Romancistas Essenciais - Camilo Castelo Branco. August Nemo
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Em frente do muro do jardim de Teresa haviam uma cascalheira escarpada. que se esplainava depois numa alameda sombria.
Os dois criados de Baltasar, quando o tropel do cavalo parou, recordaram as ordens do amo, no caso de vir a pé Simão. Buscaram sitio azado para o espreitarem na saída, e entraram na alameda quando o acadêmico chegara à porta do quintal.
— Agora está seguro - disse um,
— Se lá não ficar dentro... - respondeu o outro, vendo-o entrar, e fechar-se a porta.
— Mas além vêm dois homens... - disse o mais assustado, olhando para a outra entrada da alameda.
— E vêm direitos a nós... Aperra lá a cravina...
— O melhor é retirarmos. Nós estamos à espera do outro, e não deste. Vamos embora daqui...
Este não esperou convencer o companheiro: desceu a ribanceira do cascalho. O mais intrépido teve também a prudência de todos os assassinos assalariados: seguiu o assustadiço, e deu-lhe razão, quando ouviu após de si os passos velozes dos perseguidores. Saiu-lhes o amo de frente quando dobravam a esquina do quintal, disse-lhes:
— Vocês a que fogem, seus poltrões?
Os homens pararam de envergonhados, aperrando os bacamartes.
João da Cruz e o arreeiro apareceram, e Baltasar caminhou para eles, brandando:
— Alto aí!
O ferrador disse ao cunhado:
— Fala-lhe tu, que eu não quero que ele me conheça.
— Quem manda fazer alto? - disse o arreeiro.
— São três clavinas - respondeu Baltasar.
— Olha se os demoras a dar tempo que o doutor saía - disse João da Cruz ao ouvido do arreeiro.
— Pois nós cá estamos parados - replicou o criado de Simão. - Que nos querem vocês?
— Quero saber o que têm que fazer neste sítio.
— E vocês o que fazem por cá?
— Não admito perguntas - disse o de Castro-d'Aire, aventurando alguns passos vacilantes para a frente. - Quero saber quem são.
Mestre João disse ao ouvido do cunhado:
— Diz-lhe que, se dá mais um passo, que o arrebentas.
O arreeiro repetiu a cláusula, e Baltasar parou.
Um dos criados deles chamou-o ao lado para lhe dizer que aquele dos dois que não falava parecia ser o João da Cruz. O morgado duvidou, e quis esclarecer-se; mas o ferrador ouvira as palavras do criado, e disse ao cunhado:
— Vem comigo, que eles conhecem-me.
Dizendo, voltou as costas ao grupo, e caminhou ao longo do quintal de Tadeu de Albuquerque. Os criados de Baltasar, gloriosos da retirada, como de uma derrota certa, apressaram o passo, na cola dos supostos fugitivos. O morgado ainda lhes disse que os não seguissem; mas eles, momentos antes cobardes, queriam desforrar-se agora, correndo após o inimigo tanto quanto lhe tinham fugido antes.
Simão Botelho ouvira passos ligeiros, e, compelido pelo susto de Teresa, abrira a porta do quintal, sem saber ainda de quem fossem os passos. João da Cruz, com ar galhofeiro, já quando os perseguidores se viam, disse ao filho do corregedor, se estavam ajustando o casamento, que não havia pano para mangas.
Simão entendeu o perigo, apertou convulsamente a mão de Teresa, e retirou-se. Queria ele reconhecer os dois vultos parados a distância, mas João da Cruz, com o tom imperioso de quem obriga à submissão, disse ao filho do corregedor:
— Vá por onde veio, e não olhe para trás. Simão foi indo até encontrar o cavalo. Montou, e esperou os dois inalteráveis guardas que o seguiam a passo vagaroso. Maravilhara-os o súbito desaparecimento dos criados de Baltasar, e recearam-se de alguma espera fora da cidade. O ferrador conhecia o atalho que podia levar os da emboscada ao caminho, e revelou o seu receio a Simão, dizendo-lhe que picasse a toda a brida, que ele e o cunhado lá iriam ter. O acadêmico recebeu com enfado a advertência, admoestando-os a que o não tivessem em tal vil preço. E acintemente sofreu as rédeas para não forçar os homens a aligeirar o passo.
— Vá como quiser - disse mestre João - que nós vamos por fora do caminho.
E subiram a uma rampa de olivais, para tornarem a descer encobertos por moitas de giesta, cosendo-se aos torcicolos duma parede paralela com a estrada.
— O atalho vai acolá onde a serra faz aquele cotovelo - disse o ferrador ao cunhado, - hão de ali passar, ou já passaram. A estrada vai mesmo na quebrada daquele outeirinho. Os homens é dali que vão atirar, encobertos pelos sobreiros. Vamos depressa...
E um pouco descobertos, e outro curvados à sombra das devesas, chegaram a um valado donde ouviram os passos dos dois homens que atravessavam o pontilhão de um córrego.
— Já não vamos a tempo - disse aflito o João da Cruz - os homens vão atirar-lhe, porque o cavalo trupa cá muito atrás.
E corriam já sem temor de serem vistos, porque os outros tinham dobrado o outeiro, em cujo vale corria a estrada.
— Os homens vão atirar-lhe... - disse o ferrador.
— Gritemos daqui ao doutor que não vá para diante.
— Já não é tempo... Ou o matem ou não matem, quando voltarem são nossos.
Tinham já passado o pontilhão, e subiam a ladeira quando ouviram dois tiros.
— Arriba! - esclamou João da Cruz - que não vão meter-se à estrada, se mataram o fidalgo.
Tinham vencido o chá, esbofados e ansiados, com as davinas aperradas. Os criados de Baltasar, ao invés da conjetura do ferrador, retrocediam pelo mesmo atalho, supondo que os companheiros de Simão iam adiante batendo os pontos azados à emboscada, ou se tinham retardado.
— Eles aí vêm! disse o arreeíro.
— Nós cá estamos - respondeu o ferrador, sentando-se a coberto de um cômoro. - Senta-te também, que eu não estou para correr atrás deles. Os assassinos, a dez passos, viram de frente erguerem-se os dois vulto, e ladearam cada qual para seu lado, um galgando os socalcos duma vinha e outro atirando-se a uns silveirais.
— Atira ao da esquerda - disse João da Cruz.
Foram simultâneas as explosões. A pontaria do ferrador fez logo um cadáver. Os balotes do arreeiro não estremaram o outro entre o carrascal onde se embrenhara.
A este tempo assomava Simão no teso donde lhe tinham atirado, e corria ao ponto onde ouvira o segundo tiro.
— É vossa senhoria, fidalgo - bradou o ferrador.
— Sou.
— Não o mataram?
— Creio que não - respondeu