Tudo se desmorona. Sheena Kamal

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Tudo se desmorona - Sheena Kamal HARPERCOLLINS PORTUGAL

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então, olha para mim. O sorriso desaparece. Tento não me sentir ofendida. De todos os modos, as meninas boas estão sobrevalorizadas.

      — A caixa amarela — digo. Não há razão para andar com indiretas.

      Pensa por um instante e, depois, toma uma decisão.

      — Lá em cima, no armário do quarto de hóspedes. Prateleira de cima.

      Passo junto dele e entro na casa. As minhas visitas à casa da minha irmã costumam ser clandestinas, de modo que, ao princípio, não sei bem como proceder. Devia mexer-me de um modo diferente agora que tenho permissão?

      A casa de Lorelei é como a personalidade dela. Sóbria, ordenada e um pouco insossa. Aqui, não há lugar para surpresas. A caixa está onde me disse que estaria. Quando volto a sair com a caixa de sapatos amarela por baixo do braço, descubro que as coisas progrediram com a Whisper. Está ocupada a desfrutar das carícias de um homem. Está deitada de barriga para cima, oferecendo a barriga para que a esfregue. A ninfomaníaca.

      — Obrigada — agradeço a David, quando volta a olhar para mim.

      Assente.

      — Vais dizer-lhe que vim?

      — Não, a não ser que se aperceba da falta da caixa. Mas há anos que não a abre, portanto, não me preocuparia.

      Eu também assinto e ambos fazemos um gesto com o pescoço para tentar superar o momento incómodo que vivemos. Agora, existe um acordo entre nós. Um segredo. O marido da minha irmã e eu combinámos que Lorelei não deve saber que estive aqui e que levei uma coisa dela. Não vou dizer-lhe porque já não me fala. O silêncio de David sobre o assunto deve-se a uma culpa mal entendida sobre a nossa relação tensa. Embora não tenha nada a ver com ele. Porém, David é um bom homem e não me negaria o que resta do meu pai, tudo guardado convenientemente numa caixa que, antes, continha uns sapatos de salto de Lorelei, tamanho trinta e oito.

      Fecho ligeiramente as pernas. A pressão aumenta mais devagar do que gostaria. Mais devagar do que estou habituada. E, então, acaba, muitos segundos depois do que costumava demorar. Não sinto vergonha, o que suponho que seja um avanço, mas, claro, também não sinto grande coisa.

      Continuo com a impressão de que me observam, mas o ângulo está errado.

      Quando afasto os joelhos das marcas que deixaram junto da cabeça do desconhecido, interrogo-me se a viagem até aqui terá valido a pena. Não encontro uma resposta, não enquanto visto as calças de ganga, nem sequer quando lhe desato as mãos dos postes da cama e me dirijo para a porta. Como o clichê em que me transformei, o dinheiro está num envelope em cima da cómoda.

      Encontro a resposta quando já estou a meio do estacionamento do hotel.

      «Sentar-me-ei na tua cara», diz o anúncio que publiquei online. «E terás as mãos atadas. Quando acabar, vou-me embora. Sem compromisso. Sem tolices. Sem jogos. Os meus dentes são mais afiados do que os teus.»

      Depois, ponho uma quantia razoável que estou disposta a pagar.

      Em geral, é um anúncio insultante. Cheguei a odiar-me mais do que os solitários estúpidos que respondem, mas ainda não me cansei. Chego ao orgasmo e, depois, vou-me embora e, ao princípio, funcionava bem.

      O meu velho Corolla demora um minuto a habituar-se à ideia de que espero algo dele e, enquanto isso, fico com essa resposta inquietante. Já não é suficiente. Tanto faz o número de desconhecidos cujas caras tento apagar com as minhas coxas.

      Uma hora mais tarde, estaciono junto do restaurante de Burnaby Mountain e dirijo-me para um ponto situado no meio do jardim. O ar está mais limpo aqui em cima. Além disso, a vista das esculturas japonesas de madeira que tenho por baixo e da cidade de Vancouver a oeste é insuperável. Estou aqui porque o meu amigo jornalista Mike Starling gostava de vir aqui para pensar ou, pelo menos, era o que se dizia no seu obituário no ano passado, depois de ser encontrado morto na sua banheira com as veias cortadas. Para mim, Starling não era dos que se sentam nas montanhas e pensam na vida, mas, na verdade, a minha memória não é a melhor. O que mais me lembro dele é do seu desdém pelos bebedores de café com nomes pomposos e o aspeto que tinha ali morto, numa banheira cheia de água ensanguentada.

      Os meus amigos do grupo de apoio garantem-me que não tenho razões para me sentir culpada porque não fui eu que o matei, mas o que saberão? Também não é como se a sua opinião fosse muito sensata. E o que não sabem (porque não lhes disse) é que fui a razão por que morreu. Morreu porque umas pessoas perigosas foram procurar-me e ele escolheu proteger-me. Talvez até estivesse aqui sentado enquanto chegava à conclusão de que valia a pena lutar pela minha vida, quando decidiu que investigaria quem me tinha posto um alvo nas costas.

      Bebo o café que trouxe comigo — com um nome pomposo — e verto um pouco no chão junto de mim, para ele. Para que saiba que a mulher por quem sacrificou a vida ainda tem um pouco de sentido de humor. Talvez gostasse de vir até aqui e talvez ainda reste uma parte dele neste lugar, porque me parece que Mike Starling nunca conseguiria virar as costas a um mistério.

      Na verdade, eu também não consigo.

      5

      É tarde. O conteúdo da caixa está espalhado na mesinha baixa à minha frente e estou deitada no chão, a observá-lo à altura dos olhos. Não há grande coisa. Uma carta de amor. Uma fita de seda azul amarrotada. Cinco postais de uma morada em Detroit. Algumas fotografias desgastadas. Numa, aparece uma mulher na cama, com um bebé ao colo. A mulher tem a cabeça cortada, talvez deliberadamente, e embala, nos seus braços bronzeados, um bebé enrugado. A data que aparece no dorso indica-me que esse bebé a dormir sou eu.

      Deixo-a de lado.

      As outras duas são do meu pai, com Lorelei e comigo. Essas fotografias não têm data, mas os três mudámos drasticamente de uma fotografia para a seguinte. Lorelei e eu crescemos com a velocidade a que as crianças crescem, mas o aspeto do meu pai deu uma reviravolta dramática. Em ambas, tem o cabelo preto e liso e os olhos escuros. Foram as rugas da cara que mudaram. Na primeira, parece um pai satisfeito, mas cansado. Na segunda, parece um homem atormentado com um pé na sepultura. Criar filhos não está ao alcance de qualquer um.

      — O que estás a fazer? — pergunta Seb, da porta. O meu próprio fantasma vivo decidiu fazer o seu aparecimento silencioso, com um rosto gasto e pálido.

      — Tens fome? — Aponto para a caixa de pad thai que comprei no seu restaurante favorito, ao virar da esquina. Compro um pouco a cada dois dias, para o caso de estar com vontade de comer uma dose elevada de sódio e hidratos de carbono. Acabo sempre por a comer na manhã seguinte porque nunca está de humor para isso. Embora me garanta que come, raramente o vejo a fazê-lo. Eu, por outro lado, ganhei cinco quilos desde que me mudei. Se há uma coisa que não consigo suportar é desperdiçar a comida. Porque, então, tenho de descobrir como conseguir mais.

      Abana a cabeça e aproxima-se das fotografias.

      — Quem são esses? — pergunta, olhando por cima do meu ombro.

      — O meu pai e a minha irmã.

      — E tu. Bonita. — Quando sorri, a sala ilumina-se e quase me esqueço de que está prestes a morrer. — De onde vem este ataque de nostalgia?

      Já não escondemos segredos um ao outro. Não

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