Polly!. Stephen Goldin
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Abriu os olhos de novo para apreciar o espectáculo. O papel de parede e o tecto formavam uma ilusão de óptica do que parecia ser uma enorme catedral, talvez até a Abadia de Westminster. A divisão já era, em si, maior do que uma casa de banho normal, o que ajudava ao efeito.
A sanita era, literalmente, um trono - uma peça elaborada esculpida em madeira escura de carvalho com embutidos de marfim e pedras preciosas. Os apoios de braços terminavam em esculturas de cabeças de leão e os quatro pés eram garras fincadas em esferas. As costas estavam estofadas com veludo cor-de-vinho e havia um raio de luz a incidir na tampa que parecia vir de um vitral algures no tecto. Havia um rolo de papel higiénico num suporte discreto num dos lados da escultura.
Ele foi até ao trono e levantou cuidadosamente a tampa, constatando com alÃvio que o interior era o de uma sanita normal. Aliviou-se então, após o que, como a mulher - em breve ex-mulher, pensou ele - o tinha treinado, fechou de novo a tampa. Ao curvar-se para o fazer, reparou que o papel higiénico era fora do vulgar, e esticou-se para lhe tocar.
Não era papel. Era seda.
Ele foi até ao lavatório, que se parecia muito com uma pia baptismal octogonal que ele tinha visto durante uma visita guiada de igrejas antigas. O ralo e as torneiras eram feitos de ouro maciço e, quando as abriu, a água que jorrou tinha um aroma ligeiro a rosas. Os sabonetes tinham a forma de pequenos cisnes, e as toalhas individuais para as mãos eram de linho e dobradas em origami com a forma de cisnes.
Ele olhou para o próprio reflexo no espelho enquanto lavava as mãos. "Em que é que me meti?", perguntou-lhe ele em voz baixa. "Será que isto é uma versão ainda mais surreal do âHotel Californiaâ? Quem é esta rapariga, o que é este lugar?" Mas o seu reflexo não tinha respostas, e por isso ele secou as mãos e saiu para o corredor.
O elevador estava à espera dele de portas abertas quando ele chegou ao fundo do corredor. Carregou no "R/C" com algum receio, e o elevador disparou pelo poço abaixo como se o cabo tivesse rebentado, parando depois súbita mas gentilmente. "Isto dava uma atracção fantástica num parque de diversões", murmurou de si para si. Saiu então para o corredor do rés-do-chão, mas não havia sinal de Polly, e portanto ele ficou à espera.
Foi quando de uma das portas entrou, no corredor, num passo descontraÃdo, um leão, grande e com uma enorme e bela juba. Herodotus gelou por dentro; e começou a recuar lentamente, afastando-se do animal. As portas do elevador tinham-se fechado nas suas costas, mas ele encostou-se a elas com tanta força quanto pode. O leão olhou de relance para ele, e ele reparou que ele era ligeiramente vesgo. Ignorando-o então, afastou-se e entrou noutra porta mais à frente.
Após alguns segundos Herodotus apercebeu-se de que se tinha esquecido de respirar. Começou então a inspirar profundamente para tentar acalmar os nervos.
Polly apareceu vinda de outra porta. Tinha mudado de roupa de novo, e trazia agora umas calças de ganga justas, sapatilhas e uma T-shirt branca que dizia âI believe in me!â em grandes letras azuis na frente. Mesmo com um conjunto tão simples ela ficava imensamente sexy.
"Hãâ¦", disse ele hesitante, "tens um leão a passear pela tua casa."
"Oh, é o Bert. Não lhe ligues. Ele tem mais medo de ti do que tu dele."
Mas para Herodotus tinha acabado o tempo das subtilezas. Encarou-a, olhos nos olhos, e disse: "Mas quem és tu, exactamente?"
Ela respondeu com uma expressão algo confusa: "Já te disse isso. Sou a Polly."
"Polly quê?"
"Polly Quê o quê?"
"Qual é o teu apelido."
"Não, Qual não é o meu apelido."
"Muito engraçado", disse ele irritado. "Diz-me o teu último nome."
"Preciso absolutamente de ter um?"
"Toda a gente tem um apelido."
"Cher. Madonna. Prince."
"Isso são nomes artÃsticos. Eles têm um nome legal, com apelido."
"Talvez Polly seja o meu nome artÃstico."
"Estás em palco, então?"
"Constantemente", disse ela, agora a começar a soar aborrecida.
"O que eu quis dizer..."
"Pois podes meter a viola no saco!" Os olhos dela brilharam subitamente de fúria. "Como é que te atreves a entrar por aqui adentro como se tivesses o rei na barriga e interrogar-me como se eu fosse uma criminosa? Tens uma lanterna no bolso ou estás contente por me ver? O que é que te interessa qual é o meu apelido, ou se eu tenho sequer um? Já não és bem vindo aqui. Sai da minha casa imediatamente!"
Herodotus foi apanhado de surpresa por esta mudança súbita de disposição. "Mas..."
"Nada de âmasâ. Sai. Imediatamente!" E apontou zangada para a porta da frente da casa.
E depois bateu o pé. O chão tremeu.
Há um jogo muito popular entre os californianos: adivinhar o grau da escala de Richter de um terramoto sempre que sentem um. Quase inconscientemente, ele avaliou este como um pequeno terramoto, algures entre o três e o quatro da escala.
Mas ele não teve tempo para pensamento consciente, porque Polly avançou em direcção a ele, os olhos acesos com ira. Ele virou-se então e foi em passo rápido até à entrada, abriu a porta e saiu para o alpendre. Polly foi atrás dele e atirou com a porta da rua, fechando-a com um estrondo.
"Bem, isto podia ter corrido melhor", murmurou ele de si para si.
Ali, de pé, no meio do calor ardente do deserto, olhou para a estrada onde o carro dele tinha avariado. Por um momento esperou ver o motorista de Polly a trabalhar nele, com o chão cheio de peças desmontadas do motor. Mas não havia nada: nem carro, nem motorista, nem peças.
Herodotus olhou primeiro para a estrada, incrédulo, depois para a porta da mansão atrás dele, subitamente intimidante. Abanando vigorosamente a cabeça, desceu lentamente os degraus da entrada e aproximou-se do boneco de neve, que ainda não mostrava nenhum sinal de derreter ao sol.
"Olá, McCool", disse ele. "O meu nome é Herodotus, mas podes chamar-me Rod. O que é que se passa com a Polly? Parecia tão simpática, e depois atira-se a mim e expulsa-me de casa dela. E é tão bonita que não consigo tirar os olhos dela. Mas é tão esquisita. Vê-se que tem dinheiro, que tem talento, mas não parece querer ou reivindicar absolutamente nada, excepto aquilo do apelido. Pergunto-me o que estará por detrás dessa história..."
"E é tão misteriosa. Tantas coisas estranhas acontecem à volta dela e ela não parece dar conta de nada. Tu, por exemplo. Sem ofensa, McCool, mas, por todas as leis naturais, tu nem devias estar aqui. E, no entanto, aqui estás. Ou uma casa maior nas traseiras do que na frente. Eu vi a casa quando me aproximei a primeira vez - toda a casa tem dois andares! Leões