O Máo Rei e o Bom Subdito. Unknown

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O Máo Rei e o Bom Subdito / Um Trecho da Historia Portugueza

      ElRei D. Sancho 2.º, denominado o Capello, ou por causa da sua maneira de vestir (mais monastica que militar), ou em razão de seu natural timido e fraco, parecia antes mais proprio para viver retirado em um mosteiro, que para governar um Estado. Quando seu pai morreu, tinha elle 26 annos, e como era descuidado dos negocios do reino, e completamente inhabil para o cargo que herdára, cada um vivia em Portugal muito á sua vontade, tanto por causa da brandura do monarcha, e da sua simplicidade, como em razão da maldade de seus conselheiros, e validos; porque estes, vendo-o tão bem disposto para lhes deixar executar os máos desejos, se servião de suas faltas para satisfazer sua avidez.

      Ora, havia n'este tempo em Castella uma viuva muito moça, bella, e de grande ascendencia; era D. Mecia de Haro, filha de D. Lopo Dias de Haro, senhor de Biscaya, e de D. Urraca Affonso, filha natural d'Affonso 9.º Rei de Leão. Esta dama tinha sido casada com D. Alvaro Perez de Castro, filho de D. Pedro Fernandez de Castro, o Castelhano, e de D. Ximena Gomez, sua mulher, com quem havia tido longos amores. E era este o mesmo que se mostrava tão louco com a sua paixão, e tão contente de si proprio, que um dia tendo o Rei de Castella vindo pôr o cerco diante de uma de suas cidades, tinha mandado armar as muralhas de panno de sêda, dizendo que não queria outra defeza entre elle e os que o vinhão atacar. Emfim, tendo-se casado com D. Mecia, e tendo vivido alguns tempos com ella, havia morrido sem deixar filhos.

      Foi então que achando-se D. Mecia no mais subido auge de seus encantos, os validos d'Elrei D. Sancho, que conhecião suas inclinações, exaggerárão de tal modo a belleza d'esta dama, que o persuadírão a toma-la por mulher. Sendo elles, pois, os authores da sua união, D. Mecia reconheceo sempre a obrigação em que lhes estava; e foi para com elles tão excessiva a sua gratidão, que por causa d'ella esteve o reino a ponto de se destruir. D. Mecia, com seus validos e os conselheiros d'ElRei D. Sancho, dispunha de tudo a seu bel-prazer, dando os empregos e os beneficios, fazendo o bem e o mal conforme lhe agradava.

      Então os nobres e os prelados fizerão advertencias a Elrei D. Sancho, representando-lhe que D. Mecia era sua parenta por sua tia Berenguela: e que, se, conforme a lei de Deus, elle a não podia desposar, segundo a lei da honra, ainda menos o devia fazer, sendo D. Mecia estéril. N'uma palavra, dizião que devia largar esta mulher; mas o Rei lhe estava tão affeiçoado, que, ou fosse por arte de magía, ou por causa da sua belleza, não podia separar-se d'ella. Hindo as cousas assim, e continuando ella a favorecer os conselheiros do Rei, mil extorsões, e mil rapinas se commettião, sem que nenhum cuidado dessem a ElRei, e sem que elle escutasse as queixas de seus subditos.

      Os prelados do reino se queixárão, emfim, ao Papa Gregorio 9.º. D. Sancho fingio arrepender-se, mas depois voltou a seus primeiros excessos de fraqueza, que permittião toda a qualidade de dilapidações e violencias. A excommunhão foi lançada, mas só no pontificado do Papa Innocencio 4.º. D. Sancho, perdido em seus amores, resistio ainda. Comtudo, eis que um dia, estando em Coimbra com a Rainha, um certo Raymundo Viegas de Porto Carreiro, acompanhado de outras pessoas das fronteiras da Galliza, chegárão a esta cidade. Estes guerreiros se apoderárão de D. Mecia, que transportárão ao castello de Ourem. Então ElRei, seguido de muita gente, partio armado a requerer que se lhe entregasse sua mulher. Nada conseguio; elles a conduzírão á Galliza, e d'ali passou a Castella, d'onde não voltou mais a Portugal.

      Mas como ElRei se não emendou de nenhum modo, nem os malfeitores recebêrão castigo algum, os prelados tornárão a queixar-se ao Papa Innocencio 4.º. D. Sancho foi advertido ainda outra vez, mas o seu fraco triunfou; decidio-se que um regente sería escolhido para governar o reino. Ora, os prelados escolhêrão, diante do Papa, que lhes pedira fizessem eleição d'um Monarcha, o Infante D. Affonso, Conde de Bolonha, irmão do Rei, a quem de direito tocava o poder.

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