O último comboio para a liberdade. Meg Waite Clayton

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O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton HARPERCOLLINS PORTUGAL

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bombons!

      Stephan sacudiu as mãos na aba da camisa e tirou as duas últimas trufas do bolso. Viu que estavam um pouco sujas.

      — Meu Deus, era uma brincadeira! — exclamou Käthe Perger. Aceitou uma das trufas antes de conseguir guardá-las e pô-la na boca.

      Stephan retirou a sujidade da outra e ofereceu-a à irmã de Žofie.

      — Žofie-Helene — disse Käthe Perger —, acho que te superaste em inteligência ao escolher um amigo que não só anda por aí com bombons no bolso, mas, aparentemente, desfruta tanto de lavar a roupa como tu.

      Stephan olhou para a roupa, coberta de porcaria. O pai ia matá-lo.

      Depois de Stephan se ter ido embora, Žofie disse à mãe:

      — É apenas um amigo, mas um é sempre melhor do que zero, embora o zero seja mais interessante em termos matemáticos.

      A irmã mais nova entregou-lhe um livro e ela sentou-se e pô-la ao seu colo. Abriu-o na primeira página e leu: «Para Sherlock Holmes, ela é sempre a mulher.»

      — Não sei se a Johanna está pronta para um Escândalo na Boémia — queixou-se a mãe.

      Žofie adorava essa história, sobretudo, a parte em que o rei diz que é uma pena que Irene Adler não esteja ao seu nível e Holmes lhe dá a razão. O rei quer dizer que a menina Adler não é tão inteligente como ele e Sherlock Holmes quer dizer que é mais inteligente. Žofie também gostava do fim, quando Irene os vence a todos e Sherlock Holmes não quer aceitar o anel que o rei lhe oferece, mas quer a fotografia da menina Adler, para se lembrar de que foi vencido pela inteligência de uma mulher.

      — É canhoto — disse Žofie. — Refiro-me ao Stephan. Achas que isso é estranho? Perguntei-lhe uma vez, mas não me disse.

      A mãe riu-se e foi um som redondo como o zero lindo no meio de uma linha que se prolonga para o infinito em ambas as direções, a positiva e a negativa.

      — Não sei, Žofie-Helene — disse à filha. — Achas estranho ser boa a matemática?

      Žofie pensou nisso por uns segundos.

      — Não exatamente.

      — Talvez os outros achem que és diferente — continuou a mãe —, mas tu és assim, sempre foste. Suponho que aconteça o mesmo ao teu amigo.

      Žofie deu um beijo no cocuruto de Jojo.

      — Cantamos, Jojo? — perguntou. E começou a cantar, acompanhada de Jojo e também da mãe. — A lua nasceu, as estrelas douradas brilham no céu sem nuvens.

      THE VIENNA INDEPENDENT

      AS LEIS NAZIS CONTRA OS JUDEUS

      «NÃO SURGEM DO ÓDIO»

      Comissário de Justiça: As leis surgem do amor pelo povo alemão

      Por Käthe Perger

      WÜRZBURG, Alemanha, 26 de junho de 1937. Durante a reunião nacional-socialista celebrada hoje, o Comissário da Justiça alemão Hans Frank insistiu que as leis de Nuremberga foram criadas “para proteger a nossa raça, não porque odiamos os judeus, mas porque amamos o povo alemão”.

      “O mundo critica a nossa atitude para com os judeus e considera-a demasiado dura”, declarou Frank. “Mas o mundo nunca se preocupou com quantos alemães honestos foram expulsos do seu lar pelos judeus no passado.”

      As leis, instauradas no dia 15 de setembro de 1935, revogam a nacionalidade alemã aos judeus e proíbem-nos de se casar com pessoas “de sangue alemão”. Um “judeu” define-se como qualquer pessoa que tenha três ou quatro avós judeus. Milhares de alemães convertidos de outras religiões, incluindo padres e freiras católicos, consideram-se judeus.

      Com a aprovação das leis de Nuremberga, os judeus alemães não podem aceder ao tratamento nos hospitais municipais, os oficiais judeus foram expulsos do exército e os estudantes universitários foram proibidos de se candidatar para os exames de doutoramento. As restrições suavizaram-se com os preparativos dos Jogos Olímpicos no ano passado, em Garmisch-Partenkirchen no inverno e verão, em Berlim. Contudo, depois, o Reich intensificou os seus esforços de “Arianização”, despedindo trabalhadores judeus e transferindo os negócios dos judeus a preços irrisórios ou sem nenhuma compensação…

      A BUSCA

      O vaso amarelo estava ali, no alpendre da frente dos Weber. Mesmo assim, Truus aproximou-se do portão lentamente no Mercedes da senhora Kramarsky, certificando-se, como fazia sempre, de que o vaso não estava deitado a modo de aviso e algum nazi serviçal o endireitara. Ao conhecê-los, os Weber tinham-lhe dito que eram velhos, que o seu futuro era curto, mas que, com a sua ajuda, o futuro das crianças poderia ser comprido. Truus abriu o portão, atravessou-o com o carro, fechou-o atrás dela e, depois, levantou a saia para voltar a entrar no carro. Mudou de mudança e percorreu o campo para o caminho que se introduzia no bosque.

      Já passava do meio-dia quando viu o primeiro sinal delator de movimento, um brilho que poderia ter sido um veado. Contudo, ao parar o carro, viu que era uma menina que corria em ziguezague entre as árvores. Truus continuava sem entender como as crianças sobreviviam naqueles bosques e páramos durante dias e noites, sem mais nada nos bolsos senão bilhetes de comboio usados, alguns marcos no melhor dos casos e pedaços de pão que as mães lhes davam, tão desesperadas que punham os filhos em comboios até à fronteira da Alemanha sem nenhuma esperança real. As crianças sobreviviam, às vezes, para serem presas depois pelos alemães e enviadas de volta pelos guardas fronteiriços holandeses.

      — Não faz mal. Vim para ajudar — disse Truus, com suavidade, tentando ver onde a menina se escondera. Avançou devagar. — Sou a Tante Truus e vim para te ajudar a chegar à Holanda, como a tua mãe te disse.

      Truus não sabia porque as crianças confiavam nela, nem se realmente confiavam. Às vezes, pensava que permitiam que se aproximasse delas apenas por cansaço.

      — Sou a Tante Truus — repetiu. — Como te chamas?

      A menina, de cerca de quinze anos, ficou a olhar para ela.

      — Queres que te ajude a chegar até à fronteira? — perguntou Truus.

      Um menino um pouco mais novo espreitou entre o mato e, depois, outro. Não pareciam irmãos, mas era impossível saber.

      A menina virou-se novamente para Truus.

      — Pode levar-nos a todos?

      — Sim, é claro.

      Quando os outros dois devolveram o olhar da menina sem objetar, ela emitiu um assobio forte. Outro menino saiu do seu esconderijo. E outro. Meu Deus, eram onze crianças no total e uma delas era apenas um bebé ao colo da irmã. O carro iria cheio. Truus não sabia como as mulheres conseguiriam encontrar cama naquela noite para onze crianças, mas deixaria isso para Deus.

      Truus atravessou o bosque e regressou à quinta dos Weber com as crianças no carro. Estavam muito caladas, demasiado caladas para uma criança de qualquer idade, sobretudo, quando quase todas eram adolescentes. Caladas

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