O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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noite, não teriam visitas.

      Mesmo assim, parou para espreitar pela janela do pequeno quarto da casa de Rolf. Estava demasiado escuro para saber se havia alguém lá dentro. A rua também estava sinistramente tranquila e a sua própria sombra era projetada pelo brilho dourado dos candeeiros de ferro fundido. Era inquietante enquanto corria pelo quarteirão.

      A TEORIA DO CAOS

      Stephan observou, nervoso, enquanto Žofie-Helene abria a porta lateral do Burgtheater com a chave que tirara do bolso do casaco do avô.

      — Não devíamos estar aqui — disse Dieter.

      — O Stephan poderá ver as cenas da sua própria peça representadas num palco a sério — insistiu Žofie-Helene, enquanto os guiava pelo corredor para o teatro. — Tal como o seu herói, o Stefan Zweig.

      — Vamos meter-nos numa confusão se nos apanharem — insistiu Dieter.

      — Pensei que gostavas de confusões, Dieter — replicou Žofie-Helene.

      Deixou o casaco e o cachecol num dos bancos da última fila do teatro e, depois, desapareceu para o vestíbulo sem dar explicações.

      — Pensei que gostavas de confusões, Dieter — sussurrou Stephan ao amigo.

      — Só das confusões com as raparigas.

      — Não te meteste em nenhuma confusão com raparigas, Dieterrotzni.

      — Ah, não? Se queres beijar uma rapariga, fá-lo de uma vez, Stephan. E tu é que és um pirralho.

      Acendeu-se uma luz no palco e Stephan assustou-se. Baixou ainda mais o tom de voz e disse:

      — Não podes beijar uma rapariga sem mais nem menos.

      — Elas querem que seja assim. Querem um homem que tenha o controlo. Querem que as lisonjeies e as beijes.

      Žofie-Helene apareceu no palco. Como chegara até lá?

      — «A questão agora baseia-se na hemoglobina» — replicou, recitando uma frase da sua nova peça. — «Sem dúvida, entenderão a importância desta minha descoberta.»

      Quando Stephan e Dieter ficaram no corredor, a olhar para ela, acrescentou:

      — Vá lá, Deet. Não memorizaste as tuas frases?

      Dieter hesitou, mas tirou o casaco, percorreu o corredor e subiu para o palco. Recitou:

      — «É interessante, sem dúvida, mas…»

      — «É interessante, quimicamente, sem dúvida», Deet — corrigiu Stephan. — Não consegues recordar uma simples frase? — O seu nervosismo estava a transmitir-se para Dieter, embora bem pudesse ter estado zangado com Žofie. Mas como poderia estar zangado com uma rapariga que desejava dar-lhe o presente de ver a sua peça representada no palco do Burgtheater?

      — Significa o mesmo — respondeu Dieter.

      — É uma homenagem ao Sherlock Holmes, Deet — indicou Žofie-Helene. — Não funciona como homenagem se não disseres as palavras com exatidão.

      Stephan percorreu o corredor, no caso de dever ocupar um banco perto do palco. Não era isso que os encenadores faziam?

      — O Sherlock Holmes é um homem — disse Dieter. — Continuo sem entender como uma rapariga detetive pode honrá-lo.

      — É mais interessante com uma rapariga detetive porque é inesperado — explicou Žofie-Helene. — Além disso, li todas as histórias do Sherlock Holmes e tu não leste nenhuma.

      Dieter esticou a mão e tocou-lhe na face.

      — Isso é porque és muito mais inteligente do que o Stephan e do que eu e mais bonita, minha pequena mausebär — redarguiu, usando a alcunha do primeiro ato de Stephan.

      Stephan supôs que Žofie-Helene se riria de Dieter, mas só corou e olhou para ele, antes de pousar o olhar nas tábuas do palco. Não deveria ter dado a Dieter o papel de Selig para que o interpretasse junto da Zelda de Žofie-Helene, mas Dieter era o único com a arrogância suficiente para o fazer bem. Stephan tentara misturar uma detetive do tipo de Sherlock Holmes, a Zelda mulher, com uma personagem um pouco como o médico de Amok, de Zweig, um rapaz obcecado com uma rapariga que não estava interessada nele. No entanto, ele não entendia exatamente Amok e, quando perguntara ao pai porque a mulher pensava que o médico poderia ajudá-la com o bebé que não desejava, o pai respondera, com brusquidão: «És um homem de caráter, Stephan. Nunca te verás na situação de ter um bebé que não devias ter.»

      Dieter levantou o queixo a Žofie e beijou-a nos lábios. Ela recebeu o beijo com um certo torpor, mas, depois, foi como se se fundisse com ele.

      Stephan virou-lhes as costas, fingindo que estava distraído a escolher um lugar onde pudesse sentar-se, enquanto murmurava:

      — É uma peça de mistério, não uma história de amor, palerma.

      Sentou-se e olhou para eles. Por sorte, já não estavam a beijar-se, embora Žofie tivesse as faces coradas.

      — Žofe — disse —, começa com a frase sobre como o Dieter é tolo.

      — Sobre como o Selig é parvo? — perguntou Žofie.

      — Não foi o que disse? Se todos vão repetir o que digo, nunca conseguiremos chegar ao fim.

      Estavam a ensaiar há duas cenas e os relógios de Viena tinham acabado de dar as sete quando Žofie ouviu alguma coisa. A buzina de um carro? Aplausos à frente do teatro? Era o que parecia: O barulho amortecido da multidão a aplaudir e os carros a buzinar. Olhou para Stephan do palco. Sim, ele também ouvira.

      Os três agarraram nos seus casacos e correram para as portas da entrada do teatro, à medida que o alvoroço aumentava. Quando empurraram as portas para as abrir, o barulho tornou-se ensurdecedor. Viena estava cheia de soldados das SA com as suas armas, homens com braceletes de suásticas, jovens agarrados a camiões com suásticas pintadas que percorriam a Ringstrasse e que atravessavam a universidade e a câmara municipal e passavam junto deles, à frente do teatro. No entanto, não havia motins. Estavam todos alegres. Todos gritavam: «Ein Volk, ein Reich, ein Führer!» e «Heil Hitler, Sieg Heil!» e «Juden verrecken!» Morte aos judeus.

      Žofie estudou a multidão em busca da mãe enquanto os três se retiravam novamente para as sombras da entrada do teatro. Essa devia ser a razão por que o avô tivera de ficar com Jojo e com ela naquela noite enquanto a mãe saía, mas de que se tratava? De onde saíra tudo aquilo? Os camiões pintados. As suásticas coladas aos candeeiros. Os braceletes. A multidão. Não podiam ter-se materializado do nada. Zero mais zero mais zero repetido até ao infinito continuava a ser zero.

      Uns rapazes ao fundo da rua começaram a pintar na montra de uma loja: Suásticas, caveiras e ossos cruzados. E a palavra «Juden».

      — Olha, Stephan — observou Dieter. — São o Helmut e o Frank, da escola! Vamos!

      — Devíamos levar a Žofie-Helene a casa, Deet — indicou Stephan.

      Dieter

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