O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton
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MOTORSTURMFÜHRER
O Judentagung de Berlim organizado pelo Departamento de Segurança foi um triunfo para Eichmann. Dennecker e Hagen falaram primeiro. Dennecker falou sobre a necessidade de vigiar constantemente os judeus e Hagen, sobre as complicações de uma Palestina independente que conseguiria defender os direitos de ditos judeus. Quando Eichmann ocupou o pódio, sentiu-se tão livre como quando, ainda jovem, percorria a Áustria na sua mota, quando, acompanhado pelos seus amigos, defendia os oradores nazis visitantes à frente das multidões enfurecidas que lhes atiravam garrafas de cerveja e comida podre. A viagem à Palestina, embora tivesse sido um fracasso, servira para afiançar os seus conhecimentos sobre o problema judeu. Agora, era um dos oradores e a multidão reunida no Judentagung gritava o seu apoio.
— O verdadeiro espírito da Alemanha reside no povo, nos seus camponeses e na paisagem, no sangue e na terra da nossa pátria imaculada — declarou. — Agora, enfrentamos a ameaça de uma conspiração judia que só eu sei como revogar.
A multidão aplaudiu quando lhes falou das armas e da força aérea que a Haganá da Palestina juntara, dos judeus estrangeiros que se faziam passar por empregados de organizações internacionais para juntar informação de contrabando que pudessem usar contra o Reich, sobre a conspiração antialemã ampla liderada pela Alliance Israélite Universelle, para a qual uma fábrica de margarina Unilever agia como cobertura.
— A forma de resolver o problema judeu não é através de leis que restrinjam a atividade dos judeus na Alemanha, nem sequer da brutalidade na rua! — gritou para multidão febril. — O que precisamos é de identificar os judeus do Reich. Pôr os seus nomes numa lista. Identificar as oportunidades que lhes permitam emigrar da Alemanha para países inferiores. E, o mais importante, despojá-los das suas riquezas para que, confrontados com o dilema de ficar na pobreza ou ir-se embora, os judeus escolham ir-se embora.
DECISÕES
Aquela manhã invernal ainda não amanhecera por trás da janela quando Truus se sentou a tomar o pequeno-almoço com Joop. Agarrou na secção da frente do jornal enquanto dava a primeira trinca ao uitsmijter, com o ovo, o presunto e o queijo ainda quentes.
— Meu Deus, fizeram-no, Joop! — exclamou.
Joop sorriu com atrevimento do outro lado da mesa.
— Cortaram mais as bainhas? — perguntou. — Sei que preferes as saias mais compridas, mas tens os joelhos mais bonitos de Amesterdão.
Atirou-lhe um pedaço de pão. Joop apanhou-o no ar e pô-lo na boca antes de devolver a atenção ao seu prato e saborear o pequeno-almoço de um modo que Truus admirava, mas que nunca conseguiria imitar, nem sequer quando as notícias eram boas.
— O nosso governo aprovou a nova lei para proibir a imigração do Reich — esclareceu.
Joop pousou o uitsmijter e dedicou-lhe toda a sua atenção.
— Sabias que iam fazê-lo, Truus. Há já um ano que o governo «protege» quase qualquer profissão que um estrangeiro pudesse desempenhar.
— Pensei que éramos melhor do que isto. Fechar a fronteira totalmente?
Joop agarrou na primeira página e leu o artigo enquanto Truus se repreendia mentalmente. Devia ter pressionado mais o senhor Tenkink para ajudar os trinta órfãos de Hamburgo. Trinta. Demasiados para os fazer passar por filhos dela num passaporte onde não figuravam filhos, mas devia ter tentado.
— Ainda podemos dar abrigo aos que correm perigo — disse Joop, devolvendo-lhe o jornal.
— Aqueles que consigam provar que correm perigo físico. Que judeu na Alemanha não corre perigo? Mas que prova é que alguém tem do perigo físico até os nazis os agarrarem e os expulsarem e ser demasiado tarde?
Truus voltou a juntar as secções do jornal, pensando nos horários do comboio para Haia. Aquilo era algo que não poderia mudar, o que o seu governo fizera, mas talvez conseguisse convencer Tenkink a abrir uma exceção.
— Geertruida… — murmurou Joop.
Geertruida. Sim, então, voltou a baixar o jornal. Olhou para o cabelo do marido, com cabelos brancos nas têmporas, o queixo robusto, a orelha esquerda ligeiramente maior do que a direita ou talvez fosse a que se realçava mais. Mesmo depois de todos aqueles anos, Truus ainda não tinha a certeza.
— Geertruida — repetiu Joop —, alguma vez pensaste em acolher algumas dessas crianças, como a tua família fez na Grande Guerra?
— Para que vivam connosco? — perguntou ela, com cautela.
Ele assentiu.
— Mas são órfãos, Joop. Não têm pais para quem regressar.
Joop assentiu novamente, sem desviar o olhar. Truus viu no brilho dos seus olhos claros, na sua tentativa de esconder os seus pensamentos, que ele também passava pelo canal para ver as crianças a brincar e os pais a conversar.
Esticou o braço por cima da mesa e apertou-lhe a mão, tentando agarrar-se a um sentimento avassalador de esperança. Joop sentia-se incomodado quando ela era sentimental.
— Temos o quarto extra — replicou.
Ele cerrou os dentes, o que acentuou o seu queixo robusto.
— De todas as formas, estive a pensar que devíamos mudar-nos para um lugar maior.
Truus olhou para o jornal, para o título sobre a nova lei de imigração.
— Para um apartamento maior? — perguntou.
— Podíamos ter uma casa independente.
Ao sentir o aperto da sua mão, soube que aquilo era o que desejava, tal como ele. Um tipo de família diferente. Uma família que escolhiam, não uma que era enviada por Deus. Crianças que escolhia amar.
— Seria difícil para ti quando eu não estivesse cá — indicou Truus.
Joop recostou-se na cadeira e afrouxou um pouco a pressão da mão. Percorreu com os dedos os anéis que usava: A aliança de ouro, símbolo do seu casamento; o rubi verdadeiro, não as cópias que fizera para os subornos pouco depois de começar a atravessar a fronteira com as crianças; e as alianças entrelaçadas que Joop lhe oferecera da primeira vez que ficara grávida, para marcar o começo da família que achavam que teriam.
— Não — disse o marido. — Não, seria impossível tomar conta das crianças se não estivesses cá, Truus, mas, com esta nova lei, já não poderás continuar a trazer crianças da Alemanha.
Truus olhou para Nassaukade, para o canal, para a ponte e para Raampoort. Tudo continuava às escuras. Do outro lado do canal, noutra janela iluminada do terceiro andar, um pai baixava-se junto de uma criança, que continuava sentada na cama. Amesterdão estava a acordar. Por enquanto, as ruas continuavam vazias, mas depressa se encheriam de crianças com livros a caminho da escola, homens que iam trabalhar e mulheres como ela própria que iam ao mercado ou que empurravam carrinhos de bebé, passeando aos pares ou em pequenos