Todas As Cartas De Amor São Ridículas. Diego Maenza

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Todas As Cartas De Amor São Ridículas - Diego Maenza

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o gordo fosse o mais robusto, o mudo era o mais forte. Apertaram-me por dentro e por fora enquanto silenciavam o meu desespero, cobrindo a minha boca que gemia de desconsolo e desamparo, e as minhas lágrimas caíam no chão.

      O jovem era o mais impetuoso e ao contrário do que se poderia pensar, não mostrou qualquer hesitação e atacou-me com a mesma predisposição que os mais velhos.

      Certamente que alguma alma assustada viu a atrocidade. Tenho a certeza disso, porque à distância notei uma luz, algum veículo que focou o ataque e depois fugiu. Pode pensar, cara amiga, que foi uma alucinação própria do meu desespero, como aqueles refúgios de água imaginados pelos peregrinos do deserto na aridez do seu exílio. Poderia ter sido uma visão ou uma memória inventada pela minha memória envelhecida, mas tenho a certeza que não foi. Foi real, tão real com a besta de três cabeças que possuía o meu corpo naquela noite.

      CARTA QUATRO

      Os meios de comunicação social de hoje aproximam cada vez mais as pessoas. As telecomunicações de imagem e áudio podem ser obtidas somente tocando um botão. A Rede é um meio que cortou as distâncias. Se um pintor antigo tivesse observado tal prodígio, certamente teria pensado que se tratava de alguma alquimia poderosa. Se tivesse sido alguma santa da Idade Média que o tivesse contemplado, teria, sem dúvida, acreditado que se tratava de um artifício do maligno.

      A tecnologia depende do tempo, e avança com ele. Desde que o primeiro hominídeo gravou a primeira pintura rupestre nalguma caverna esquecida, até este preciso momento, nalgum lugar do mundo, a menos experiente das impúberes tecla alguma mensagem de texto no seu telefone, a intenção de nos comunicar não mudou. Somente os meios mudaram.

      Quando o humano foi capaz de formar uma linguagem articulada (tanto oral como escrita), o seu desejo de expressão foi reforçado. Um dos meios mais utilizados de todos os tempos foi a carta.

      As cartas de escritoras, políticos e oradores romanos ainda são estudadas pelo seu valor literário, e as das antigas gregas pelo seu valor filosófico.

      As Sagradas Escrituras estão cheias destas manifestações. Os Santos basearam a sua teologia atual em epístolas. E o grande livro contém as epístolas aos Colossenses, aos Filipenses, aos Gálatas, aos Hebreus, aos Romanos, assim como as dirigidas aos Coríntios e aos Tessalonicenses, onde os apóstolos continuaram a propagar as suas ideias.

      Sabe-se que Anastasia Dross, uma filósofa latino-americana de renome, escreveu, para além de romances, ensaios, poemas e peças de teatro, mais de vinte mil cartas. Em média, Dross deve ter escrito uma carta por dia.

      Noutro extremo está Alessandra Zimbardo, uma filósofa italiana que morreu no mesmo ano que Dross, para quem escrever uma carta era um processo penoso e um verdadeiro tormento. Zimbardo confessou nas suas memórias: não posso redigir nenhuma carta, de importância variável, que não me exija horas de frustração.

      As cartas foram tomadas como um poderoso recurso literário.

      Um escritor francês, autor do seu famoso romance Cartas Persas, consegue, através de epístolas emitidas por duas personagens, fazer uma forte crítica à sociedade do seu tempo. Neste trabalho, não foram salvas nem a respeitada sociedade burguesa, nem as instituições políticas e religiosas e nem mesmo a literatura do seu tempo.

      Um dos casos que mais me impressionou há alguns anos foi a obra de uma autora islandesa intitulada As tribulações da jovem estudante Dögg, que trata sobre uma jovem apaixonada que dirige os escritos dos seus infortúnios a uma amiga quando não pode declarar-se a um rapaz, desespero que acaba em suicídio. Este romance parece ter tido uma grande influência sobre a juventude, raparigas exaltadas que quando terminaram de ler a obra desataram uma vaga de suicídios. Isto levou-me a lê-la. Uma enciclopédia narra-nos: As tribulações da jovem estudante Dögg foi imitada pelas jovens mulheres não só no vestiário, mas também no seu trágico fim: diz-se que causou mais suicídios do que as palavras contidas nas suas páginas.

      Quando a li, acabou a magia. Compreendi que era um romance do seu tempo e que em circunstância alguma poderia influenciar os dias de hoje.

      As cartas cumpriram um propósito: o de expressar as situações, ideias, sentimentos, pensamentos, de quem as escreve. A tecnologia dá-nos agora cartas eletrónicas, que vêm fazer esse trabalho de uma forma muito mais acelerada. As mensagens de texto foram outro meio de encurtar a distância. O predecessor inquestionável da mensagem de texto do telemóvel é o telégrafo.

      Apesar do lado positivo, também gostaria de levantar alguma objeção. Embora estas tecnologias polidas encurtem espaço e tempo, sofrem do defeito do efémero, enquanto uma verdadeira carta imortaliza o instante.

      Esta é uma boa razão para considerar o valor de uma carta (no sentido tradicional) como insubstituível numa manifestação e exaltação do vínculo que formamos em torno do nosso amor. É por isso que eu gosto nos escrevamos. Porque acredito que as cartas (aquelas que têm sido escritas desde o tempo das antigas filósofas gregas) contêm um grau de permanência e significado muito maior do que qualquer outro meio.

      Talvez ainda haja pessoas que sentem falta, em imaginações românticas, daquelas esperas de respostas que demoravam dias ou semanas a chegar. Que imaginem como seria escrever uma carta expressando tudo o que sente ou se conhece, como fizeram as nossas boas filósofas. Embora seja provável que nos tempos atuais haja pessoas totalmente excecionais que pensam que o uso exclusivo das cartas tradicionais é a melhor forma de comunicação. Por outro lado, cada época tem as suas opções e as pessoas adaptam-se aos seus recursos.

      Há alguns séculos começaram a ser publicadas as primeiras crónicas, que um século mais tarde foram chamadas notícias (e que hoje podem ser lidas todos os dias, precisamente nos jornais), e as pessoas tinham outro meio de as comunicar. O século XIX teve o telégrafo para unir os povos e os continentes. O século XX tem o rádio, o telefone, a televisão. Agora o século XXI tem recursos poderosos como a Web e meios de comunicação "wireless", como a tecnologia celular móvel. Os recursos que teriam sido improváveis para os nossos antepassados são, no entanto, muito possíveis e quotidianos para nós. E aqui surge o mais surpreendente e interessante. Recursos que para as nossas gerações futuras serão viáveis e comuns, para nós hoje não são mais do que ficção científica. O mais provável é que os nossos filhos e netos desfrutem da ilusão próxima de um ente querido através de hologramas. Mas estou convencida de que a ciência não vai ficar por aí, vai conceber meios que atualmente para a nossa pouca capacidade imaginativa são inconcebíveis. Meios tão impressionante que hoje os classificaríamos como belas imaginações, ou em casos mais supersticiosos os rotularíamos como maldições ou milagres. Tal como alguma santa da Idade Média achasse uma maravilha celestial ser capaz de escrever uma mensagem onde ela estivesse, e que em poucos segundos esta aparecesse escrita noutro lugar muito distante. Ou tal como um pintor antigo considerasse um prodígio poder observar uma imagem em tempo real num simples ecrã.

      Em qualquer caso, és tu, quem finalmente decidirá o valor que deve ter cada carta que escrevo, porque para ti são destinadas, e para ti serão enquanto eu puder continuar a escrever.

      Tua, com cartas ou sem cartas (embora eu prefira com elas).

      CAPÍTULO CINCO

      Os dias começaram a passar com um desejo crescente de nos sentirmos juntos. O hábito de estarmos perto tornou-se tão essencial como a necessidade de ir à casa de banho nos intervalos. E lá nos encontrávamos, falando trivialidades, sentados nos bancos mais afastados. Eram momentos sublimes, dosados por uma sensação que brincava nos nossos estômagos.

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