Todas As Cartas De Amor São Ridículas. Diego Maenza
Чтение книги онлайн.
Читать онлайн книгу Todas As Cartas De Amor São Ridículas - Diego Maenza страница 4
Mas afastei-me do assunto, minha cara amiga, e uma vez que insistes em conhecer a minha história, vou continuar a tentar concluir o meu relato.
Se há uma coisa que não foi apagada da minha memória, mais do que o registo visual, é o cheiro dos seus corpos. Se alguma vez me pedissem para identificar algum deles pela natureza da sua construção, tenho a certeza de que erraria mais na minha exploração do que se o fizesse pelos seus cheiros.
O homem silencioso, a quem preferi chamar mudo ao longo dos anos, tinha um cheiro particular a óleo de máquina, como se o seu trabalho fosse lubrificar as engrenagens de mecanismos complicados durante todo o dia. O bojudo cheirava a cebola rança, um fedor que emanava das suas axilas que se intensificava à medida que as gotas de suor da sua testa caíam sobre o meu rosto. O jovem cheirava a canela, mas por vezes deixava na atmosfera uma fragrância nauseante de frutos do mar macerados.
As investidas do verme gordo eram as mais atrozes. Ter o peso da sua corpulência áspera e repulsiva foi o menor de todos em comparação com senti-lo dentro de mim.
CARTA TRÊS
Sofre mais quem espera pela carícia do seu amor, ou a tristeza de não ter ninguém por quem esperar?
A Poetisa
Um francês afirmou que as cartas de amor são escritas começando sem saber o que vai ser dito e terminam sem saber o que foi dito.
Sempre que te escrevo, tento fazê-lo com uma ideia fixa que desenvolvo gradualmente. Isto não é algo que eu tenha inventado, mas extrapolei-o a partir de uma teoria do conto, segundo a qual as três primeiras linhas são quase tão importantes como as três últimas. Entendi esta fórmula como a definição de escrita, em qualquer área.
Mas vamos ao que interessa. Uma filósofa africana mergulhou no tema do amor, e na sua obra intitulada "Profundidade das Artes Amorosas" ilustra-nos mostrando o lado passivo do desejo que atinge o seu clímax quando satisfeito e a sua natureza diligente como fonte de atividade. Condensou-a numa frase poderosa: O amor é a insatisfação infinita. Não há verdade mais incontestável.
Esta é a tese que desenvolve ao longo do seu trabalho, às vezes um pouco hiperbólica, é verdade, mas nunca sem encanto. A parte interessante é aquela frase. O desejo, de acordo com a pensadora, culmina quando é satisfeito. Queremos algo e quando o conseguimos, é o fim da história.
Mas quando o desejo está ligado ao amor, é diferente: Há a possibilidade de que o desejo possa levar ao amor; o amado, desejamos irrefutavelmente, acrescenta a filósofa.
Hoje quero que sintas que através das minhas palavras posso acariciar-te, e não com os toques prosaicos que as delícias do pudor nos oferecem, mas sim com estas carícias indeléveis.
Assim como os bardos imortalizam as suas amadas, este humilde praticante desejaria poder glorificar o teu ser com canções que saciem a tua sede de juventude e com poemas que te embalem às tardes. Declarar-te o quanto estou apaixonado por ti, deusa virginal, onipotente, dona do meu amor, do meu amor a escrava, como as escravas bem-aventuradas do Antigo Testamento, com uma candura de cosmos como Prosérpina, rainha infernal, ou alguma deusa pagã. És musa da poesia. Tu: mil mulheres em uma. Mil deusas em uma. A Minha Pandora, minha Eva, m Maria Madalena tão purificada entre os beijos de Jesus.
Tu, que tão bem sabes como dominar o meu espírito, és, a minha dona. E estás presente em cada momento. Porque a tua lembrança afável cura-me da melancolia: das tuas palavras sussurradas ao vento e do teu rosto iluminando o espaço que poderia estar vazio, a não ser porque adoras este louco que vive apenas para ti.
O teu ser é para mim mais hipnótico do que um conto fantástico, tão envolto em mistérios como uma história de suspense, mas ao mesmo tempo tão real e profundo como um romance de realismo puro. E não se trata de uma contradição, porque às vezes és tão precisa e contraditória para mim.
Com uma visão que vai para além do quotidiano, tento chegar a ti e entrar nas profundezas do teu amor. E posso ver através dos teus olhos (que são recetáculos infinitos de clarividência, como seria uma bola de cristal para uma velha mulher versada em cristalomancia, mas tão delicados e puros como o oráculo de Delfos), posso ver, dizia, através dos teus olhos, essa profundidade de mulher madura, essa força indomável que carregas nas profundezas e faz-me pensar na força de um deus. Às vezes, pareces-me muito divina para ser de descendência terrena. As tuas predecessoras só podem ser as mesmas que as de Ariadne, casta divina de deusas.
E, entretanto, tenho apenas um minotauro escuro que gira e gira no labirinto circular do meu cérebro, à espera de que um Teseu (amor divino que me professas) rompa com o seu fio esta brutal solidão.
É por isso que me pergunto, juntamente com a poetisa: sofre mais quem espera pela carícia do seu amor, ou a tristeza de não ter ninguém por quem esperar? Embora a resposta seja óbvia, a dor, quando é produto da espera pelo amor, não é amarga, e aparece a minha promessa de que mesmo que te tenha por perto, nunca deixarei de te escrever cartas de amor. Porque me amas e porque eu te amo, porque te espero, e porque tu também me esperas, mas sobretudo porque o nosso amor será sempre uma insatisfação infinita.
Teu, onde for.
GRATIDÃO
A gratidão deriva das mãos, e parte dela dos nossos braços para o nervo espinhal. É de cor violeta, o que personifica a moderação e o pensamento. É oferecido com um sabor doce e com um perfume amadeirado. A sua figura simbólica é a Madeira e será sempre esculpida neste material. Nas cartas de Tarô moldo-a com O Enforcado, que pende de um ramo de uma árvore e exemplifica a entrega e o sacrifício. No zodíaco ocidental, personifico-a com o signo Capricórnio, matriz de toda a generosidade. No zodíaco chinês revelo-a em O Javali, que nunca guarda ressentimento e tem espírito altruísta. A gratidão é Condensada e vai para o oeste atrás de um Lobo que se alimenta do velho e elogia o novo.
CAPÍTULO QUATRO
Passaram nove dias para que a minha humanidade entrasse pelo límpido portão da sua casa na sua festa de 15 anos. Cheguei cedo, com o meu presente cheio de inocência (na altura a minha mãe trabalhava como costureira e o presente que lhe trouxe era um corte de um tecido barato) e com um sorriso que camuflava o nervosismo. Meia hora depois me encontrava sentado na sala principal a planear uma maneira de não sair para dançar. No fundo, na antessala, as vozes inflamadas de oradores especializados intensificavam-se na mesma proporção em que o vigor da música fazia o mesmo. Certamente estavam os seus pais, familiares e pessoas próximas, pessoas dos cenáculos sabatinos, todos a desfrutar dos prazeres da convivência do momento (ou pelo menos era assim que eu imaginava, uma vez que não estava suficientemente curioso para observar quem eram e aventuro-me a dizer que mesmo que o tivesse feito, provavelmente não teria reconhecido nenhum deles). Rodeavam-me, na sua maioria, os seus colegas do liceu. A minha incapacidade de interagir surgia a cada momento e eu não sabia como responder ao momento: o animal de caverna enfrentava pela primeira vez o mundo selvagem das feras sociais.
Chegou o momento da dança. As minhas pernas cambaleavam e imploravam pelo alívio do descanso e não porque estavam cansadas, mas porque se envergonhavam da sua rudeza. Ela era a profissional e segurava as minhas mãos como se me quisesse ensinar, num instante, as danças que talvez eu não aprenda numa vida inteira. Não me lembro se dancei com mais ninguém. É muito provável que não. Retirei-me com a antecipação imposta pelo relógio e quando saí da festa deu-me um beijo de despedida na bochecha. A sobremesa, não alcançada pela minha pressa, apareceu umas horas mais tarde