Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo Romancistas Essenciais

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para ali, sem firmar-se em uma carreira. Também já não é uma criança; com vinte anos há por aí muito pai de família.

      — E ele, então, não trabalha, compadre?

      — Trabalha, trabalha... mas é um mês aqui, um mês ali. A propósito: ainda está no jornal?

      — Ainda.

      — Pois olhe: admira. Que melhor emprego queria ele que o de amanuense na Secretaria do Interior? Não fez concurso? Não foi classificado?

      — Diz que não tem jeito para emprego público.

      — Ah! não tem jeito?! O que ele não tem é cabeça, como a irmã. Agora mesmo - no primeiro momento fez, aconteceu, andou por aí com chuva, mas já desanimou, nem se preocupa mais com o caso. Não é assim, comadre; não é assim. Quem quer alguma coisa, trabalha; sem persistência nada se faz; a senhora bem sabe, porque tem lutado para viver. Mas é preciso ter o juízo assente. Com a menina foi o mesmo: vontades, vontades, e aí está em que deram. Então, Violante não podia cuidar um pouco da casa, arrumar o seu quarto? coser a sua roupa? Eu nunca vim aqui que a encontrasse trabalhando - ou estava dormindo ou lendo, recostada na cadeira de balanço, como uma princesa. Nem os ticos vivem assim, comadre; nem os que têm... Enfim, não quero amofíná-la mais; vamos ver se ainda se pode fazer alguma coisa. É no que dão as condescendências. Quem quer belas flores e belos frutos poda as demasias da planta. É assim.

      Levantou-se.

      — Não quer uma xícara de café, compadre?

      — Nada, obrigado.

      Apanhou o chapéu e o guarda-chuva.

      — E a comadre não desconfia de algum dos tais tipos?

      — Eu nem os conheço; vivia sempre lá para dentro, metida comigo, no meu trabalho.

      — E ela, aqui esparrimada à janela, de prosa.

      Deu d'ombros, afundando o chapéu na cabeça; e, d'olhos altos:

      — Mas que loucura da rapariga!

      E ficou um momento a olhar o teto, meneando com a cabeça:

      — Bem, adeus, comadre. Pois eu vou por aí, e se conseguir saber alguma coisa, dou um pulo até cá.

      — Nós vamos mudar-nos.

      — Quando?

      — Amanhã.

      — Para onde?

      — Para o cais da Glória. Paulo achou lá uma casinha. O senhor compreende: não podemos ficar aqui - vem um, vem outro, perguntam...A gente tem vergonha.

      — É natural, é. Pois é isso: faça o rapaz mover-se.

      Caminhou até a porta e, voltando-se:

      — Olhe, nós lá estamos... sem cerimônia. Para os de casa, como a comadre, há sempre lugar. Sem cerimônia.

      — Obrigada, compadre; eu sei.

      O velho escancarou a porta e, já na rua, repetiu:

      — Se conseguir saber alguma coisa dou um pulo até cá.

      — Será favor.

      — Adeus. E não se amofine.

      — Lembranças a todos.

      — Obrigado.

      E foi-se pigarreando.

      VII

      Com o rosto encostado à persiana, Dona Júlia deixou-se estar esquecida, o olhar perdido, pensando nas palavras do velho Fábio que, só então, depois de vinte e cinco anos de amizade, porque o marido levara, como um dote, aquele coração, cuja bondade vivia a apregoar - emitia a sua opinião sincera sobre "os pequenos" que, a bem dizer, lhe haviam crescido ao colo. Não estimava, então, a afilhada, tinha-a em má conta, achando-a indigna de conversar com Cristina, a inocente e triste Cristina, sempre chorosa e pressaga, com idéias de convento e de morte. E por que? que havia feito Violante para que assim a julgassem? Ah! infeliz de quem se vê ao desamparo! Se o marido fosse vivo o compadre não lhe diria, com certeza, aquelas duras palavras sobre os filhos; não, não lhas diria.

      Ah! o bom tempo da ventura - ela moça e contente, caminhando na vida sem cuidado, à sombra do esposo, com os dois filhinhos à frente, de mãos dadas, rindo, gárrulos, e Fábio a gabá-los, achando-os lindos, carregando-os de brinquedos, empanturrando-os de doces. levando-os aos cavalinhos com a Cristina, sempre triste, doentinha, chorosa. Ah! o bom tempo!

      Então era ele quem pedia as crianças, quem as levava para a sua casinha, não fazendo distinção entre elas e a filha, sempre abaetada, a tossir, com o corpinho abotoado em furúnculos. Mas com a morte do esposo todas as boas amizades haviam desertado, o próprio Fábio parecia querer abandoná-la justamente no momento mais doloroso. Pobre dela! Não houvesse ele arranjado a vida conseguindo comprar a chácara do Engenho Novo, que ele não era assim antes, isso não era.

      Repentinamente, numa transição, como arrependida daqueles injustos pensamentos, suspirou: Pobre compadre! Sim, lá ia ele, velho, bater a cidade por causa de Violante. Ele não falava por mal, seu gênio era aquele: dizia tudo que lhe vinha à boca, com uma franqueza impetuosa e rude, como se estivesse com raiva, mas lá por dentro o coração estava a chorar e, não raro, nos momentos em que mais furioso se mostrava, enchiam-se-lhe os olhos d'água e, para que o não julgassem um fraco, vociferava ainda mais, gesticulando desatinadamente. Já no tempo do marido era aquilo - a mesma aspereza, os mesmos ímpetos, dominando com a superioridade de um irmão mais velho e o outro não se zangava, ouvia calado, dizendo sempre: "O Fábio tem razão... O Fábio tem razão." Na moléstia do Paulo, quando a febre o prostrou entre a vida e a morte, desenganado pelos médicos, quem velara à sua cabeceira com maior carinho do que ele? E onde fora seu filho ganhar forças novas em convalescença tranqüila e animada senão em casa dele? Não, pobre compadre! Deixou a janela e, lentamente, foi caminhando para a sala de jantar. Felícia dobrava a toalha da mesa quando ela, encostando-se a uma cadeira, perguntou:

      — Tu vais comigo, Felícia?

      — Para onde? Para onde é que sinhá vai?

      — Paulo encontrou uma casa no cais da Glória. Vamos para lá.

      — Eh! eh! - fez a negra. - Tão longe!

      — Qual longe! Então é longe?

      A negra ficou algum tempo imóvel, a pensar, com um sorriso estampado no rosto macilento; por fim disse, resignada e submissa:

      — Sinhá indo, que é que eu hei de fazer? - Depois, baixando o olhar, a passar a mão pela toalha dobrada, murmurou: Aquele mar ali perto é que é...

      — Que tem o mar?

      A negra levou, de repente, as mãos juntas aos olhos e pôs-se a chorar baixinho, pensando no filho.

      — Deixa disso, criatura, está com Deus... mais feliz do que nós, já não sofre. - E, afagando-a, a boa senhora, cujos olhos se encheram d'água, procurou distraí-la: Olha,

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