O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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o cabelo, portanto, o avô Otto fingiu que to cortava. Mas, espera, não me digas! Deixa-me adivinhar. — Olhou à volta: Para o violoncelo, o bengaleiro, o avô e, novamente, o próprio Stephan. Reparou na mochila. — És ator! E o avô sabe tudo sobre este teatro.

      — Acho que descobrirás em breve, Engelchen, que o Stephan é escritor — indicou Otto Perger. — E deves saber que os grandes escritores fazem coisas muito estranhas só para viverem a experiência.

      Žofie-Helene olhou para Stephan com um interesse renovado.

      — És mesmo escritor?

      — Vão… Vão oferecer-me uma máquina de escrever no Natal — indicou Stephan. — Ou, pelo menos, é o que espero.

      — Fazem máquinas especiais?

      — Especiais?

      — Não é estranho ser canhoto?

      Stephan olhou para as mãos, confuso, enquanto ela voltava a abrir o ralo de onde saíra e entrava na parede de gatas. Segundos depois, voltou a espreitar.

      — Então, anda, Stephan. Os ensaios estão quase a acabar — replicou. — Não te importarás de sujar um pouco essa tua roupa de escritor, pois não? Para viver a experiência.

      RUBIS OU IMITAÇÃO

      Um dos botões de pérolas do punho ornado da luva de Truus soltou-se quando, com o bebé ao colo, tentou agarrar o menino. Estava tão absorta no teto abobadado e imenso de ferro fundido da estação de Amesterdão que quase caiu ao sair do comboio.

      — Truus! — gritou o marido, enquanto dava a mão ao menino e o deixava na plataforma. Também ajudou a menina a sair, assim como Truus e o bebé.

      Já na plataforma, Truus aceitou o abraço do marido, um gesto público pouco frequente.

      — Geertruida — disse —, a frau Freier não podia…?

      — Por favor, não comeces com isso agora, Joop. Está feito e tenho a certeza de que a esposa desse guarda agradável que nos permitiu atravessar a fronteira precisa mais do que nós do rubi da minha mãe. Onde está o teu espírito natalício?

      — Meu Deus, não me digas que te arriscaste a subornar um nazi com uma imitação.

      Deu-lhe um beijo na face.

      — Dado que nem tu és capaz de distinguir a diferença, querido, não acho que algum deles consiga descobrir num futuro próximo.

      Joop riu-se, apesar de tudo. Pegou no bebé ao colo, segurando-o de forma incómoda, embora conseguisse acalmá-lo. Era um homem que adorava crianças, mas que não tinha filhos, apesar de ter passado anos a tentar. Truus pôs as mãos nos bolsos, pois já não tinha o calor do bebé, e apalpou a caixa de fósforos de que se esquecera por completo. Era um tipo estranho, o médico do vagão que lha dera. «Sem dúvida, foi enviada por Deus», dissera, olhando para as crianças com carinho. Dissera que tinha sempre consigo uma pedra da sorte e que queria que ficasse com ela. «Para que a senhora e as crianças estejam a salvo», insistira, abrira a caixinha e mostrara-lhe uma pedra plana muito antiga que não teria nenhum propósito se não fosse uma pedra da sorte. «Nos funerais judeus, as pessoas não oferecem flores, mas pedras», explicara e isso fizera com que fosse impossível rejeitar a oferta. Depois, saíra em Bad Bentheim, antes de o comboio passar da Alemanha para a Holanda e, agora, Truus estava em Amesterdão com as crianças, pensando que talvez houvesse um pouco de verdade naquela história sobre a boa sorte que, supostamente, aquela pedra tão feia concedia.

      — Bom, pequeninho — disse Joop ao bebé —, quando cresceres, terás de fazer algo extraordinário para que o risco da minha esposa louca valha a pena. — Se se preocupava com aquele resgate não planeado, não ia objetar, tal como quando as suas viagens para tirar crianças da Alemanha eram planeadas. Deu um beijo na face do bebé. — Tenho um táxi à espera.

      — Um táxi? Deram-te um aumento no banco enquanto estava fora? — brincou Truus. Joop era banqueiro, frugal até ao extremo, embora continuasse a chamar namorada à esposa depois de duas décadas.

      — Seria uma caminhada grande até casa do teu tio desde a paragem do elétrico, mesmo sem a neve — explicou —, e o doutor Groenveld não quererá que a sobrinha e os sobrinhos do amigo cheguem congelados.

      O amigo do doutor Groenveld. Isso explicava tudo, pensou, enquanto saíam para a rua cheia de árvores cobertas de neve, com caminhos sujos e gelo nos canais. Era assim que costumava distribuir-se grande parte da ajuda do Comité de Interesses Judeus: Sobrinhos de cidadãos holandeses; amigos de amigos; os filhos de amigos de sócios empresariais. Com frequência, as relações acidentais determinavam o destino.

      THE VIENNA INDEPENDENT

      A CASA ONDE HITLER NASCEU TRANSFORMA-SE NUM MUSEU

      As relações entre a Áustria e a Alemanha continuam estancadas, apesar acordo de verão

      Por Käthe Perger

      BRAUNAU-AM-INN, ÁUSTRIA, 20 de dezembro de 1936. O dono da casa onde Adolf Hitler nasceu abriu duas das suas divisões ao público como museu. As autoridades austríacas em Linz permitiram tal exposição pública sob a condição de que só se permita a entrada a visitantes alemães, não austríacos. No caso de se permitir a entrada de visitantes austríacos no museu ou de se transformar num lugar de manifestação para os nazis, o museu fechará. O museu foi possível como resultado do acordo entre a Áustria e a Alemanha, de 11 de julho, para recuperar as «relações de caráter normal e amistoso» entre as nossas nações. Segundo o acordo, a Alemanha reconhecia a soberania plena da Áustria e admitia que a nossa ordem política é um assunto interno sobre o qual não exercerá nenhuma influência. Uma concessão por parte de Hitler, que se opõe ao encarceramento de membros do partido nazi austríaco por parte do nosso governo.

      VELAS AO AMANHECER

      Com inquietação, Žofie-Helene aproximou-se das sebes cobertas de neve e do portão de ferro do palácio de Ringstrasse. Levou a mão ao cachecol cor-de-rosa aos quadrados que a avó lhe oferecera no Natal, tão suave como a carícia da mãe. Aquela casa era maior do que todo o seu bloco de apartamentos e muito mais decorada. Os quatro andares com colunas — o andar de baixo com portas e janelas arqueadas, mas os superiores com janelas altas e retangulares que davam para varandas com corrimões de pedra — eram coroados por um quinto andar de um tamanho mais modesto, decorado com estátuas que pareciam segurar o peso do telhado de ardósia ou proteger os empregados que deviam viver lá em cima. Aquela não podia ser a casa de alguém real, muito menos de Stephan. Contudo, antes de conseguir virar-se, um porteiro com capa e cartola saiu da guarita para lhe abrir o portão e, quando as portas esculpidas da entrada se abriram, Stephan desceu os degraus a correr, tão limpos de neve que parecia verão.

      — Olha! Escrevi uma peça nova! — exclamou, oferecendo-lhe o manuscrito. — Escrevi-a com a máquina que me ofereceram no Natal!

      O porteiro sorriu com carinho.

      — Jovem Stephan, não quer convidar a sua amiga a entrar?

      * * *

      O interior da mansão era ainda mais imponente, com lustres de cristal e chão de mármore

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