Cores. Patrizia Barrera

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Cores - Patrizia Barrera

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que este. O dia apagou-se e estava ainda curvado no quadro: a mulher retratada ria, eternamente feliz na sua eterna juventude. Perscrutando-a não era mais eu. Atrás dela uma porta entreaberta dava-me sinal para entrar, e eu questionei-me o que podia haver atrás dela como grande segredo que não podia vê-lo. De novo aquela miserável tristeza possuiu-me e eu não pude evitá-la; e a partir da tristeza tornou-se definhamento, e depois loucura. Eu próprio teria perdido ainda, sem mais poder encontrar-me? E quem me teria comprado desta vez? A minha alma estava no quadro e eu podia defendê-la dos olhares dos outros. Ele levantou-se e beijou-me demoradamente: sabia talvés que teria partido?

      Aquela noite não consegui dormir. Os meus sonhos eram estranhos chamamentos de mundos perdidos no tempo. Depois percebi que era a porta pintada a chamar-me. Corri para o jardim e o quadro tinha-se movimentado. A porta já aberta mostrava um preto abismo de sombras e, no fundo, as cores. Com um salto fui para dentro e não pude mais sair: como a natureza prisioneira permanecera escolpida na tela, e estava morta.

      A partir daquele dia ele não pintou e nem vendeu outros quadros, porque não sabe onde refugiou-se a minha alma: e desde então as árvores são cinzentas e os rostos dos anjos desaparecidos como fumo. Não sabe reconhecer a luz da noite, e não pode distinguir o fogo da água. E eu não posso mais dizer-lho, enfim, porque estou atrás da porta, onde ele não conseguirá por acaso ver-me. Agora choro eu, sentindo-me desgraçada na minha humana fraqueza.

      Tudo acabou. E não tenho mais voz para confessar-lhe que lhas roubei eu, as suas cores...

      A MUSICA DO DIABO

      Vermelho

immagine 1

       Dizia-se que aquela musica tivesse sido o diabo a compô-la.

      Boatos, palhaçadas, superstições? Mas ele a tinha tocada mais vezes, aquela música, e não viu por acaso o diabo.

      E certamente estava presente como se existisse, com aqueles chifres aguçados, o ar altivo e o chapeuzinho preto, como normalmente aparece, e então faz medo visto que sentes a sua ardente respiração nas costas. Mas uma vez que ele não tinha medo, ou melhor, aquela música parecia elevá-lo para cima onde o diabo, como se diz, não devia existir. E todas as vezes lhe chegava no coração uma paz profunda, que nenhuma coisa terrestre está em condições de dar.

      Era aquele amor para o universo que lhe palpitava no peito, quando tocava, a encorajá-lo para continuar a fazê-lo; aquela estranha satisfação dos sentimentos. E então sentia-se bem, ou melhor ansioso para fazer o bem, embora no fundo a bondade o enfadava como o mal, e todas as vezes acabava por dobrar-se sobre si e daqueles sentimentos nao fazia nada.

      Desta forma todos os dias: satisfeito de si mesmo e depois descontente, desejoso em concentrar-se sobre aquelas notas e cansado delas. E depois havia aquela estranha nausea para a gente e para si, depois de ter tocado, que não percebia mas que não podia prescindir de desejar. No fim habituou-se também a isto e não deu mais importância, considerando esta coisa como uma pequena consequência por sofrer para desfrutar uma dádiva preciosa.

      “O diabo? Não existe!” – dizia, invocando como prova a sua mesma felicidade.

      “Nunca roubei, nem feito mal a ninguém, e sou feliz. O diabo portanto não arrasta mais à perdição os mortais que gozam da sua companhia e das suas artes? Então, se é assim, bem-vindo demónio!”

      E acariciava o queixo da sua jovem mulher grávida e pesada, sinal de que a criança era sã e crescia bem, mas um sinal da bênção divina. Mas a mulher morreu na primavera dando luz tal filho. Contudo e não é tão-pouco certo, visto que a criança permaneceu fechada no ventre da mãe morta até que uma desconcertante lamentação não impôs a ninguém de trazê-la para fora com uma cesariana improvisada. Tinha os olhos abertos e estava viva. E então todos pensaram que havia algo de maléfico nesta coisa, e que os prognósticos eram negativos. E quando enfim se descobriu que aquela estranha criatura não falava, podendo muito embora, e que se limitava a reparar o mundo com os olhos destacados e furiosos, pois todos deixaram-nos sozinhos, e o pai e a filha viveram na solidão todos os anos da sua vida.

      No fim desapareceram, como se tivessem sido engolidos por nada, e todos disseram que tinha sido o demónio a pedir a compensação das suas almas. Mas eu sei como foi, visto que fui o único a decidir de misturar-me à sua desgraça, movido por um sentimento de piedade por aquela pobre criatura que crescia no nada, e a quem eu mesmo não podia que levar um pouco de comida. O que aconteceu assusta-me ainda, mas já sou velho e não me deu de temer nada se não a morte. Assim, meus amigos, oiçam as minhas pobres conversas e depois esqueçam-nas. De palavras já existe tantas.

      Ele, portanto, continuava a tocar aquela musica, e afundando dia após dia no esquecimento. Tocando-a encontrava paz, iludindo-se de não ser mais o mesmo e fugindo para longe daquela realidade sem esperança… nenhuma coisa o interessava, salvo aquela musica: e quando compreendeu que não podia mais prescindir, mesmo odiando-a, começou a odiar a si mesmo porque a odiava. Não conseguia mais fazer nada: muito menos reparar aquela filha que derretia como uma vela, mesmo sendo sã, e que não proferia nenhuma palavra.

      “Maldita musica!” – praguejava para si mesmo. E cada dia se prometia de novo de não tocá-la mais, sabendo bem que não teria hesitado um instante depois pegando de novo na mão os instrumentos para fazê-lo. E todas as vezes que aquelas notas subiam ao céu num mágico encanto no seu corpo desenhavam-se as sombras de esgotamento, aquela mancha escura que todos os dias ganhava mais forma e tornava-se pura, até quando explodiu com o seu medonho aspecto e ele não pôde mais não vê-la. Aquela pata pelosa que lhe tinha surgido no peito era o sinal do diabo, aquele demónio que não tinha por acaso temido e que não temia ainda mas cheio de horrores e de ilusões. Não havia fuga possível: aquela música era o acto de sangue que lhe tinha sugado enfim a alma e que o tinha concedido como uma dádiva ao obscuro senhor. Ele o tinha enfim tocado e o mantinha no punho, nutrindo-se da sua soberba e da falta de fé.

      E a contaminação passava de homem para homem através das notas daquela música que solicita os sentimentos para o pecado que não se pode cometer mas que, no íntimo, mesmo por isto já cometeste. Uma peste silenciosa que cada criatura leva para uma outra, repetindo-se o ciclo até ao infinito. Então ele questionou-se quantos massacres tinha cometido, trazendo ao mundo aquela música. Quantas outras manchas esperavam para explodir, quantos pecados circulavam pelo ar à espera de serem colhidos. Tinha sido cego mas agora via e compreendeu que aquela musica precisava destrui-la de imediato, visto que havia ainda uma possibilidade de salvação que impedisse aos homens de seguir o seu próprio caminho dependia apenas dele. Levantou os braços para pegar a partitura… mas não pôde.

      Aquela música ainda lhe dizia algo e o encantava, jogando uma fácil partida contra a vontade do homem vencido. Compreendeu num instante que não queria absolutamente destrui-la, mas pelo contrário tocá-la, uma vez que não há tentação mais forte para o ser humano do que aquele de arrastar à perdição o próprio irmão.

      “Deves queimá-la” – sussurrou naquele momento uma vez às suas costas.

      Era aquela filha muda que agora falava, e estava firme à frente dele, pálida e que sofre no rosto e toda a tremer.

      “Deves queimá-la” – repetiu, destapando um seio. Também ali a mancha tinha ganhado forma.

      Aquela pata que se tinha colocado no peito dela a tinha enfim tudo escavado e devorado, perfurando também o coração.

      “Veja como estou reduzida. Deves queimar aquela música, e deves queimar a mim também.”

      Então

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