Sumalee. Javier Salazar Calle

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Sumalee - Javier Salazar Calle

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      O que eu não sabia era que esse dia ia mudar minha vida para sempre. De uma forma que eu nunca havia imaginado.

      Depois de meia hora dirigindo e um tempo dando voltas para encontrar lugar para estacionar, cheguei ao meu posto no escritório. Liguei o computador e fui cumprimentar outro colega. Quando voltei, dei uma olhada rápida, como todas as manhãs, nos e-mails recebidos. A mesma coisa de todos os dias: testes, testes, resultados de testes, perguntas sobre os testes, solicitações de testes, relatórios de testes e previsão de testes. Apenas um e-mail era diferente do restante. Era do meu gerente, enviado no dia anterior à noite, me pedindo para que ligasse para ele para conversar sobre um assunto. Não tinha nem ideia do que poderia ser, mas seja lá o que fosse, tudo o que sugerisse fazer algo diferente, ainda que fosse por cinco minutos, seria bem-vindo. Olhei para o relógio. Nove e meia. Bom horário. Peguei o celular do trabalho, procurei pelo Valentín na agenda e liguei.

      — Pois não? — soou a voz de Valentín.

      — Oi, Valentín. É o David. Acabei de ler seu e-mail e estou te ligando para ver o que você queria me contar.

      — Bom dia, David. Como vai?

      — Entediado. Você sabe que esse projeto que me designaram vai me matar. Diga que tem algo para mim. Preciso de uma mudança.

      — Pode ser. O que você sabe sobre Cingapura?

      — Cingapura? — Aqui ele já tinha conseguido atrair minha atenção. Fiquei em pé e fui até a sala de reuniões próxima, que estava vazia. — Não sei, Valentín… Um país pequeno da Ásia, com bom nível de vida, muito civilizado, falam chinês e inglês…

      — É aí que eu queria chegar! — gritou Valentín. — Falam inglês, como você.

      Era verdade, eu sou bilíngue. Minha mãe era americana. Apaixonou-se por meu pai e veio morar e trabalhar na Espanha. Poucos anos depois de eu nascer, meu pai desapareceu sem dizer nada. Nunca se soube mais nada dele. Todo mundo pensava que ele tinha abandonado minha mãe, mas ela sempre acreditou que tinha acontecido alguma coisa com ele, porque estavam apaixonados até o último fio de cabelo. Em todo caso, eu me criei sem pai desde os dois anos, coisa que teve muita influência em minha infância e adolescência, e falando inglês desde então.

      — O que você está me propondo então?

      — David, surgiu um projeto em Cingapura de uns seis meses de duração, ampliável a dois anos, no qual você se encaixa perfeitamente por causa dos seus conhecimentos e do idioma. Sei que é um pouco precipitado, mas preciso que me diga algo entre hoje e amanhã, porque existe uma urgência para começar a cuidar de toda a papelada. — Levantei as sobrancelhas, expectante. — Vou te mandar todas as informações do projeto e das condições nas quais você iria. Qualquer coisa, me liga e esclareceremos tudo. O que acha?

      — Não sei o que dizer, Valentín. Você me pegou um pouco de surpresa…

      — Eu sei, eu sei. Pense nisso e amanhã você me dá uma resposta. Não estava cansado de fazer testes? Essa é sua oportunidade e, se você se der bem, isso ajudará muito na sua possível promoção deste ano. Vou te mandar o e-mail. Pense e amanhã você me fala. Ei, sei eu não achasse que você se encaixava bem, não teria tocado no assunto.

      — Tudo bem, tudo bem. Amanhã te dou uma resposta. De qualquer forma, obrigado por se lembrar de mim.

      Quando desliguei o telefone, fiquei pensativo. Ao chegar à minha mesa, o e-mail de Valentín já estava na caixa de entrada. Estava claro que ele tinha pressa. Abri e li todas as informações. Projeto interessante, país com referências incríveis, boas condições financeiras que incluíam o alojamento e, acima de tudo, sair daqui por um tempo; afastando-me da lembrança da minha ex e dos chatíssimos testes. Estava claro. Cinco minutos depois da ligação eu já sabia qual era minha decisão. Ainda assim, decidi esperar até o dia seguinte para dar ao meu cérebro a chance de repensar, ainda que, quando eu tomava uma decisão, e costumava fazer isso muito rapidamente, poucas vezes eu mudava de ideia. Ao chegar em casa, a única coisa que fiz foi verificar se meu passaporte estava em ordem.

      O que de verdade eu sentiria falta era todos os esportes que praticava: corrida, basquete, futebol, tênis, escalada… eu era um apaixonado por tudo o que sugeria esforço ou risco, especialmente se fosse ao ar livre. Por outro lado, em Cingapura eu poderia praticar esportes de mar que em Madri era impossível e só podiam ser aproveitados no verão, como mergulho, navegação ou jet ski. Eu teria que fazer muito pouco para praticá-los vivendo em uma ilha. Voltei ao trabalho. Resultado correto, resultado incorreto, ocorrência.

      No dia seguinte, ao meio-dia, liguei para Valentín e comuniquei minha decisão. Iria para Cingapura. Ele me mandou os detalhes da viagem e começamos a reunir toda a documentação. Personalised Employment Pass, EntrePass, Work Permit... Era um monte de opções e vistos. No fim, o que eu precisava era um Employment Pass, um visto de trabalho. Para este tipo de licença, era a empresa que solicitava em nome do candidato, mas tive que traduzir meus títulos acadêmicos (mas assim que cheguei a Cingapura, tive que homologar os originais com um tradutor juramentado de lá e esperar que fossem aprovados pelo Ministério do Trabalho), preencher formulários para o seguro saúde, providenciar cópias do passaporte e do registro de trabalho da minha empresa… O fato de não ser uma mudança de empresa, mas uma transferência e de a companhia se encarregar de quase todos os trâmites tornou o processo muito mais simples.

      Algumas semanas depois, eu estava no aeroporto de Barajas pegando um voo a Qatar Airways a caminho de Cingapura. As outras pessoas da equipe já estavam ali há algumas semanas preparando o lançamento do projeto e lendo documentações. A empresa pagava um apartamento de três dormitórios compartilhado com dois colegas, por isso, não teria que me preocupar em buscar correndo um lugar para morar e teria a oportunidade de conhecer gente desde o primeiro dia.

      Eu tinha comprado um livro de viagem sobre o país que li durante o voo. Tempo era o que não me faltava: dezesseis horas de voo com escala em Qatar. Era para se imbuir de paciência.

      O livro começava com a típica apresentação da história do lugar. Pelo visto, Cingapura era uma cidade-estado que tinha passado de mão em mão e onde agora vivia uma mistura de raças e idiomas única. De fato, os idiomas oficiais eram quatro: inglês, malaio, tâmil e chinês mandarim. Dois além dos que eu achava que sabia.

      O que me importava era o fato de ser o quarto maior centro financeiro do mundo (atrás de Nova York, Londres e Tóquio) e o quinto porto de mercadorias mais importante, dada sua posição estratégica. Na teoria, quase um paraíso na Terra e uma oportunidade profissional sem igual. Logo descobriríamos, uma vez ali. Pelo menos, de cara, parecia promissor. O livro estava cheio de todo tipo de dados, o que aproveitei muito. Me encantavam as cifras e as curiosidades sobre qualquer coisa. Eu mergulhei na leitura tentando absorver, como bom turista, todas as informações relevantes.

      Por fim, anunciaram que estávamos chegando ao aeroporto de Cingapura. Um aeroporto construído sobre o mar. Grudei na janela para poder vê-lo bem. Debaixo de mim, via-se a aglomeração da cidade, apesar de eu ter ficado surpreso de forma grata com a quantidade de árvores que havia ali. Odiava os lugares em que a única cor visível era a do cemitério. O aeroporto estava em um canto da ilha e, em seguida, via-se um grande porto naval. O mar ao redor estava coalhado de barcos de todos os tamanhos, mas principalmente daqueles gigantescos que carregavam contêineres. Nunca tinha visto tantos juntos de forma tão organizada, formando longas filas de barcos paralelos. A cidade estava infestada de arranha-céus e altos edifícios. Nas bordas da ilha havia largas praias com densa vegetação por trás. Logo pude ver uma área de casas mais baixas, como urbanizações

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