Os Lusíadas. Luis de Camoes

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Os Lusíadas - Luis de Camoes

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do Mar profundo

      Em ti, dos ventos horridos de Eolo,

      Refugio achamos bom, fido, & jocundo.

      Em quanto apacentar o largo Polo,

      As Eſtrellas, & o Sol der lume ao Mundo,

      Onde quer que eu viuer, com fama & gloria,

      Viuirão teus louuores em memoria.

      Isto dizendo, os barcos vão remando,

      Pera a frota, que o Mouro ver deſeja,,

      Vão as naos, hũa & hũa rodeando,

      Porque de todas tudo note, & veja:

      Mas pera o Ceo Vulcano fuzilando,

      A frota co as bombardas o feſteja,

      E as trombetas canoras lhe tangião,

      Cos anafis os Mouros reſpondião.

      Mas deſpois de ſer tudo ja notado,

      Do generoſo Mouro, que paſmaua,

      Ouuindo o inſtrumento inuſitado,

      Que tamanho terror em ſi moſtraua,

      Mandaua estar quieto, & ancorado,

      Nagoa o batel ligeiro que as leuaua,

      Por fallar de vagar co forte Gama,

      Nas couſas de que tem noticla, & fama.

      Em praticas o Mouro diferentes,

      Se deleitaua, perguntando agora,

      Pelas guerras famoſas & excelentes,

      Co pouo áuidas, que a Mafoma adora:

      Agora lhe pergunta pelas gentes

      De toda a Hispheria vltima, onde mora:

      Agora pelos pouos ſeus vezinhos,

      Agora pelos humidos caminhos.

      Mas antes valeroſo Capitão,

      Nos conta, lhe dezia, diligente,

      Da terra tua o clima, & região

      Do Mundo onde morais diſtintamente,

      E aſsi de voſſa antiga geração,

      E o principio do Reino tam potente:

      Cos ſucceſſos das guerras do começo,

      Que ſem ſabellas, ſey que ſam de preço.

      E aſsi tambem nos conta dos rodeios

      Longos, em que te traz o Mar yrado,

      Vendo os coſtumes barbaros alheios,

      Que a noſſa Affrica ruda tem criado

      Conta: que agora vem cos aureos freios,

      Os cauallos que o carro marchetado,

      Do nouo Sol, da fria Aurora trazem,

      O Vento dorme, o Mar & as ondas jazem.

      E não menos co tempo ſe pareçe,

      O deſejo de ouuirte o que contares,

      Que quem ha, que por fama não conheçe

      As obras Portugueſas ſingulares:

      Não tanto deſuiado reſplandeçe,

      De nos o claro Sol, pera julgares.

      Que os Melindanos tem tam rudo peito,

      Que não eſtimem muito hum grande feito.

      Cometerão ſoberbos os Gigantes,

      Com guerra vão, o olimpo claro, & puro,

      Tentou Peritho, & Theſeu, de ignorantes,

      O Reino de Plutão horrendo & eſcuro,

      Se ouue feitos no mundo tam poſſantes,

      Não menos he trabalho illuſtre, & duro,

      Quanto foi cometer Inferno, & Ceo,

      Que outrem cometa a furia de Nereo.

      Queimou o ſagrado templo de Diana,

      Do ſutil Teſifonio fabricado,

      Horoſtrato, por ſer da gente humana

      Conhecido no mundo, & nomeado:

      Se tambem com tais obras nos engana,

      O deſejo de hum nome auentajado.

      Mais razão ha que queira eterna gloria

      Quem faz obras tam dignas de memoria.

      Fim.

      Canto Terceiro

      Agora tu Caliope me enſina,

      O que contou ao Rei, o illustre Gama:

      Inſpira immortal canto, & voz diuina,

      Neſte peito mortal, que tanto te ama.

      Aſsi o claro inuentor da Medicina,

      De quem Orpheo pariſte, o linda Dama:

      Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothôe

      Te negue o Amor diuido, como ſoe.

      Poem tu Nimfa em effeito meu deſejo,

      Como mereçe a gente Luſitana,

      Que veja & ſaiba o mundo que do Tejo

      O licor de Aganipe corre & mana,

      Deixa as flores de Pindo, que ja vejo

      Banharme Apolo na agoa ſoberana.

      Senão direy, que tẽs algum receio,

      Que ſe eſcureça o teu querido Orpheio.

      Promptos eſtauão todos eſcuitando,

      O que o ſublime Gama contaria

      Quando, deſpois de hum pouco eſtar cuidãdo,

      Aleuantando o roſto, aſsi dizia:

      Mandas me, o Rei, que conte declarando,

      De minha gente a grão geanaloſia:

      Não me manda contar eſtranha hiſtoria:

      Mas mandas me louuar dos meus a gloria.

      Que outrem poſſa louuar esforço alheio,

      Couſa he que ſe coſtuma, & ſe deſeja:

      Mas louuar os meus proprios, arreceio,

      Que louuor tão ſospeito mal me esteja,

      E pera dizer tudo, temo & creio,

      Que qualquer longo tempo curto ſeja:

      Mas pois o mandas, tudo ſe te deue,

      Irey contra o que deuo, & ſerey breue.

      Alem diſſo, o que a tudo em fim me obriga,

      He não poder mentir no que diſſer,

      Porque de feitos tais, por mais que diga,

      Mais me ha de ficar inda por dizer:

      Mas perque nisto a ordem leue & ſiga,

      Segundo o que deſejas de ſaber.

      Primeiro tratarey da larga terra,

      Deſpois direy da ſanguinoſa guerra.

      Entre a Zona que o Cancro ſenhorea,

      Meta Septentrional do Sol luzente,

      E aquella, que por fria ſe arrecea

      Tanto, como a do meyo por ardente,

      Iaz a ſoberba Europa, a quem rodea,

      Pela parte do Arcturo, & do Occidente:

      Com ſuas ſalſas ondas o Occeano,

      E pela Auſtral, o Mar Mediterrano.

      Da

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