e com a sua mão seca e fina cheia de veias, acamava-lhe o pêlo branco como algodão.

      — Como está, Sr. Amaro? — A cadela rosnou. — Quieta, Jóia. Sabe que já falei no seu negócio? Quieta, Jóia... O ministro está ali.

      — Sim, minha senhora, disse Amaro, de pé.

      — Sente-se aqui, Sr. padre Amaro.

      Amaro pousou-se à beira dum fauteuil, com o seu guarda-sol na mão, — e reparou então numa senhora alta que estava de pé, junto do piano, falando com um rapaz louro.

      — Que tem feito estes dias, Amaro? disse a condessa. Diga-me uma coisa: sua irmã?

      — Está em Coimbra, casou.

      — Ah! casou! disse a condessa, fazendo girar os seus anéis.

      Houve um silêncio. Amaro, de olhos baixos, passava, com um gesto embaraçado e errante, os dedos pelos beiços.

      — O Sr. padre Liset está para fora? perguntou.

      — Está em Nantes. Tinha uma irmã a morrer, disse a condessa. — Está o mesmo sempre: muito amável, muito doce. É a alma mais virtuosa!...

      — Eu prefiro o padre Félix, disse o rapaz gordo, estirando as pernas.

      — Não diga isso, primo! Jesus, brada aos Céus! Pois então, o padre Liset, tão respeitável!... E depois outras maneiras de dizer as coisas, com uma bondade... Vê-se que é um coração delicado...

      — Pois sim, mas o padre Félix...

      — Ai, nem diga isso! Que o padre Félix é uma pessoa de muita virtude, decerto; mas o padre Liset tem uma religião mais... — e com um gesto delicado procurava a palavra: — mais fina, mais distinta... Enfim, vive com outra gente. — E sorrindo para Amaro: — Pois não acha?

      Amaro não conhecia o padre Félix, não se recordava do padre Liset.

      — Já é velho o Sr. padre Liset, observou ao acaso.

      — Crê? disse a condessa. Mas muito bem conservado! E que vivacidade, que entusiasmo!... Ai, é outra coisa! — E voltando-se para a senhora que estava junto do piano: — Pois não achas, Teresa?

      — Já vou, respondeu Teresa, toda absorvida.

      Amaro afirmou-se então nela. Pareceu-lhe uma rainha, ou uma deusa, com a sua alta e forte estatura, uma linha de ombros e de seio magnífica; os cabelos pretos um pouco ondeados destacavam sobre a palidez do rosto aquilino semelhante ao perfil dominador de Maria Antonieta; o seu vestido preto, de mangas curtas e decote quadrado, quebrava, com as pregas da cauda muito longa toda adornada de rendas negras, o tom monótono das alvuras da sala; o colo, os braços estavam cobertos por uma gaze preta, que fazia aparecer através da brancura da carne; e sentia-se nas suas formas a firmeza dos mármores antigos, com o calor dum sangue rico.

      Falava baixo, sorrindo, numa língua áspera que Amaro não compreendia, cerrando e abrindo o seu leque preto — e o rapaz louro, bonito, escutava-a retorcendo a ponta de um bigode fino, com um quadrado de vidro entalado no olho.

      — Havia muita devoção na sua paróquia, Sr. Amaro? perguntava, no entanto, a condessa.

      — Muita, muito boa gente.

      — É onde ainda se encontra alguma fé, é nas aldeias, considerou ela com um tom piedoso. — Queixou-se da obrigação de viver na cidade, nos cativeiros do luxo: desejaria habitar sempre na sua quinta de Carcavelos, rezar na pequena capela antiga, conversar com as boas almas da aldeia! — e a sua voz tornara-se terna.

      O rapaz rechonchudo ria-se:

      — Ora, prima! dizia, ora, prima! — Não, ele, se o obrigassem a ouvir missa, numa capelinha de aldeia, até lhe parecia que perdia a fé!... Não compreendia, por exemplo, a religião sem música... Era lá possível uma festa religiosa, sem uma boa voz de contralto?

      — Sempre é mais bonito, disse Amaro.

      — Está claro que é. É outra coisa! Tem cachet! Ó prima, lembra-se daquele tenor... como se chamava ele? O Vidalti! Lembra-se do Vidalti, na quinta-feira de Endoenças, nos Inglesinhos? O tantum ergo?

      — Eu preferia-o no Baile de Máscaras, disse a condessa.

      — Olhe que não sei, prima, olhe que não sei!

      No entanto o rapaz louro viera apertar a mão à senhora condessa, falando-lhe baixo, muito risonho; Amaro admirava a nobreza da sua estatura, a doçura do seu olhar azul; reparou que lhe caíra uma luva, e apanhou-lha servilmente. Quando ele saiu Teresa, depois de se ter aproximado vagarosamente da janela e olhando para a rua — foi sentar-se numa causeuse com um abandono que punha em relevo a magnífica escultura do seu corpo, e voltando-se preguiçosamente para o rapaz rechonchudo:

      — Vamo-nos, João?

      A condessa disse-lhe então:

      — Sabes que o Sr. padre Amaro foi criado comigo em Benfica?

      Amaro fez-se vermelho: sentia que Teresa pousava sobre ele os seus belos olhos dum negro úmido como o cetim preto coberto de água.

      — Está na província agora? Perguntou ela, bocejando um pouco.

      — Sim, minha senhora, vim há dias.

      — Na aldeia? continuou ela, abrindo e cerrando vagarosamente o seu leque.

      Amaro via pedras preciosas reluzirem nos seus dedos finos; disse, acariciando o cabo do guarda-sol:

      — Na serra, minha senhora.

      — Imagina tu, acudiu a condessa, é um horror! Há sempre neve, diz que a igreja não tem telhado, são tudo pastores. Uma desgraça! Eu pedi ao ministro a ver se o mudávamos. Pede-lhe tu também...

      — O quê? disse Teresa.

      A condessa contou que Amaro requerera para uma paróquia melhor. Falou de sua mãe, da amizade que ela tinha a Amaro...

      — Morria-se por ele. Ora um nome que ela lhe dava... Não se lembra?

      — Não sei, minha senhora.

      — Frei Maleitas!... Tem graça! Como o Sr. Amaro era amarelito, sempre metido na capela...

      Mas Teresa, dirigindo-se à condessa:

      — Sabes com quem se parece este senhor?

      A condessa afirmou-se, o rapaz rechonchudo fincou a luneta.

      — Não se parece com aquele pianista do ano passado? continuou Teresa. Não me lembra

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