Amôres d'um deputado. Buffenoir Hippolyte
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III
Trava-se a lucta
Ainda que fatigados pela viagem de Paris a Saint-Martin, pelos discursos e conversações enthusiasticas do «Poule Blanche» e se bem que era uma hora da madrugada, os quatro alegres rapazes não pensavam em deitar-se.
Não obstante as graves preocupações da occasião os amigos de Ronquerolle conversavam da maneira como se tinham despedido das suas apaixonadas companheiras. Estavam ainda na edade feliz em que a bella despreoccupação da juventude cobre todas as cousas com a sua aza protectora; em que os dias e as noites não teem horas bastantes para pensar nos projectos do espirito e nos encantos do coração, nas confidencias d'amizade e nas caricias da alma.
– Meus meninos, disse Branche, para terminar a conversa, é muito bonito fallarmos das nossas amantes, contar as suas phantasias, mas nós não viemos aqui para nos divertirmos.
– Temos ainda trabalho a fazer, interrompeu Ronquerolle. Venham pennas, papel e tinta e appareça o que ha de melhor no nosso cerebro. O primeiro numero do nosso jornal, o «Reveil de Saint-Martin», deve apparecer depois d'amanhã.
É tempo de descrevermos a nossa chegada. Tu, Maupertuis, redige um curto artigo, descrevendo a recepção que nos foi feita, resume os nossos discursos e retrata bem o enthusiasmo da multidão. Tu, Didier, ridicularisa o marquez «de la Tournelle,» sê implacavel, calca-lhe sem piedade a sua vaidade… Tu, Branche, convida os eleitores a saccudirem o jugo da nobreza, critica as flôres de liz e proclama os direitos do homem!.. Vamos; preparae essas pennas! Cravae os ferros até fazerem sangue! Fazei fustigar o chicote do ridiculo!..
Os quatro jornalistas pozeram mãos á obra. Ronquerolle, esse encarregou-se de responder ás palavras injuriosas do conde d'Orgefin. Ás duas horas da manhã uma carta volumosa era lançada na caixa do correio por Branche dirigida á empresa do «Reveil», em Paris, visto que o impressor da localidade não ousava encarregar-se d'imprimir um jornal republicano, por causa do sr. marquez, «maire», conselheiro geral e deputado.
Antes de se deitar Ronquerolle abriu a janella do seu quarto que ocupava só. A noite estava serena e bella. As estrellas brilhavam no céo, os perfumes das flôres espalhavam no ar, uma frescura deliciosa vinha da terra e um silencio profundo reinava pela cidade adormecida. Á claridade discreta da lua Ronquerolle via a praça de Saint-Martin e a fonte decorativa. Só o murmurio da agua, caindo, perturbava o silencio da noite, ouvindo-se de vez em quando o vento silvar por entre as folhas das arvores, nos telhados visinhos da egreja e nos ulmeiros dos ribeiros.
Perante este espectaculo de paz, n'esta noite de junho tão harmoniosa e tão encantadora, o homem politico desapparecia em Ronquerolle e não ficava mais do que o poeta seduzido pelas bellezas da natureza immortal. O mancebo não se cançava de sentir a brisa refrescar-lhe a fronte, de admirar esse espectaculo nocturno, vivo, que lhe recordava as scenas de opera onde vivessem amôres, subindo, de noite, á janella da bem amada a depôr um beijo.
Levado pela sua poderosa e febril imaginação o ousado filho da Borgonha deixava-se guiar pelos pensamentos do amôr e versos ardentes lhe occorriam á memoria.
Ronquerolle contemplava a egreja de Saint-Martin. Uma fachada estava toda illuminada pelo luar emquanto que a opposta mergulhava na sombra. O seu olhar ficou preso ao portico junto do qual em creança tantas vezes tinha brincado com os seus pequenos camaradas e revia-se correndo em volta da «mairie» nos muros cobertos de cartazes e em frente do mercado fechado por uma grade de ferro. Os seus olhos de repente fixaram-se sobre a collina que dominava a villa, reconhecendo a torre feudal, o velho castello dos «de la Tournelle». Pensou um momento no seu adversario, do que o distraiu uma luz que se via n'um dos lados do castello.
– Quem velará a esta hora na habitação do marquez? pensou Ronquerolle. Será o meu inimigo a quem a minha presença impede de descançar? Será alguem doente a quem a febre e a insomnia impedem de dormir? Será alguma linda mulher que lê, com a cabeça repousando no travesseiro, um romance de Balzac ou um poema de Alfredo de Musset? Será uma mulher linda? – Fazendo a si mesmo esta pergunta Ronquerolle bateu na fronte como que recordando-se. Lembrava-se que outr'ora em Paris, fôra apresentado n'uma tarde, a uma mulher soberba que se chamava marqueza «de la Tournelle» com quem tinha dançado e a quem chegára mesmo a escrever uma carta apaixonada. Acontecera isto ha trez ou quatro annos, não sabia ao certo, mas recordava-se claramente d'essa tarde, do baile e da sua carta insensata. Quanto á mulher não se esquecera que era loira, que tinha uns seios opulentos, olhos azues e, quando caminhava uns ares de deusa.
Os acontecimentos da vida parisiense são tão accidentados e tantos, as sensações succedem-se tão rapidamente, as paixões são postas tantas vezes em jogo, sobre tudo para um mancebo que faz os seus inicios na vida e na sociedade, que não é para admirar o ver Maximo Ronquerolle recordar, por acaso, uma das suas aventuras, que, depois de tanto tempo, encontrava perdida na sua memoria.
Essa luz, que brilhava na escuridão da noite em uma janella do castello do seu inimigo vinha lançar um clarão na sua memoria obscurecida e, occorrendo não sei que presentimento do destino, o pobre rapaz imaginou que a pessoa que trabalhava lá em cima, na habitação luxuosa do marquez «de la Tournelle», era a linda e elegante mulher que em tempo lhe perturbara a cabeça e o coração.
– Mas não! murmurou Ronquerolle. Não é possivel! Estas cousas só acontecem nos romances e não na vida real!.. No emtanto, essa loira divina d'olhos azues chamava-se, era com toda a certeza a marqueza «de la Tournelle». Revejo-a ainda na occasião em que dançava commigo e encostava o seu peito desolado contra o meu… Pouco a pouco as recordações reviviam. Tornara-se nervoso, o seu coração batera fortemente, querendo esclarecer a duvida em que se debatia. Os «de la Tournelle» eram numerosos. Havia-os no Norte, no Meio-dia, na Borgonha. Nada poderia dizer a Ronquerolle que a mulher, que elle conhecera outr'ora, estava alli, no seu castello batido pela lua.
– Vamos! disse fechando a janella, são horas de dormir. Sei bem a quem hei-de recorrer, interrogarei Lapierre.
Quando adormeceu, a aurora começava a apparecer. O seu ultimo pensamento fôra de que seria bem extraordinario que ao marquez «de la Tournelle» alem da cadeira de deputado lhe conquistasse tambem a mulher.
Ronquerolle não se enganara nos seus presentimentos. A pessoa que velava no castello senhorial era a marqueza, a loira, a seductora, a divina Carlota. Não lia, porém, nem romances de Balzac nem poesias de Musset. O seu espirito estava demasiado agitado para se entreter com os doces e consoladores devaneios litterarios. Trabalhava pelo triumpho da sua causa, escrevendo sobre um bello papel assetinado um artigo para o seu jornal, um artigo em que envolvia os candidatos republicanos com uma maneira encantadora e em que fustigava o cidadão Ronquerolle com toda a malicia e crueldade d'uma mulher. Tambem ella espetava as esporas até fazerem sangue.
O marquez «de la Tournelle», dissemol-o já, tinha um jornal o «Echo de la Bourgogne», velha folha monarchica, assignada por todos os curas da circunscripção de Saint-Martin. De vez em quando, a amavel marqueza não se dedignava em publicar nas columnas do jornal, na primeira pagina, um elegante artigo em que estimulava habilmente a indolencia do partido realista e em que zombava dos democratas.
Esses artigos, que agradavam, eram lidos por todos, mas ninguem sabia, quem fosse o seu auctor.
Quando o marquez entrou na sua habitação, após o passeio a Semeval, contou toda a scena de que fôra testemunha em frente ao «Poule Blanche».
– Meus senhores, disse a marqueza, esses republicanos dão-vos o exemplo; trabalham, estão no seu direito e teem razão. Vivemos n'um tempo em que é necessario arriscar-se a gente. O prestigio da raça, do nascimento não é mais do que uma lembrança longinqua. É necessario trabalhar-se,