Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo
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Sentou-se na cama fazendo horríveis visagens, ansiando, abrindo e fechando a boca, aos haustos. Dona Júlia adiantou-se, enternecida:
— Tu estás sentindo alguma coisa, meu filho?
Ele engulhava. Saiu-lhe, a jorro, uma negra golfada da boca esparrimando-se no soalho, com um fétido ácido. A velha amparou-lhe a fronte viscosa, posto que ele, torcendo-se com agoniadas contrações e arrevessando, repelisse, já sem energia, e mão carinhosa. Nova golfada bolçou longe e Paulo, suando frio, pôs-se a gemer, dando com a cabeça, a comprimir o estômago, estorcendo-se.
Dona Júlia, com os dedos atarantados, desabotoou-lhe a camisa e as calças, deitou-o e correu, aflita, a buscar o vidro d'água sedativa. Na sala de jantar pensou em acordar Felícia, mas teve vergonha - não queria que ela visse o filho naquele estado. Entrou resolutamente no quarto e, como a prateleira dos remédios - a sua botica - ficava por trás dos santos, enquanto procurava, entre outros, o vidro que queria, foi fazendo uma oração ao Senhor dos Passos, frouxamente iluminado pela lamparina trêmula.
Quando tornou ao quarto, com o remédio, encontrou o filho de pé, agarrando a cabeça a mãos ambas, vacilando, como se a embriaguez se houvesse agravado. Dos olhos úmidos escorriam lágrimas, uma baba víscida descia-lhe pelos cantos da boca, copioso suor alagava-lhe a fronte, onde os cabelos caídos colavam-se, empastados.
— Por que não te deitas, meu filho? Vem cá, deita-te, descansa; isso passa.
E a boa velha foi conduzindo o filho, que cambaleava. Forçou-o brandamente a deitar-se, alteou os travesseiros, repousou-o. Ele, porém, sentia-se mal e, lutando, soergueu-se de novo, aflito, arquejando, debatendo-se. Repentinamente saltou da cama e, engulhando, ficou de pé no meio do quarto, d'olhos desvairados, a esmagar o estômago a mãos ambas, dobrando-se.
— Não posso mais. Eu morro! - rouquejou, deixando-se cair na cama e Dona Júlia, ajoelhando-se, arrancou-lhe as calças, sem que ele fizesse o menor movimento, e vendo-o tranqüilo, deixou-o estendido, com os pés quase tocando o chão, o ventre descoberto, aflando, como o de um peixe em agonia.
D'olhos fechados, Paulo sentia uma impressão estranha, como se fosse rolando no vácuo; a cabeça parecia estar cheia de nuvens densas, pesadas, que rolavam; o leito oscilava. Abriu os olhos - foi pior: os móveis moviam-se, sombras enormes bailavam fantasticamente nas paredes; uma zoada rumorejava-lhe aos ouvidos. Um cheiro acre, penetrante, agudo, chegou-lhe terebrantemente ao cérebro. Agitou-se nervoso e agarrou o pulso de Dona Júlia, repelindo-a; mas a boa senhora manteve-se junto dele, chegando-lhe ao nariz o lenço, encharcado d'água sedativa.
— Tem paciência, meu filho.
— Não, mamãe...
— Vais ficar bom.
— Não! - e debatia-se. Tentou erguer-se, mas oscilou para um lado, para outro e tombou no leito, gemendo, resmungando:
— O Fábio! pois sim... - Riu sardonicamente, escondendo o rosto no travesseiro para fugir ao lenço com que a mãe o perseguia. De novo, engulhando, ameaçou levantar-se: fincou os cotovelos na cama, conseguindo apenas soerguer a cabeça, que logo descaiu, pesada. - Já disse que não quero, mamãe. Por causa daquele diabo! Mas deixa estar. Eu bem dizia. A culpa é sua e dessa negra. - Teve um ímpeto de ira e abriu os olhos desmedidamente: Mas eu não a quero nem mais um dia aqui em casa, nem mais uma hora! Sem-vergonha! Era ela mesma que andava com as cartinhas de lá para cá. Foi ela que arranjou tudo. Mas deixa estar...!
Dona Júlia insistiu com o lenço, seguindo os movimentos repentinos do filho, que fugia com a cabeça, resmungando.
— Espera, Paulo.
— Não quero! Não teima...! Mau! Mau!
— Tem paciência, meu filho.
— Não quero! Olhe, mamãe...! ameaçou.
— Pois hás de ficar assim? - e, em segredo, para vencê-lo pelo vexame, disse: Olha Felícia...
— Que tenho eu com Felícia? Ela que venha cá! Por causa dessa sem-vergonha é que a nossa vida anda assim. Não quero mais essa negra aqui! Não faltam criadas.
A cefaléia, porém, ia-se-lhe tornando insuportável: sentia a cabeça como apertada num capacete de ferro, os olhos pareciam querer saltar das órbitas: as artérias, nas têmporas, latejavam com violência, túrgidas. Entrou a suar frio e, arrebatadamente, desnudou-se aos olhos compassivos da mãe que, sem vexame, comovida, não podendo retirar o lençol da cama, cobriu-o com uma toalha de banho que pendia do cabide. Depois, reunindo toda a sua força, agarrou-o pelo tronco e virou-o na cama, repousando-lhe a cabeça nos travesseiros altos. Estendeu-lhe as pernas e, sentando-se à beira da cama, ficou-se a acariciá-lo, chegando-lhe, de quando em quando, ao nariz, o lenço, que ia embebendo em água sedativa.
Por fim ele imobilizou-se, como se houvesse adormecido, mas sofria - o atordoamento da embriaguez dava-lhe desequilíbrios. As vezes parecia-lhe ir caindo, estendia os braços, procurava agarrar-se a alguma coisa, resmungava; mas, de novo, reentrava em inconsciência, até que, estirado, com um fio de baba a escorrer-lhe da boca, adormeceu, hirto e pálido, como morto.
Vendo-o a dormir, Dona Júlia saiu em pontas de pés e, instantes depois, tornou, silenciosa, com um balde e um pano e, de joelhos, pôs-se a esfregar o soalho, para que não ficasse vestígio daquela vergonha. No mesmo passo, cauto e sutil, saiu com o balde, voltando, pouco depois, ao seu posto. Sentou-se devagarinho na cadeira, encostando-se à mesa acumulada de livros, com os olhos no filho, ungindo-o de piedade e desviando-se, fugindo ao presente triste, achegou-se às recordações do passado.
Era ele pequenino, uma criança linda, de cabelos louros, meiga e inteligente. Como a casa era alegre com as suas travessuras, com o seu riso que vibrava! E ela, como era venturosa quando o tomava nos braços, doce peso que fazia subir sua alma ao Paraíso.
E a outra, que beleza de menina! E como andava garrida, sempre com figuinhas sob as rendas do vestido taful, para conjurar os olhares vesgos da inveja, amimada por todos, de colo em colo, de casa em casa.
Quando o marido chegava do quartel tomava os dois e, com um em cada joelho, punha-se a sacudi-los: upa! upa! e eles a rirem, e ela a rir com eles, enlevada.
Depois o colégio, as horas de saída, o regozijo em casa quando os dois apareciam gárrulos, contando o que haviam feito, todos os pequenos incidentes do dia escolar. Suspirou. Aquela ironia da memória alanceava-lhe o coração. Paulo voltou-se atirando um braço, encolhendo as pernas, com um resmungo. Ela pensou que ele houvesse acordado e, de manso, inclinando-se, examinou-o: dormia profundamente, respirando um hálito quente e azedo.
Bebendo! suspirou ela baixinho, de mãos postas, olhos em alvo, demandando o céu. Bebendo... meu filho, o meu Paulo! E sentou-se, de novo, muito quieta para continuar a dolorosa vigília, perseguida pelas reminiscências, falenas tristes da noite velha do passado que esvoaçavam em torno de sua alma. Já o via rapaz e a ela menina: ele concluindo os preparatórios, ela fazendo os primeiros bordados.
Noites tranqüilas para sempre perdidas quando, na sala de jantar, em volta da mesa, à