Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo Romancistas Essenciais

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braços roliços, deixava no ar um cheiro acre de carne, um almíscar estonteante de mulher ardente, não teve ânimo de sair e ficou sentado até que ela, ouvindo as horas no lento relógio, veio do fundo da casa, penteando os cabelos lisos, dizer, com espanto: "Que, deveras, Mamede estava demorando muito. Ele não costumava ficar até aquelas tantas na rua".

      Transpirava: no lábio superior brilhava um leve rorejo e, como levantava os braços, em curva, o casaco aparecia com duas manchas úmidas nas axilas. Paulo estava enervado: olhava, e Ritinha, como se percebesse que os eflúvios do seu corpo novo venciam o homem, quis, como uma fera lasciva, brincar com ele, atormentando-o, para gozo da vaidade, e sentou-se no banco, curvou o busto à frente, baixou a cabeça, atirando despejadamente os cabelos, que chegaram quase ao chão, fartos e luzidios, como a cauda de um ginete de raça.

      A nuca morena aparecia úmida, e ela torcia os cabelos, torcia-os como se os espremesse. De repente atirou-os para trás e ergueu-se. O colo teso forçava o corpinho com esforço e, como ela enrolasse os cabelos no alto da cabeça, em torre, um grampo caiu. Paulo abaixou-se. apanhou-o - os dedos tocaram-se e a mulatinha, faceirando ao espelho, perguntou, como se falasse à própria imagem:

      — O senhor é daqui?

      — Sou, por quê?

      — Por nada. Pensei que era do Norte. Parece muito com um moço que eu conheci na Paraíba.

      — A senhora é da Paraíba?

      — Com a graça de Deus. E não estou aqui por minha vontade. Pudesse eu que amanhã mesmo tomava um vapor e voltava para a minha terra.

      — Então não gosta do Rio?

      — Eu!? Posso lá com isto! Estou aqui porque não há remédio. Não me dou com esta gente. Uma terra de miséria. Deus me livre! Não estou acostumada com estas coisas.

      — E Mamede?

      Ritinha encolheu os ombros, dizendo, com um risinho:

      — Mamede? Uai! Não sou cativa de ninguém. Mamede é daqui: que fique.

      — Então não gosta dele?

      — Não digo que não goste, não tenho queixa; mas o senhor sabe, a gente sempre tem saudade da terra em que nasceu, eu tenho lá os meus, e aqui? Se cair amanhã numa cama, como há de ser? Não conheço ninguém, não me dou com esta gente da estalagem, e então? É a Misericórdia, não é? Deus me livre! Eu só espero uma ajuda de Deus para voltar, tão certo como estar aqui falando com o senhor.

      Houve um silêncio. Paulo arfava, as narinas batiam-lhe sôfregas. Veio-lhe à mente uma proposta, mas receou que a mulata, indignada, o denunciasse a Mamede. E ela continuava a torturá-lo sorrindo, suspirando, firmando-se ora em uma, ora em outra perna, com um movimento sensual das ancas, Felizmente o mulato apareceu, suado, esbaforido e, vendo-o, exclamou:

      — Ah! vosmecê adivinha. Eu já ia mandar um recado lá em casa.

      Paulo ergueu-se sobressaltado e, enquanto Mamede descansava o bengalão e o chapéu, perguntou, sôfrego:

      — Achaste?

      — Uai! Achei não, também não é assim, nhozinho. Estive com um cocheiro, que me deu umas luzes. Ele já teve uns toques da marosca. Foi um companheiro dele que, no sábado, à noite, saiu detrás do quartel com uma moça e um homem, tocando para a Tijuca. Eu agora ando na pista do bicho, e achando, nhozinho... Só se Deus mesmo não quiser.

      Entrou a dar o seu plano de captura, e como Paulo, ao fim da tarde, se despedisse, o mulato, que fizera libações seguidas, opôs-se:

      "Que não, ué? Havia de ir sem jantar? Isso não..." E saiu para ir à venda fazer umas compras. O curto instante da ausência de Mamede foi de sofrimento para o rapaz: o esto lascivo recrudesceu com maior intensidade, torturava-o uma estranha emoção de medo, faltava-lhe o hábito como em grande fadiga. Chegou a levantar-se, trêmulo, em pontas de pés, mas ficou parado, com as pemas bambas, os olhos cravados na cortina que encobria o corredor.

      Um choro irritado de criança, vindo de fora, assustou-o. Sentou-se, nervoso, revoltado, com o sangue a referver-lhe nas veias. Ritinha pôs-se a cantar e ele, mordicando os lábios, meneou com a cabeça, arrepelou os cabelos com fúria, atirou um murro à coxa e voltou-se olhando para a latada.

      O céu, violeta, tinha uma serenidade suave àquela hora da tarde. A gente da estalagem ia abandonando o trabalho, esvaziavam-se as tinas gorgorejando; recolhiam-se as roupas. Faziam-se aos pombais os pombos, e Ritinha, sempre a cantar como uma sereia lúbrica, a atraí-lo, a enfeitiçá-lo. Felizmente Mamede reapareceu... Paulo respirou, aliviado. O mulato abarcava embrulhos e garrafas e, logo que entrou, parando um momento no limiar, disse, risonho:

      — Vosmecê há de desculpar a demora.

      — Ora! - fez o estudante, complacente.

      — A gente quando entra numa dessas vendas sempre encontra uns parceiros e cai na prosa mesmo que é serviço. Com licença, nhozinho. - Puxou uma cadeira, sentou-se, com o espaldar para a frente, as pernas escarranchadas. - Ah! meu senhor... Eu já não sei mesmo onde é que hei de ir cavar dinheiro - isso está preto! Vosmecê não é da Guarda Nacional, nhozinho?

      — Eu? Não.

      — Dê graças a Deus. É um gastar de dinheiro que não tem conta. A gente, para não ficar por baixo, vai dando e, quando menos pensa, tem soltado das mãos uma cobreira surda. Mas eu gosto; é uma cachaça. Quem foi soldado, vosmecê sabe, tem sempre a sua quedazinha pela farda, e, depois, os manos me deram um posto...

      — Que posto?

      — Vosmecê ainda não me viu fardado?

      — Não.

      — Sou alferes.

      — Ah!

      — Nhozinho, toma alguma coisa, disse de repente o mulato: um gole de vinho do Porto.

      Paulo acedeu, e Mamede, num salto, desapareceu no corredor, voltou pouco depois, com a garrafa e dois copos.

      — Isto não faz mal. A bebida, com conta, até faz bem - e despejou.

      Beberam. E a conversa caiu em Violante. Mamede, confiado no cocheiro que levara o casal para a Tijuca, Paulo, a jurar que se encontrasse o homem, não respondia pela sua vida.

      Várias vezes Mamede encheu os copos e, distraído ou excitado, o estudante ia bebendo, até que Ritinha, com um casaco branco enfeitado e rendas largas e uma saia vermelha, apareceu para arranjar a mesa, aliviando-a dos objetos que a atravancavam. E, enquanto ela estendeu a toalha clara e pôs os pratos e os talheres, as garrafas, a farinheira e a fruteira de louça esvazada, Paulo, com o olhar cúpido, acompanhou-a, e o mulato, como se percebesse o entusiasmo do estudante, disse, com orgulho:

      — Mulata faísca, hem, nhozinho? Isto tem dengues...!

      Lançou-lhe o braço à cintura, atraiu-a e ela, abandonada, lânguida, derreou-se sobre ele, deixando-se afagar, até que, coleando colubrinamente, livrou-se, atirando um muxoxo.

      Servido o jantar, Ritinha sentou-se à cabeceira da mesa, entre os dois. Os copos não demoravam vazios, e Paulo já começava a sentir-se atordoado quando, ao fim do jantar, Mamede foi a um canto buscar a laranjinha.

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