Mestres da Poesia - Augusto dos Anjos. August Nemo

Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу Mestres da Poesia - Augusto dos Anjos - August Nemo страница 5

Mestres da Poesia - Augusto dos Anjos - August Nemo Mestres da Poesia

Скачать книгу

ou românticos, ou se um outro que decanta os símbolos que a ciência descobriu, há uns cinquenta anos. Desde que Lamarck, Buchner, Haeckel, Spencer, Darwin e outros da mesma escola estabeleceram em bases sólidas as suas teorias, até hoje, ainda não surgiu nenhum rumo novo apontado aos estetas, aos críticos e aos pensadores pelos homens da ciência de observação e experiência. Pelo contrário, o que se vê são tentativas para galvanizar a metafísica, feitas por filósofos de salão, como Gerhardt Hauptmann qualificou há pouco tempo o Sr. Henry Bergson, cujas obras, graças a Deus; acabam de ser postas no índice pela respectiva Congregação. Praza aos céus que a condenação nominal da "Matéria e Memória", "Dados imediatos da consciência" e "Evolução criadora" não sirvam de reclamo para o seu intolerável autor...

      Augusto dos Anjos era um "monista-evolucionista-transformista".

      “Sou uma Sombra! Venho de outras eras,

      Do cosmopolitismo das moneras...

      Pólipo de recônditas reentrâncias,

      Larva de caos telúrico, procedo

      Da escuridão do cósmico segredo,

      Da substância de todas as substâncias!

      A simbiose das coisas me equilibra.

      Em minha ignota mônada, ampla, vibra

      A alma dos movimentos rotatórios...

      E é de mim que decorrem, simultâneas,

      A saúde das forças subterrâneas

      E a morbidez dos seres ilusórios!

      Mais adiante, num belo terceto final, reconhece a unidade substancial do Universo:

      Rasgo dos mundos o velário espesso;

      E em tudo, igual a Goethe, reconheço

      O império da substância universal!

      No “Último Credo", a sua profissão de fé evolucionista é insofismável:

      Creio, como o filósofo mais crente,

      Na generalidade decrescente

      Com que a substância cósmica evolui...

      Creio, perante a evolução imensa,

      Que o homem universal de amanhã vença

      O homem particular eu que ontem fui!

      E, todavia, seria engano manifesto supor que este poeta, por ser materialista em filosofia, fosse material nos senti- mentos. Era um idealista na mais nobre, na mais vibrante e, digamos, na mais dramática acepção do vocábulo. Só quem a conheceu pessoalmente é que pode, sob este aspecto, julgá-lo com absoluta isenção de ânimo.

      Magro, de uma magreza ascética, que lhe dava ao corpo uma aparência por assim dizer fluída; como eis próprio confessa num soneto:

      Levando apenas na tumba carcaça

      O pergaminho singular da pele

      E o chocalho fatídico dos ossos!

      De uma honestidade sem limites; de uma pureza que, neste país e nestes tempos, devia ser vibrada aos quatro ventos da terra em clarinadas triunfais por trombetas de prata; incapaz de tergiversar manhosamente no cumprimento de um dever individual, cívico ou doméstico; inacessível, impermeável às sugestões da lisonja, quer ativa, quer passiva; nunca se dando ao desporto detestável de atassalhar a reputação literária ou particular dos seus confrades que entre nós, infelizmente, é tão comum nas periódicas campanhas literárias; jamais descendo, na palestra, a esses abandonos durante os quais as palavras, em trajes menores, correm rápidas como dardos e esfuziam como coriscos; bom e leal companheiro na amizade, simples, modesto, recatado, era um tipo de admiráveis virtudes individuais. Era materialista pela cultura; idealista por temperamento.

      Ora, cada vez mais nós nos devemos convencer de que a Arte é "a natureza vista através de um temperamento".

      Opinião esta já bem antiga, porque Virgílio, nas "Geórgicas", no princípio daquele tão encantador livro IV, em que nos pinta a vida das abelhas como nunca o fará Maeterlinck, já reconhecia que o assunto do poema pode ser humilde; o que importa â glória do poeta é que ele tenha a inspiração apolínea:

      In tenul labor; at tenuls non gloria, siquem

      Numína lava slnunt auditque vocatus Apollo...

      E assim que ele, o monista violento e por vezes brutal, sem sombra de necessidade, diz nos "Gemidos de Arte”:

      Mas a carne é que é humana! A alma é divina.

      Dorme num leito de feridas, goza

      O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,

      Beija a peçonha, e não se contamina!

      Nota-se-lhe, então, algumas estrofes adiante, o desprezo peIas realidades chatas, embora inevitáveis, da existência:

      Barulho de mandíbulas e abdomens!

      E vem-me com um despreza por tudo isto

      Uma vontade absurda de ser Cristo

      Para sacrificar-me pelos homens!

      As suas perambulações intermundiais deixavam-no insatisfeito. Era insaciável o seu desejo de ascensão. A sua vibrátil sensibilidade cada vez mais o distanciava do mundo que ele habitava. Queria subir, subir sempre, de mundo em mundo, num incessante "quaere superius", como Santo Agostinho, contemplando as estrelas numa praia aromal do Mediterrâneo:

      Vestido de hidrogênio incandescente,

      Vaguei um século, improficuamente,

      Pelas monotonias siderais...

      Subi talvez às máximas alturas,

      Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,

      É necessário que inda eu suba mais!

      Era um famélico da luz insuperável, das vastas amplidões iluminadas, de onde não se enxerga a chatice material da vida ordinária. Não queria ver as maravilhas e as rebarbas da existência. Trazia dentro de si um sonho interior tão grande, que só queria descortinar os amplos horizontes que aos miopes da ordem sentimental aparecem longínquos e vagamente esfumados. É que ele confessa nas "Queixas noturnas":

      Como um ladrão sentado numa ponte

      Espera alguém, armado de arcabuz,

      Na ânsia incoercível de roubar a luz,

      Estou à espera de que o Sol desponte!

      (...)

      As minhas roupas, quero até rompê-las!

      Quero, arrancado das prisões carnais,

      Viver na luz dos astros imortais,

      Abraçado com todas as estrelas!

Скачать книгу