Escada E Cristal. Alessandra Grosso
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Chegado ao último degrau saltei lá para a sala onde estava a chave. Ela era o símbolo de libertação, era o nosso Livramento das trevas… mas sabia que o monstro com as garras o teria defendido: não teria sido simples.
Enfrentar o monstro requeria força. Tinha sido um homem na vida precedente, um homem forte, pedófilo e de poder.
Podia apenas saltar para direita e atacar com a única cadeira de madeira que tinha encontrado, uma cadeira contra um monstro que tinha sido um mito em vida… uma vida feita de excessos, bebidas até a madrugada, cocaína, mulheres, milhões de mulheres, pedofilia, até que não foi tremendamente queimado vivo.
Tinha sido sempre sensível em vida e tinha percebido, notado às fraquezas do monstro, e de repente ataque: com uma finta de lado lhe despedacei a cadeira na cabeça. A cadeira partiu-se e na mão fiquei com dois cotos. Agitada, espetei-os com raiva no tórax e no pescoço do monstro.
Já a tremenda figura queimada estava no chão. Podia apenas tentar de lhe atear fogo. O teria afrouxado: tinha a fobia… o horrível monstro tinha a fobia do fogo que teria varrido a inveja que tinha nutrido durante a sua vida, uma inveja feroz no que diz respeito à beleza e à inocência – efectivamente tinha sido psicopático e manipulativo.
Eu estava quase certa desta sua fobia, mas devia mesmo defender-me e torná-lo inofensivo.
Durante a vida tinha percebido que a inveja e o ciúme eram mal vistas, desta forma as mascarava atrás duma carapaça feita de charme e intelectualismo, mas obscuros e áspero eram os seus pensamentos; diz-se de facto «o mal maior é a fome». Para mim a inveja é pior, e na história originou guerra, brigas, conflitos e infinitas lutas.
Achei o meu isqueiro dos bons tempos, o tinha dado o nome de «isqueiro dos meus dezasseis anos», quando fumarolava às escondidas. Movi-me rapidamente e lancei o isqueiro, depois vi a chave, peguei-a e corri em direcção às escadas.
Cinquenta e cinco degraus.
Era jovem, e os percorri voando.
Sentia dores no joelho mas persistia. Pensava que cada degrau fosse a vida, contava-os e os contava outra vez.
Chegado em cima, virei enfim atrás do corrimão que protegia as escadas e rapidamente entreguei a chave aos colegas encontrados ali que procuravam a luz, mas também a quem queria ir na direcção oposta e aventurar-se para os abismos.
A chave girou, mas pelo meio senti que o monstro estava a recompor-se e estava aproximando: queria percorrer outra vez as escadas.
Não queríamos sair dali e fugir em direcção à luz… luz que procurava desde sempre, mas no entanto tinha sempre em frente as emaranhadas grades do portão pintadas de branco que me lembravam a pureza e uma vez ainda a luz.
As grades eram robustas e cerradas e o monstro teria ficado longe delas porque a luz me protegia… mas o que podia ser por acaso este elemento protector? A luz? O que é por acaso a luz? Deus? Luz como Lúcifer? Eh, são perguntas, são perguntas… mas a resposta?
Continuava a procurá-la, e depois de ter escapado do monstro da cave aventurei-me para uma igreja obscura.
O monstro tinha rogado pragas, furioso, com a sua voz gutural e assustadora; tinha praguejado, mas as grades estavam fechadas, todos tinham fugido e a chave estava agora disponível para quem quisesse morrer ou ir matá-lo definitivamente.
Eu mais que isto não podia fazer.
Não percebia o que houvesse de estranho na velha igreja obscura, mas improvisamente encontrei-me sozinha e na escuridão, naquela igreja poerenta e com as paredes em mau estado e pobres.
Aventurei-me ao longo da cela que acredito que fosse a nave da direita e vi um estranho genuflexório com uma estátua.
Estranha estatua, pensei. O que terá por ventura…
Estava repleta de sangue.
Um arrepio e depois uma voz.
«Não existe uma única Morte!».
A morte será na verdade o fim de tudo ou iremos ao passado? Ou ao futuro? Ou esmoreceremos lentamente numa nuvem de fumo? Um passado recente ou longínquo ou uma dimensão paralela?
Questionava-me isso enquanto encontrava-me de novo fora da igreja misteriosa a deambular no meio dos fetos. Fetos gigantes, majestosos, com folhas lúcidas que tinham cheiro de selvagem e lembravam-me a minha infância perto do lago na velha casa do campo. Aquela casa do campo estava próxima, mas eu estava curiosa e queria ultrapassar a fileira dos fetos, numa atitude de pesquisa e exploração típica da primeira puberdade. A minha juventude efectivamente dizia: «explora», a minha consciência «pensa», o meu coração «tenta». Prosseguia seguindo a minha natureza aventurosa… e mesmo naquele momento estava a fazê-lo, como típico do meu carácter.
Detectei uma cena do passado, uma luta cruel entre tiranossauros (repteis), e fugi. Antes da fuga, posso testemunhar de ter visto os dentes aguçados dos dois animais e a atitude deles que de desafio transformava-se num ataque verdadeiro. Com os seus corpos mastodônticos e musculosos lutavam. Destruindo tudo o que atropelavam. Tinham derrubado árvores e destruídos os meus amados fetos, numa luta típica do período reprodutivo.
Correndo, caí sobre as pedras que caiam aos trambolhões umas sobre as outras.
O ruído atraiu o sensibilíssimo brutamontes, que voltaram e começaram a caça.
Sentiam todo cheiro e percebiam o medo, como muitas feras selvagens.
Fugi desesperada, a respiração que se tornava pesada. O baço activo, cansado, mas não podia ceder e parar: devia haver uma saída. E algumas vezes ela é mais assustadora que se prolongava num cubículo rachado e escuro inserido numa cavidade.
Tenho que enfrentar a claustrofobia.
Com o ultimo golpe dos rins enfiei-me ali. Fora, as gigantescas feras rugiam rancorosas de raiva, pois que não viam mais a sua presa.
Rastejei por um instante, o ar mofento, fedorento e detestável para respirar. Temia arranhas e ratos… tinha sempre odiado as arranhas e os ratos. Especialmente estes últimos me amedrontavam: desde criança tinha ido na capoeira e tinha visto um enorme rato atento para roubar os ovos a uma galinha.
Mas era criança, agora pelo contrário era uma mulher e era tempo de lutar pela vida.
Lutar para sobreviver ou fugir se o demónio era mais enorme: este era o mecanismo como base de sobrevivência humana. Sempre tinha sido, e eu continuava a usá-lo, para mim, para a sobrevivência da espécie humana, para toda a humanidade.
A humanidade não tinha sido assim no centro dos meus pensamentos.
Antes de todas estas aventuras tinha sido uma desajeitada; um individuo difícil, fechado, sempre vestido de preto e frequentemente deprimida, precisamente com pensamentos suicidas. Todavia agora era tempo de lutar e sair do túnel.
Rastejava, arranhava-me e tentava de avançar.
Quando saí para fora era noite, uma noite assustadora quase sem lua, com um céu negro e espaçadamente tornou-se dominante e agressivo a partir das nuvens. As nuvens tinham a força