Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo
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O bonde apareceu. Entraram e ela, antes de sentar-se, voltou-se para o lado da casa que deixara, suspirando. Estou só pensando em Violante... e, depois dum silêncio, perguntou baixinho: Soubeste ontem alguma coisa?
— Mamede disse-me que está na pista do cocheiro.
— Que cocheiro?
— Do carro em que ela fugiu.
— Foi de carro!?
— Naturalmente.
Calaram-se. O bonde fez uma parada perto da Rua do Núncio. para a Muda.
— E se prendessem o cocheiro? Ele deve saber onde ela está.
— Mamede vai ver.
Depois dum longo tempo de recolhimento, levada aos trancos pelo bonde, Dona Júlia levantou os olhos e, na sacada duma casa, viu duas mulheres de penteadores brancos: uma sentada, a ler, deixando à mostra um pedaço de perna gorda, a outra muito debruçada, com os cabelos soltos, esvoaçando.
— Que rua é esta?
— Lavradio.
A velha acenou com a cabeça e, como se lhe bastasse a informação, aquietou-se.
— Aqui é a Polícia. Foi aqui que eu estive, disse Paulo.
D. Júlia inclinou a cabeça e foram-se-lhe os olhos por um largo portão, ao longo dum túnel sombrio.
— Ah! meu Deus, se essa gente quisesse!...
Quando chegaram ao Largo da Lapa a timidez retomou-a. Ergueu-se pesadamente e, agarrando-se aos balaústres, foi descendo com esforço.
— Já não sei andar. Se eu saísse sozinha perdia-me por aí. Por onde é? Que sol, Paulo! Isto faz mal. Estou tonta - parece que sai fogo das pedras.
Abriu a sombrinha e convidou o filho. - Chega para nós dois.
— Não, mamãe; eu estou acostumado. Não se incomode comigo.
Ela voltava-se de quando em quando, assustada, como se houvesse ouvido rodar de carros.
— Aquilo ali é o Passeio Público, não é?
— É sim, senhora.
A velha suspirou fundamente.
— Quando vocês eram pequenos, vínhamos quase todos os domingos aqui, com o velho. - E ficou a olhar saudosamente o arvoredo.
— Mas acho isto mais largo...
— Sim, senhora: é que foi aproveitada uma parte do terreno do Convento.
— Logo vi.
Tudo lhe causava admiração: os bondes, em tandem, os carros, os prédios novos. Diante do mar não se pôde conter: parou, lançando os olhos livremente pelas águas que faiscavam; dando, porém, com a Igreja do Outeiro, tremeram-lhe os lábios numa prece. E confessou que estava mais contente porque tinha aquela alegria ante os olhos.
— E os meus santos! - exclamou de repente, estacando.
— A senhora não os arrumou?
— Sim, mas com os balanços da carroça...
— Fique descansada.
— A casa é ainda muito longe?
— Não, senhora. Não vê aquela árvore? É ali. O ponto é magnífico, não acha? Aqui está tudo à mão. Depois, a vantagem de não termos vizinhos fronteiros.
— Lá também não tínhamos.
— Pois sim, mas aqueles trens, aquela lufa-lufa de máquinas... Quem podia com aquilo?!
— Eu já estava acostumada; até me distraía.
— Mau gosto. É aqui, mamãe.
Júlia levantou o olhar, examinando a casa, chegou um pouco adiante para ver o jardim vizinho e, como Paulo empurrasse a porta, a mulher do lado debruçou-se à janela, curiosamente.
— Quem é essa moça?
— Não sei.
— Não vá ser uma dessas mulheres...
Entraram. O cheiro das tintas enchia toda a casa como um hálito mau. Paulo, porém, abriu de par em par as janelas e o ar penetrou correndo os aposentos, purificando o ambiente. Dona Júlia detinha-se, examinava os papéis, o soalho, ainda úmido da lavagem, o teto; abria as bicas, para que a água corresse e, no quintal, ficou um momento parada, pensativa, até que o filho apareceu à porta da cozinha.
— Então?
— É boa. Só o que tem é que é muito devassada.
Paulo levantou os olhos. Pela janela de uma casa alta via-se o interior de um quarto, onde um homem ruivo, em mangas de camisa, meio curvado, fazia o laço da gravata ao espelho.
— Sim, tem esse defeito, mas também pelo preço, neste ponto, não se podia achar coisa melhor.
Dona Júlia concordou, voltando a examinar os aposentos, um a um, com cuidado minucioso. Na sala, chegou um instante à janela, voltou-se para a montanha: lá estava a igreja, muito branca, dominando o mar, como uma atalaia.
Tão embevecida ficou que não via os bondes passando, cheios, rápidos como os trens que, diante da outra casa, iam e vinham, dia e noite, abalando a rua tranqüila. A mulher, à janela da casa contígua, com o colo farto achatado no peitoril, acompanhava os bondes com um olhar cobiçoso, sorrindo e, quando a rua reentrava no sossego, punha-se a cantar, bambaleando-se.
As andorinhas não tardaram. Como Dona Júlia já conhecia a casa, tirou a capa e foi determinando a colocação dos móveis. As duas da tarde, pouco depois de haver partido a última carroça, chegou Felícia, cansada, suada, com embrulhos, queixando-se da soalheira.
Paulo, descalço, armava os móveis, enquanto a velha arranjava alguma coisa para o jantar. O gato, em liberdade, corria a casa, desconfiado, miando, a saltar de móvel em móvel, farejando, e o gaturamo, virando e revirando a cabecinha, piava, saudoso, como se sentisse falta do seu antigo retiro e do trecho de céu que costumava namorar do fundo da sua prisão estreita.
A noite já a casa tinha largueza e conforto, arrumada e, diante dos santos, na cômoda, ardia a lamparina vigilante. Paulo, estafado, bocejava estendido no sofá, sem fome; à mesa mal debicou, queixando-se da cabeça. Recolheram-se cedo. Só Felícia andou até tarde na cozinha a bater marteladas, arranjando as prateleiras.
Dona Júlia não pôde conciliar o sono: sentia-se oprimida, pensando na filha. Que seria dela? Talvez que, àquela hora, a pobrezinha estivesse a bater à porta da casa abandonada, arrependida, infeliz, procurando os seus. E onde iria repousar? Quem lhe daria agasalho? Suspirou, com os olhos nas duas imagens que brilhavam à luz trêmula da lamparina. Sentia como um remorso, parecia-lhe que, com aquela