Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo Romancistas Essenciais

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o quarto. Súbito, porém, detendo-se, agarrou a cabeça a mãos ambas, exclamando: "Pois, meu Deus! é possível? É possível mesmo que eu fique sem minha filha?!"

      De vez em quando a lembrança de Violante passava-lhe assim pelo espírito, como um relâmpago, e ela quedava inerte no meio da casa, tolhida, esquecida de tudo, a olhar sem ver, em verdadeira inibição. "Pois é possível que ela não volte?" Meneando com a cabeça, entrou no quarto da filha, deserto e triste como o seu coração.

      Até à noitinha Dona Júlia e a negra andaram em arrumação: empalhando a louça, entrouxando a roupa, retirando quadros das paredes e a casa, desnudando-se, tornava-se ainda mais triste, com um aspecto lúgubre de miséria: os móveis em desordem, montes de coisas pelos cantos, rolos de colchões, cartas esparsas, velhas fitas empoeiradas, retalhos, folhagens secas. O gato, sobressaltado, rondava a casa miando, de canto em canto, sobre um móvel, sobre outro, tudo farejando com desconfiança.

      Felícia saía ao quintal para espanar os quadros, ia e vinha opondo-se a que a ama carregasse pesos. "Que ela não podia; deixasse." E, ligeira, ia adiantando o serviço. Dona Júlia, d'olhos no chão, recolhia, catava pequeninas coisas - um laço de fita, uma madeixa ruça, um cromo: eram lembranças da filha. Pobre Violante! Se ela ali estivesse, que alegria!

      Com o trabalho não deram pelo cerrar da noite e foi Felícia quem disse:

      — Parece que nhonhô não vem hoje jantar...

      — É verdade! - exclamou a velha surpreendida, com os olhos no relógio.

      Eram quase sete horas; escurecia; já andavam a acender os lampiões. Impressionada ficou algum tempo a olhar os ponteiros e foi ainda a negra quem interrompeu o silêncio, acendendo o gás:

      — Quem sabe se ele não encontrou Nhá Violante, sinhá?

      — Hem?!

      — Ele que não vem até agora...

      — É!... E o compadre foi também. Quem sabe se andam juntos?! Ah meu Deus!... Se eles entrassem agora com ela? Mas qual! não tenho esperança. Andam por aí quebrando a cabeça, coitados! Se ela pudesse de vir já tinha vindo. Enfim... há de ser o que Deus quiser.

      — A Deus nada impossível, minh'ama; - consolou a negra levando, a grandes vassouradas, um monte de papéis para a cozinha. - Eu não sei, mas meu coração me diz que Nhá Violante ainda volta... minh'ama há de ver.

      — Deus te ouça.

      — Onde é que ela há de ficar, uma moça como ela? Minh'ama há de ver, meu coração não falha.

      Foi num canto da mesa que Dona Júlia, a contragosto, tomou a sopa e mastigou uma febra de carne, suspirando, com o ouvido atento aos menores ruídos. Gente que passava na rua, falando, fazia com que ela voltasse a cabeça ansiosa. Foi várias vezes à janela, entreabriu-a e ficou à espreita, alongando os olhos pela rua deserta. Parecia, às vezes, distinguir o filho além!

      Um casal, voltando a esquina, sobressaltou-lhe o coração; cravou os olhos... Não, não eram eles. As lâmpadas da Central espalhavam uma claridade de luar na rua tranqüila. Dançavam na vizinhança, vozes marcavam uma quadrilha, vibravam gargalhadas. Ah! Violante...

      Tamborinando no tabuleiro, rompeu, cantando, um vendedor de roletes; apareceu na esquina a chamar a freguesia e a baquetar com força. Os trens rodavam e um bonde, quase vazio, passou vagaroso.

      Onde andaria o Paulo? Iam as horas correndo: oito, nove, dez. A venda da esquina fechou-se e a claridade lívida da calçada sumiu-se. De quando em quando ela ia espreitar pelas frestas da janela, aflita. Que terá havido? Que terá acontecido, meu Deus! Eram onze e meia quando bateram à porta.

      — Quem é?

      — Abra!

      Com mais pressa do que lhe permitia o corpo levantou-se da cadeira e precipitou-se; antes, porém, de abrir espiou pelas rexas da persiana e reconheceu o filho. Abriu. Paulo entrou impetuosamente, num arremesso de empurrão. A pobre velha, alarmada, perguntou, querendo ampará-lo:

      — Que é isto, meu filho?

      Vendo-o, porém, à luz, demudado, oscilando, d'olhos muito lânguidos, como amortecidos de sono, ficou pregada ao soalho contemplando-o, entre assombro e piedade. Paulo bateu com o chapéu sobre a mesa, deixou cair a bengala e, sem dizer palavra, encaminhou-se para o quarto, detendo-se à porta, hesitante. Repentinamente voltou-se e, com a voz pastosa, a língua frouxa, tropegou:

      — Por enquanto nada. Andei com o Mamede... Nada.

      Vacilando, levou a mão ao umbral da porta, curvado, com a cabeça pendida e ficou a arquejar surdamente, em angústia, com o cabelo escorrido à fronte, as pernas abertas. Dona Júlia adiantou-se, ia amparar-lhe a cabeça quando ele a repeliu, falando balofo:

      — Deixe, mamãe... Deixe.

      — Mas que é isto, meu filho? Pois tu?

      — Que é? Já vem a senhora com os conselhos. Violante podia fazer tudo e... Pois eu não estou disposto a ouvir sermões, sabe? Chega, estou farto. - Revoltado, sem poder levantar a cabeça, que bombeava, continuou em voz fanhosa: E não quero mais histórias comigo. Não sou criança para estar a ouvir as grosserias do Sr. Fábio e de outros idiotas como ele. Eu ainda perco a cabeça e faço uma das minhas e vão depois dizer que sou isto e aquilo. - Deixou-se cair em uma cadeira, passando a mão pelos olhos lentamente, como se retirasse alguma coisa que os empanasse. - Andei como um animal... Estou que não posso comigo e ainda não jantei. Tudo por causa da senhora Dona Violante.

      — Com quem andaste?

      Ele levantou a cabeça com esforço:

      — Com quem havia de ser? com o Mamede, pois não sabe?

      — Logo vi... balbuciou a velha.

      — E... já a senhora pensava que eu vinha da troça, que tinha andado em pândega por aí. Pois ainda não jantei. Que é que está olhando? É isto: ainda não jantei. Ah! pensa que bebi. Bebi mesmo, e depois? bebi! - E, furioso, às guinadas, meteu-se no quarto, resmungando. Dona Júlia ficou de pé no meio da sala, abatida, num desalento profundo, com os olhos na porta que o filho encostara. Por fim, animou-se a chamá-lo, e nunca a sua voz foi tão suave e tão terna: "Paulo, meu filho..."

      — Que é? Não se importe comigo, deixe-me: estou com muita dor de cabeça, e é tarde. Não se importe comigo; não preciso de cuidados, graças a Deus. No dia em que eu não tiver forças para trabalhar, meto uma bala na cabeça. Coragem não me falta. Ora se... e pouco se perde. Descanse, que a senhora não há de sofrer por minha causa. Ah! é um desespero! tudo é pra cima de mim, como se eu fosse um burro de carga. Pois sim, mas isto acaba.

      Dona Júlia entrou no quarto. Paulo estava de pé junto à estante, a remexer nos livros; sentindo a mãe, voltou-se:

      — Pode olhar, mas não me fale, tenha paciência... Eu não estou bom.

      — Mas que queixas tem você de mim? Então eu sou má?

      — Não sei... Eu é que não estou disposto a aborrecer-me. Que culpa tenho eu de que Violante tenha fugido de casa? Foi comigo que ela fugiu? Foi por minha causa? Fui eu que lhe abri a porta? Não - então por que me aborrecem? Já faço muito em andar por aí, de casa em casa, cansando-me atrás de uma

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