Yellow Peril: Aquela Horrível Cara Amarela. Patrizia Barrera
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destinadas à prostituição, proibia as esposas de juntarem-se aos maridos, esses pobres coitados não tinham vida própria e estavam à mercê de três inimigos: a pátria, os Estados Unidos e a máfia, que trabalharam em uníssono para melhor explorá-los. A prosperidade das lojas em Chinatown era frequentemente fictícia e pouquíssimos realmente beneficiaram-se delas. Os rendimentos dos jogos de azar, das casas de ópio e das bebidas iam diretamente para as mãos da máfia, que por sua vez pagava uma boa parte às autoridades locais. Os próprios Estados Unidos engordavam os bolsos com o comércio de produtos chineses, que em 1870 passou também a incluir frutas, verduras, peixes e gêneros de primeira necessidade que eram "adquiridos" no exterior a custo baixíssimo. Diversas empresas locais fecharam as portas, porque não podiam competir com esses preços. Por volta de 1880, toda a economia nacional passou a depender das importações e exportações com a China. O país asiático, com base em uma filosofia oriental, segundo a qual “se não se pode derrotar o inimigo por fora, derrote-o por dentro," impôs um comissário para verificar "as condições de seus súditos em uma pátria estrangeira". Na prática, graças a sua máfia, a China garantiu o controle total da imigração chinesa nos Estados Unidos, a fim de superlotá-los com seus cidadãos e manter o país americano em uma espécie de sujeição velada. Para dar fim ao golpe e retomar o controle sem perder os benefícios do tráfico com a China, foram promulgadas as famosas Leis Raciais, às quais seguiu-se toda uma onda de livros, pôsteres e seminários sobre a “ameaça chinesa".
Didascalia...Afiado e incisivo, Thomas Nast criticou abertamente o sistema político norte-americano e suas leis raciais em um dos jornais de maior audiência da época, o Harper's Weekly. Aqui está um de seus desenhos, intitulado Go West Go East, no qual ele expõe as nocivas leis de Jim Crow.
Confiando no desejo inerente de manipulação do povo e e em seu racismo arraigado, o governo norte-americano definiu categoricamente os chineses como "indesejáveis". Privando-os assim de qualquer personalidade jurídica e concedendo total imunidade ao indivíduo, que, portanto, sentia-se autorizado a "fazer justiça por si mesmo".
O massacre de Los Angeles foi uma consequência direta desse mecanismo perverso. Como sempre acontece em tempos de crise, os mesmos governos que apontam um bode expiatório para encobrir seus erros são os únicos que acabam se beneficiando das guerras entre os pobres.
O incêndio de Chicago de 8 de outubro de 1871 completou o quadro. Foi um dos desastres mais trágicos dos Estados Unidos, em que toda a cidade de madeira foi arrasada, deixando os corpos carbonizados de 300 pessoas, 110 mil desabrigados e 18 mil edifícios, em memória dos quais restou apenas uma parede. A investigação que se seguiu determinou que tratava-se de um daqueles eventos nefastos desencadeados unicamente pela ira de Deus. Após terem abafado o suposto descuido de uma vaca (irlandesa), que dizem ter causado o incêndio ao derrubar uma lâmpada, o caso foi encerrado. Na verdade, boatos afirmavam que NÃO FOI a mão do destino, mas sim a mão humana que causou o incêndio, motivada por dinheiro e poder.
Muitas coisas não batem sobre esse incêndio, como a intervenção do corpo de bombeiros, que era considerado um exemplo de organização e vigilância para os Estados Unidos. Como eram empenhados em defender do fogo uma cidade de madeira em pleno desenvolvimento onde a média de incêndios era de dois por dia! O departamento estava muito bem equipado: em 1866 contava com onze caminhões completos, dois extintores manuais, treze
carrinhos flexíveis, empilhadeira com escada, 120 brigadas em tempo integral, 125 voluntários e 53 cavalos. Em 1871, também foi equipado com o modelo único do elevador de mangueiras Knocke-Pattent, uma torre d'água capaz de disparar e direcionar um jato de alta potência.
Isso mostra o quão experiente e equipado era o corpo de bombeiros, que combateu as chamas do famoso incêndio na noite de 8 de outubro de 1871. No entanto, existem pelo menos dois erros grosseiros e imperdoáveis do departamento, como perder completamente o controle sobre as chamas.
DidascaliaO grande incêndio de Chicago custou aos Estados Unidos cerca de 200 milhões de dólares na época. Aqui está uma imagem do Harper's Weekly de autoria de John Chapin, mostrando a ponte na Randolph Street completamente destruída pelas chamas....
O primeiro diz respeito ao atendimento emergencial: sabe-se que a brigada foi acionada SOMENTE duas horas após a primeira chamada e apenas porque muitas outras vieram em seguida.
O departamento justificou-se dizendo que “pensaram que a nuvem de fumaça relatada pertencia a outro incêndio, que havia sido apagado na mesma área no dia anterior”.
Muito estranho e quase grotesco, para bombeiros experientes. Além disso, nos anuários do departamento não há menção a um incêndio semelhante que, mais estranho ainda, tivesse sido originado em um depósito de madeira.
O erro seguinte foi absurdo: ao perceber que se tratava de um novo incêndio, o departamento enviou o socorro, mas em uma direção completamente diferente! Falou-se de "erro de comunicação" entre os funcionários, o que é incompreensível para pessoas acostumadas a trocar esse tipo de informação com rapidez e precisão! Outro detalhe, e um que não me cheira nada bem, é que o departamento interveio durante toda a manhã para resolver quatro pequenos incêndios criminosos na mesma área. Logo, eles a conheciam muito bem. COMO poderiam não ter pensado que o quinto incêndio do dia também pudesse ter sido originado ALI?
Seja como for, os erros foram fatais e, apesar dos esforços subsequentes e da colaboração das cidades vizinhas, a fúria do incêndio destruiu tudo. Quando inclusive o aqueduto foi queimado, a população percebeu que havia perdido a batalha contra o fogo. Nesse ponto, fica a dúvida: se o incêndio foi realmente criminoso, QUEM e POR QUÊ teria feito isso?
Didascalia..Uma foto rara do corpo de bombeiros de Chicago com uma das várias estações equipadas, em 1871, poucos meses antes do grande incêndio. O equipamento era muito moderno e de última geração para a época. É de se perguntar O QUE poderia ter originado esses erros grosseiros e fatais para a cidade..
Você deve saber que a grande maioria dos prédios no coração da velha Chicago eram decrépitos, formavam guetos e eram ocupados pela chamada escória, ou seja, todas as pessoas pobres de diferentes etnias que haviam encontrado refúgio ali. O vício, a máfia e a prostituição estavam presentes nesses edifícios e muitas vezes por meio dos clãs irlandeses, que eram bastante odiados e temidos.
Frederick Law Olmsted, o pai da arquitetura de Nova York, torcia o nariz para os prédios de Chicago, chamando-a de uma "cidade retrógrada feita de imigrantes, bares e casas de madeira, afogada em seus delírios de grandeza que a levaram a construir gigantescos blocos de apartamentos de estilo grosseiro e questionável“ (the Nation, 1870). Além disso, Chicago estava muito atrasada em seu processo de industrialização, o que prejudicava os Estados Unidos.
Como na era de Nero, o incêndio permitiu varrer tudo de feio, indesejável e promíscuo que atrapalhava Chicago em sua corrida rumo à modernidade e de que ela jamais poderia se ver livre sem aquele acontecimento fortuito. No final, o incêndio representou uma pechincha para a cidade, que se beneficiou da ajuda financeira do Estado e da iniciativa privada, que a reconstruíram da cabeça aos pés e que no mesmo ano sediou a primeira escola de arquitetura dos Estados Unidos — cujas figuras proeminentes haviam atuado como engenheiros