Romancistas Essenciais - Eça de Queirós. Eca de Queiros

Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros страница 41

Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros Romancistas Essenciais

Скачать книгу

      — É certamente lamentável que um jornal...

      Natário interrompeu, empertigando o busto com indignação:

      — Jornal que já devia estar suspenso, senhor secretário-geral!

      — Suspenso! Por quem é, senhor cura! Mas V. St decerto não quer que eu volte ao tempo dos corredores-mores! - Suspender o jornal! Mas a liberdade de imprensa é um princípio sagrado! Nem as leis de imprensa o permitem... Mesmo querelar pelo ministério público porque um periódico diz duas ou três pilhérias sobre o cabido, impossível! Tínhamos de querelar toda a imprensa de Portugal, com exceção da Nação e do Bem Público! Onde iria parar a liberdade de pensamento, trinta anos de progresso, a própria idéia governamental? Mas nós não somos os Cabrais, meu caro senhor! Nós queremos luz, muitíssima luz! Justamente o que nós queremos é luz!

      Natário tossiu devagarinho, disse:

      — Perfeitamente. Mas então quando pelas eleições, a autoridade nos vier pedir o nosso auxilio, nós vendo que não encontramos nela proteção, diremos simplesmente: "Non possumus!"

      — E pensa o senhor cura, que por amor de alguns votos que dão os senhores abades, nós vamos trair a civilização?

      E o antigo Bibi, tomando uma grande atitude, soltou esta frase:

      — Somos filhos da liberdade, não renegaremos nossa mãe!

      — Mas o doutor Godinho, que é a alma do jornal, é oposição, observou então Natário; proteger-lhe o jornal é implicitamente proteger-lhe as manobras...

      O secretário-geral teve um sorriso:

      — Meu caro senhor cura, V. St não está no segredo da política. Entre o doutor Godinho e o governo civil não há inimizade, há apenas um arrufo... O doutor Godinho é uma inteligência... Vai reconhecendo que o grupo da Maia não produz nada... O doutor Godinho aprecia a política do governo, e o governo aprecia o doutor Godinho.

      E, rebuçando-se todo num mistério de Estado, acrescentou:

      — Coisas de alta política, meu caro senhor.

      Natário ergueu-se:

      — De modo que...

      — Impossibilis est, disse o secretário. De resto acredite, senhor cura, que, como particular, revolto-me contra o Comunicado; mas como autoridade devo respeitar a expressão do pensamento... Mas creia, e pode dizê-lo a todo o clero diocesano, a Igreja católica não tem um filho mais fervente que eu, Gouveia Ledesma... Quero porém uma religião liberal, de harmonia com o progresso, com a ciência... Foram sempre as minhas idéias; preguei-as bem alto, na imprensa, na universidade e no grêmio... Assim, por exemplo, não acho que haja poesia maior que a poesia do cristianismo! E admiro Pio IX, uma grande figura! Somente lamento que ele não arvore a bandeira da civilização! - E o antigo Bibi, contente da sua frase, repetia-a: - Sim, lamento que ele não arvore a bandeira da civilização... O Syllabus é impossível neste século de eletricidade, senhor cura! E a verdade é que nós não podemos querelar dum jornal, porque ele diz duas ou três pilhérias sobre o sacerdócio, nem nos convém, por altas razões de política, escandalizar o doutor Godinho. Aqui tem o meu pensamento.

      — Senhor secretário-geral, disse Natário curvando-se.

      — Um criado de V. S.a. Sinto que não tome uma chávena de chá. E como vai o nosso chantre?

      — S. Ex. a nestes últimos dias, segundo creio, tem tornado a sofrer de tonturas.

      — Sinto. Uma negligência também! Grande latinista... Tenha cuidado com o degrau!...

      Natário correu à Sé, com um passo nervoso, resmungando alto de cólera. Amaro passeava devagar no terraço, com as mãos atrás das costas: tinha as olheiras batidas e a face envelhecida.

      — Então? disse ele, indo rapidamente ao encontro de Natário.

      — Nada!

      Amaro mordeu o beiço: e enquanto Natário lhe contava, excitado, a conversação com o secretário-geral, "e como argumentara com ele, e como o homem tagarelara, tagarelara", - a face do pároco cobria-se duma sombra desconsolada, e ia arrancando raivosamente, com a ponta do guarda-sol, a erva que crescia nas fendas do terraço.

      — Um patarata! resumiu o padre Natário com um grande gesto. Pela autoridade não se faz nada. É escusado... Mas a questão agora é entre mim e o liberal, padre Amaro! Eu hei-de saber quem é, padre Amaro! E quem o esmaga sou eu, padre Amaro, sou eu!...

      No entanto, João Eduardo desde o domingo triunfava; o artigo fizera escândalo: tinham-se vendido oitenta números avulsos do jornal, e o Agostinho afirmara-lhe que na botica da Praça a opinião era "que o liberal conhecia a padraria a fundo e tinha cabeça" ! _

      — És um gênio, rapaz, disse o Agostinho. É trazer-me outro, é trazer-me outro!

      João Eduardo gozava prodigiosamente "daquele falatório que ia pela cidade".

      Relia então o artigo com uma deleitação paternal; se não receasse escandalizar a S. Joaneira, desejaria ir pelas lojas dizer bem alto: fui eu, eu é que o escrevi! - e já ruminava outro, mais terrível, que se deveria intitular: O diabo feito eremita, ou O sacerdócio de Leiria perante o século XIX!

      O doutor Godinho encontrara-o na Praça, e parara com condescendência, para lhe dizer:

      — A coisa tem feito barulho. Você é o diabo! E a piada ao Brito é bem jogada. Que eu não sabia... E diz que é bonita, a mulher do regedor...

      — V. Ex.a não sabia?

      — Não sabia, e saboreei. Você é o diabo! Eu fui que disse ao Agostinho que publicasse a coisa como um comunicado. Você compreende... Eu não me convém ter turras de mais com o clero... E depois lá minha esposa tem seus escrúpulos... Enfim, é melhor e é conveniente que as mulheres tenham religião... Mas no meu foro interior saboreei... Sobretudo a piada ao Brito. O patife fez-me uma guerra dos diabos na eleição passada... Ah! e outra coisa, o seu negócio arranja-se. Lá para o mês que vem tem o seu emprego no governo civil.

      — Oh, senhor doutor, V. Ex.a....

      — Qual história, você é um benemérito!

      João Eduardo foi para o cartório, trêmulo de alegria. O Sr. Nunes Ferral saíra: o escrevente aparou devagar uma pena, começou a cópia duma procuração, - e de repente, agarrando o chapéu, correu à Rua da Misericórdia.

      A S. Joaneira costurava só á janela: Amélia fora ao Morenal: e João Eduardo, logo da porta:

      — Sabe, D. Augusta? Estive agora com o doutor Godinho. Diz que lá para o mês que vem tenho o meu emprego...

      A S. Joaneira tirou a luneta, deixou cair as mãos no regaço:

      — Que me diz?...

      — É verdade, é verdade...

      E o escrevente esfregava as palmas, com risinhos nervosos de júbilo.

      — Que pechincha! exclamou. De modo que agora, se a Ameliazinha estiver de acordo...

      —

Скачать книгу