Romancistas Essenciais - Camilo Castelo Branco. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Camilo Castelo Branco - August Nemo Romancistas Essenciais

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que houve. Agora apareceu-me aqui vossa senhoria, e a noite passada foi a Viseu. Perdoará a minha confiança: mas vossa senhoria foi falar com a tal menina; e eu estive vai não vai a segui-lo; mas, como ia meu cunhado, que é homem para três, fiquei descansado. Ele contou-me um encontro que vossa senhoria teve à porta do quintal da menina. Se lá torna, senhor Simão, vá preparado para alguma coisa de maior. Eu bem sei que vossa senhoria não é medroso; mas duma traição ninguém se livra. Se quer que eu vá também, estou às suas ordens; e a clavina que deu polícia ao almocreve ainda ali está, e dá fogo debaixo de água, como diz o outro. Mas, se vossa senhoria dá licença que eu lhe diga a minha opinião, o melhor é não andar nessas encamisadas. Se quer casar com ela, vá pedir a seu pai licença, e deixe o resto cá por minha conta; ponto é que ela queria. que eu, num abrir e fechar de olhos, atiro com ela para cima duma égua de chupeta. que ali tenho, e o pai e mais o primo ficam a ver navios.

      — Obrigado, meu amigo - disse Simão - aproveitarei os seus bons serviços quando me forem necessários. Esta noite hei de ir, como fui a noite passada, a Viseu. Se houver novidade, então veremos o que se há de fazer. Conto com vossemecê, e creia que tem em mim um amigo.

      Mestre João da Cruz não replicou. Dali foi examinar mudamente a fecharia da clavina, e entender-se com o cunhado sobre cautelas necessárias, enquanto descarregava a arma, e a carregava de novo com uns zagalotes especiais, que ele denominava "amêndoas de pimpões".

      Neste intervalo, Mariana, a filha do ferrador, entrou no sobrado, e disse com meiguice a Simão Botelho:

      — Então sempre é certo ir?

      — Vou; para que não hei de ir?!

      — Pois Nossa Senhora vá na sua companhia - tornou ela, saindo logo para esconder as lágrimas.

      VI

      As dez horas e meia da noite daquele dia, três vultos convergiram para o local, raro freqüentado, em que se abria a porta do quintal de Tadeu de Albuquerque. Ali se detiveram alguns minutos discutindo e gesticulando. Dos três vultos havia um, cujas palavras eram ouvidas em silêncio e sem réplica pelos outros. Dizia ele a um dos dois:

      — Não convém que estejas perto desta porta. Se o homem aparecesse aqui morto, as suspeitas caiam logo sobre mim ou meu tio. Afastem-se vocês um do outro, tenham o ouvido aplicado ao tropel do cavalo. Depois apressem o passo até o encontrarem, de modo que os tiros sejam dados longe daqui.

      — Mas... - atalhou um - quem nos diz que ele veio ontem a cavalo, e hoje vem a pé?

      — E verdade! - acrescentou o outro.

      — Se ele vier a pé, eu lhes darei aviso para o seguirem depois até o terem a jeito de tiro, mas longe daqui, percebem vocês? - disse Baltasar Coutinho.

      — Sim, senhor: mas se ele sal. de casa do pai, e entra sem nos dar tempo?

      — Tenho a certeza de que não está em casa do pai, já Iho disse. Basta de palavreado. Vão esconder-se atrás da Igreja, e não adormeçam.

      Debandou o grupo, e Baltasar ficou alguns momentos encostado ao muro. Soaram os três quarto depois da dez. O de Castro-d'Aire colocou o ouvido à porta, e retirou-se aceleradamente, ouvindo o rumor da folhagem seca que Teresa vinha pisando.

      Apenas Baltasar, cosido com o muro, desaparecera, um vulto assomou do outro lado a passo rápido. Não parou: foi direito a todos os pontos onde uma sombra podia figurar um homem. Rodeou a igreja, que estava a duzentos passos de distância. Viu os dois vultos direitos com o recanto que formava a junção da capela-mor, e sobre o qual caíram as sombras da torre. Fitou-os de passagem, e suspeitou; não os conheceu, mas eles disseram entre si, depois que ele desaparecera:

      — E o João da Cruz, ferrador, ou o diabo por ele!...

      — Que fará a estas horas por aqui?!

      — Eu sei!

      — Não desconfias que ele entre nisto?

      — Agora! se entrasse, era por nós. Não sabes que ele foi mochila do nosso amo?

      — Pois então que medo tens?

      — Não há medo; mas também sei que foi o corregedor que o livrou da forca...

      — Isso que tem! O corregedor não se importa com isso, nem sabe que o filho cá está...

      — Assim será; mas não estou muito contente... Ele é homem dos diabos...

      — Deixá-lo ser... Tanto entram as balas nele como noutro...

      A discussão continuou sobre várias conjeturas. De tudo o que eles disseram uma coisa era certíssima: ser o vulto o João da Cruz, ferrador.

      Teria este dado trezentos passos, quando os criados de Baltasar ouviram o remoto tropel da cavalgadura.

      Ao tempo que eles saíam do seu esconderijo, saía João da Cruz à frente do cavaleiro. Simão aperrou as pistolas, e o arreeiro uma clavina.

      — Não há novidade - disse o ferrador -; mas saiba vossa senhoria que já podia estar em baixo do cavalo com quatro zagalotes no peito.

      O arreeiro reconheceu o cunhado, e disse:

      — És tu, João?

      — Sou eu. Vim primeiro que tu.

      Simão estendeu a mão ao ferrador, e disse, comovido.

      — Dê cá a sua mão; quero sentir na minha a mão dum homem honrado.

      — Nas ocasiões é que se conhecem os homens - redargüiu o ferrador. - Ora vamos... não há tempo para falatórios. O senhor doutor tem uma espera.

      — Tenho - disse Simão.

      — Atrás da igreja estão dois homens que eu não pude conhecer; mas não se me dava de jurar que são criados do Sr. Baltasar. Salte abaixo do cavalo, que há de haver mostarda. Eu disse-lhe que não viesse; mas vossa senhoria veio, e agora é andar com a cara para frente.

      — Olhe que eu não tremo, mestre João! - disse o filho do corregedor.

      — Bem sei que não; mas, à vista do inimigo, veremos.

      Simão tinha apeado. O ferrador tomou as rédeas do cavalo, recuou alguns passos na rua, e foi prendê-lo à argola da parede duma estalagem.

      Voltou, e disse a Simão que o seguisse a ele e ao cunhado na distância de vinte passos; e que, se os visse parar perto do quintal de Albuquerque, não passasse do ponto donde os visse.

      Quis o acadêmico protestar contra um plano que o humilhava como protegido pela defesa dos dois homens; o ferrador, porém, não admitiu a réplica

      — Faça o que eu lhe digo, fidal9o - disse ele com energia.

      João da Cruz e o cunhado, espiando todas as esquinas, chegaram defronte do quintal de Teresa, e viram, um vulto a sumir-se no ângulo da parede.

      — Vamos sobre eles - disse o ferrador - que lá passaram para o adro da igreja; nestes entrementes, o doutor chegará à porta do quintal e entra; depois voltaremos para lhe guardar a

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