O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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falavam, e fazia-o bem. Com frequência, trocava o seu uniforme por roupa de rua para se infiltrar e observar mais de perto os grupos sionistas de Berlim. Desenvolvera uma estrutura de informadores. Recolhia informação da imprensa judia. Recolhia informação sobre o Agudat Israel. Tratava das denúncias com discrição. Lidava com as detenções. Ajudava nos interrogatórios da Gestapo. Até tentara aprender hebreu para fazer melhor o seu trabalho, embora aquilo lhe tivesse corrido mal. Agora, todos em Berlim tinham ouvido falar daquela estupidez. Oferecera-se para pagar três marcos por hora a um rabino para que lhe ensinasse a língua quando poderia simplesmente tê-lo detido para o ter como prisioneiro e para que o ensinasse sem ter de pagar.

      Vera estava convencida de que aquele erro fora a razão pela qual aquele prussiano ignorante conseguira o lugar de diretor do Departamento Judeu, que devia ter sido para Eichmann. Tivera de se conformar com uma simples promoção para sargento técnico, com as mesmas tarefas de sempre, mas com menos pessoal devido à purificação do partido. Contudo, Eichmann sabia que essa não era a razão por que lhe tinham negado a promoção. Quem teria imaginado que ser especialista em assuntos sionistas o transformaria num perito demasiado valioso para «se distrair» com responsabilidades administrativas? Se as pessoas queriam subir no escalão nazi, era melhor serem cachorrinhos de um prussiano com um diploma em teologia, uma gargalhada asquerosa e nenhuma experiência em algo concreto.

      Só depois de Wisliceny se ir embora naquele dia e de Eichmann ter arrumado a secretária é que permitiu que o Tier se mexesse. «Lindo menino», elogiou, acariciando-lhe as orelhas pontiagudas e parando na parte interna, cor-de-rosa e aveludada. «Divertimo-nos um pouco agora? Acho que merecemos um pouco de diversão depois dessa tolice, não achas?»

      O Tier sacudiu as orelhas e inclinou o focinho comprido, tão expectante como Vera antes do sexo. Vera. Naquele dia, era o seu segundo aniversário de casamento. Estaria à espera dele no seu apartamento pequeno de Onkel-Herse-Strasse com o seu filho, de cujo nascimento Eichmann tivera de falar com o Rasse und Siedlungshauptamt das SS, tal como tivera de falar do seu casamento, depois de provar primeiro que Vera era de descendência ariana. Devia ir diretamente para casa, para ver os olhos grandes de Vera, as sobrancelhas lindas e o rosto rechonchudo e forte, com esse corpo voluptuoso que lhe parecia muito mais sugestivo do que o das mulheres magricelas que estavam tanto na moda.

      Porém, decidiu dar uma volta, seguido pelo Tier. Atravessou o rio e deambulou pelo gueto judeu, indo de rua em rua, só pelo prazer de ver como, apesar do bom comportamento do Tier, as crianças fugiam ao vê-los.

      UM POUCO DE CHOCOLATE AO PEQUENO-ALMOÇO

      Truus baixou o jornal e olhou para o outro extremo da mesa do pequeno-almoço.

      — A Alice Salomon foi exilada da Alemanha — informou, sem conseguir evitá-lo ao ler a notícia. — Como é que os nazis podem fazer isto? Uma pioneira em saúde pública internacionalmente aclamada e que não é uma ameaça para ninguém? É idosa e está doente e, além disso, é apolítica.

      Joop deixou o seu hagelslag no prato e uma apara de chocolate caiu do pão, enquanto outra ficava na comissura dos lábios.

      — É judia?

      Truus olhou pela janela do terceiro andar, por cima dos vasos do parapeito, para Nassaukade e para o canal, para a ponte e para Raampoort. A doutora Salomon era cristã. Para além de muito devota, provavelmente, de uma família como a de Truus: Cristãos que apreciavam os presentes de Deus e que tinham partilhado esses presentes, acolhendo crianças belgas durante a Grande Guerra. No entanto, dizer a Joop que os alemães tinham exilado uma cristã preocupá-lo-ia e não queria dar-lhe razões para se interessar pelo que planeara fazer naquele dia. Albergara a esperança de conseguir ir à Alemanha para se encontrar com Recha Freier e ver o que mais poderia fazer para ajudar as crianças judias de Berlim que, agora, já não podiam ir às escolas públicas, mas a sua mensagem não obtivera resposta. No entanto, já falara com a senhora Kramarsky para que lhe emprestasse o carro. Pelo menos, poderia atravessar a fronteira e ir à quinta dos Weber.

      — Segundo parece, tem antepassados judeus — respondeu, o que tinha a vantagem de ser verdade, mas, mesmo assim, desviou o olhar para o papel pintado às flores e para as cortinas que tinham de ser limpas naquela divisão em que tinham tomado o pequeno-almoço desde que se tinham casado. Duvidava que os antepassados de Alice Salomon explicassem porque fora expulsa da sua pátria.

      — Geertruida — começou a dizer Joop e Truus preparou-se. O seu nome sempre lhe parecera aborrecido e insubstancial antes de conhecer Joop — quer fosse Geertruida ou Truus —, mas parecia-lhe lindo na voz do seu marido. Mesmo assim, não costumava chamá-la pelo seu nome completo.

      O que faz com que um casamento funcione é estar sempre em guarda, dissera-lhe a mãe, na manhã do seu casamento, e quem era Truus para desafiar o conselho da mãe, fazendo ver que aquele costume de Joop — usar o seu nome completo quando tencionava dissuadi-la de fazer alguma coisa — a punha em guarda?

      Agarrou no guardanapo e aproximou-se para limpar a apara de chocolate da boca de Joop. E, assim, o marido voltou a ser o funcionário chefe e diretor impoluto do Banco De Javasche que fora quando tinham ficado noivos.

      — Amanhã para o pequeno-almoço, vou fazer broodje kroket — informou, antes que Joop conseguisse começar a perguntar como tencionava passar o dia. Aquele croquete de carne guisada por cima de um pãozinho era a sua comida favorita. Só de a mencionar, ficava de bom humor e distraía-se.

      GIZ NOS SAPATOS

      Stephan olhava para a porta enquanto Žofie apagava metade de uma demonstração matemática que cobria o quadro todo.

      O seu professor, alarmado, disse: «Kurt…»

      Um homem mais jovem que estava com eles assentiu, olhando para Žofie. Stephan sentia-se um pouco como o médico em Amok, a personagem de Zweig que se obceca tanto com uma mulher que não quer ir para a cama com ele que começa a persegui-la. No entanto, Stephan não estava a perseguir Žofie. Sugerira que fosse buscá-la à universidade, independentemente de ser verão e de não haver ninguém a ter aulas.

      Žofie deixou cair o rascunho e, alheia ao giz que tinha no sapato, começou a encher novamente o quadro com símbolos. Stephan tirou um diário da mala e anotou: «Deixa cair giz no sapato e nem sequer se apercebe.»

      Só depois de Žofie-Helene ter acabado a equação é que reparou na sua presença. Sorriu, tal como Hèlène em Amok quando sorri no meio da sala de baile com o seu vestido amarelo. Até o nome era parecido.

      — Isto faz sentido? — perguntou Žofie ao homem mais velho. Depois, virou-se para o jovem. — Se não, posso explicar-lhe amanhã, professor Gödel.

      Žofie entregou o giz a Gödel e foi ter com Stephan, agora alheia aos dois homens. O mais velho disse: «Extraordinário. E quantos anos diz que tem?» O outro, Gödel, respondeu: «Só tem quinze.»

      O PARADOXO DO MENTIROSO

      Stephan protegeu-se da chuva, entrando no edifício da Chocolates Neuman, situado no número 2 de Schulhof, seguido por Žofie. Conduziu-a por um lance de escadas de madeira que descia até uma cave cavernosa e, com os sapatos molhados, foram deixando rastos invisíveis na escuridão fria de pedra, enquanto a conversa dos chocolateiros do andar de cima ficava para trás.

      — Hum… Chocolate — comentou ela, sem medo.

      Como

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