Diccionario de João Fernandes. Francisco Gomes de Amorim

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Diccionario de João Fernandes - Francisco Gomes de Amorim

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exemplo de fraternidade, e segunda victoria do mal contra o bem. Desde então teem sido tantos os casos, que já se perdeu a conta d'elles.

      CAÍR– Emprestar a caloteiros.

      CALÇADO– Flagello que se impõe aos selvagens, a pretexto de os civilisar.

      CALLO– Perdão, minhas senhoras! É com o mais profundo respeito, e por interesse vosso, que vos aconselho a não coxear. Não ha paixão que lhe resista. Um pé pequeno é bello. Não deixeis suspeitar que elle se parece com um banco de ostras. Cautela com a baixa-mar! Não consintaes sequer que o vosso King Charles vos veja tirar as meias. O diabo ás vezes arma-as!

      CALOTE– Ferida ruim.

      CALOTEIRO– Ente feliz, que achou quem lhe fiasse.

      CALUMNIA– Nodoa, que se chega á pelle nunca mais se tira.

      CALUMNIADOR– Sujeito que atira pedras a uma sombra, e consegue por vezes acertar-lhe.

      CALVA– Solidão melancolica.

      – Terreno esterilisado pelos annos.

      – Arvore, d'onde cairam as ultimas folhas.

      – Pedra tumular, em cuja superficie pallida e lustrosa se reflecte a morte… dos cabellos.

      CALVO– Audacioso, que ainda falla verdade… com a cabeça.

      CAMELLO– O mais injuriado dos animaes. Até confundem certos homens com elle!

      CAMISA– Uma convenção social.

      CAMISEIRO– Aio da pudicicia.

      CANADA– Uma das nossas glorias passadas, que o litro assassinou.

      CANALHA– Tomado á franceza, é gallicismo; porém a abundancia de genero nacionalisou-o.

      CANÇÃO– O chiar lyrico da frigideira, onde bailam as pescadinhas de rabo na bôca.

      CANDIDATO (A DEPUTADO) – Projecto de caustico no paiz.

      CANEIRO– O cocyto de Alcantara. Desemboca no Phlegetonte, vulgo Tejo, que é outro lameiro pestilento, nas praias de Lisboa.

      CANGA– Benção matrimonial.

      CANNA (DA INDIA) – Materia prima das azas de pau.

      CANNIBAL– Grande mamador da teta do orçamento.

      CANO (DE DESPEJO) – Fornecedor dos cemiterios de Lisboa.

      – Um socio da medicina.

      CANONISAR– Fingir que se abre aos outros uma porta de que não se tem a chave.

      CANTO– A alma buscando outra patria.

      CANTORA (CELEBRE) – Prodigio de aluguel.

      – Escandalo ambulante, á moda Patti.

      CAPACHO– Limpa-botas, que ss. ex.as elevam às vezes até á altura de poder limpar tambem as algibeiras á mãe patria.

      CAPADO– Mortal do genero neutro.

      CARA– Desconfiae das taboletas.

      CARACOL– Coração de mulher leviana. Por mais que se lhe corte a cabeça, revive sempre, e apega-se a todas as plantas.

      CARACTER– Torneira que só quando serve se vê se está rota.

      CARANGUEJO– Exemplificação dos nossos systemas de viação accelerada. Isto é: progresso do retrocesso, segundo a feliz expressão de um sabio frade bernardo.

      CARAPUÇA– Barrete que se põe dando urros intimos.

      CARESTIA– Synonymo de subsistência, em Lisboa.

      – Doença que não convem curar para não offender Nosso Senhor Monopolio.

      CARICATURA– O retrato dos nossos amigos.

      CARIDADE– Virtude, que deixa de o ser quando se mostra.

      – Flor do céu, desabrochando no coração humano.

      CARNAVAL– Tempo em que toda a gente finge doudejar, para fazer suppor que é séria no resto do anno.

      – Sujidade que se cobre com cinza.

      CARRUAGEM– Desespero dos que andam a pé, e que se não lembram que as suas pernas não correm risco de tomar o freio nos dentes, como as parelhas dos trens.

      CARTA (AMOROSA) – Folha da arvore do amor. Amarellece com o casamento.

      CARTAZ– Programma de governo. Diz sempre a mesma cousa, e nem sequer os que o fazem acreditam n'elle.

      CASADO– Boi de canga.

      CASADOS– A ostra e a perola.

      CASAMENTO– Prisão cellular perpetua.

      CASAR– Bolo de amor, que todos querem comer, salvo os que teem medo de indigestões.

      CASPA– A fina flor mais palpitante2 da actualidade, que orna as cabeças modernas. Substitue quasi as idéas e os cabellos.

      CATAVENTO– Pára-raios politico.

      – Um gastronomo philosopho. Acha todas as comidas boas, e só exige que outros as paguem por elle.

      CAVALLEIRO (FIDALGO) – Pessoa que, em geral, não usa cavallo.

      CELEBRIDADES– Pessoas a quem a fama põe chocalhos, ás vezes muito bem merecidos, mas muito mal postos.

      CENSURA– Unico prazer dos deuses… invejosos.

      CEPA– Tronco genealogico do fidalgo que mais alegra a gente.

      CHAPÉU (DE CHUVA) – Symbolo da amisade. Falha-vos sempre em occasiões de tormenta.

      CHARUTO– Uma ladroeira e um envenenamento.

      – Arte de aniquilar mais depressa a especie humana.

      – A mais estupida de todas as distracções.

      – Prova mais generalisada da tolice humana.

      CHEFE– Ha

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<p>2</p>

Deixem passar o gallicismo.