Mundanismos. Diniz Almachio

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Mundanismos - Diniz Almachio

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style="font-size:15px;">      – Um dia, quando eu te disse que me abrazava na sêde do teu amor, Heloisa, como correspondeste a esse lapso do meu instincto?

      – Do modo mais franco.

      – Sim… Dando-me apaixonadamente os teus labios para nelles, como eu quizesse, matar a sêde que allegava…

      – Dependia de mim. Dei-te.

      – De outra vez pedi-te um testimunho da correspondencia de tua paixão. Negaste-m'o?

      – Não poderia negar.

      – Exactamente. Levaste-me, com todo o carinho, a dextra ao collo, e, na grandeza das iteradas pulsações cordiaes, affirmaste que eu reconheceria a intensidade do teu sentimento…

      – Dependia de mim. Pratiquei.

      – Por fim, quando te acenei com o plano de nossa união…

      – Como te respondi, Christovam?

      – Com a primeira negaça.

      – Adulteras a minha intenção: cumpri o meu dever, enviando-te á maman, como o caminho propicio para vencer o papá.

      – Realmente, Heloisa. Sou um vencido.

      – Garanto-te, porem, Christovam, que te amo, ainda, como te amei…

      – Irresistivel tormento para mim: serei eternamente o artista obrigado a consummar uma grande obra musical sem a inspiração para a realidade do dever…

      – Desistes, então, do teu amor?

      – Razões me sobejam…

      – Que te disse, afinal, a maman?

      – Isso mesmo. Falou-me em que queria um marido para a sua filha e lembrou-me que um musicista não compõe sem ter inspiração…

      – Nada de mais, Christovam!

      – Talvez não queiras comprehendel-a… Mas é tudo que se póde allegar contra um homem…

      E, louco pela musica, inconsciente quasi, CHRISTOVAM DETMER assentou-se ao piano e executou, irreproduzivelmente, a esquisita criação de Gotschalk, ao depois do que, ceremoniosamente, se despediu de HELOISA…

      O VELHO MEDICO

      O mostruario exhibia, garbosamente, os artigos da moda rigorosa.

      ESTEPHANIO e JUDITH – esta desprendendo-se de si no devotamento ao esposo, e aquelle, dominador da mulher vencida em mais annos, como se lhe tivesse o corpo de cór, curvas e linhas, luzes e perfumes – gozavam o esplendor dos luxos, com que o artificio corrige os defeitos da Natureza e apaga os estragos do Tempo…

      MARCO ANTONIO – o medico afamado – cofiando as ennevoadas barbas em que se escondiam as illusões do seu poder curador, arrancou os olhares dos dois esposos, e apoderou-se, com fascinante dominio, de suas attenções…

      – Bem póde a therapeutica dos homens… Vejo-o restituido ao fulgôr da mocidade…

      – É exacto, doutor, passo agora sobre as molestias como a insensivel salamandra por sobre chammas… Descrendo da causa, não posso affectar-me com os seus effeitos: a sua medicina é a criadora das humanas torturas. Parece-me que jà se disse: «Tirem os medicos e as enfermidades desapparecerão»… Mas, eu digo: fugi delles e estou curado. Deem-me milhões de medicos e estarão formados trilhões de doenças.

      – E quem te curou, meu caro?

      – A natureza…

      – O novo deus pagão…

      – Assim diz o dr., mas, de facto, a inexgottavel fonte de poderes curadores. Lembra-se de que o procurei exasperado com o que soffria?

      – Lembro-me, sim.

      – Foram tantos os diagnosticos que jà perdi o direito de dar-lhes autorias.

      – O sr. era verdadeiramente um doente.

      – E o dr. escreveu uma longa lista de medicamentos para horas certas e invariaveis.

      – Realmente.

      – Pois confesso-lhe: não fiz uso de um só. Tambem o doutor não foi o ultimo medico que me assistiu. Ainda hoje louvo-lhe a sua acuidade na inspecção. Nada faltou à sua perspicacia, senão comprehender que, no meu estado, as suas perguntas eram outras tantas suggestões e novos symptomas para a aggravação de meu mal. Eu vivia desvairado na vontade de accusar males crescentes, e os meus assistentes porfiavam em illustrar-me em torturas ineditas.

      – Afinal… quem te curou?

      – Dir-lhe-ei tudo, de começo. Hygia, a deusa da saude, não é de todo mà…

      – A historia vai ser a mesma de todos os doentes restabelecidos: salvaram-se pela acção do dedo de Deus, como teriam morrido pela intervenção do doutor…

      – Creio que o sr. adianta um mau conceito. Não me tenho na conta dos casos communs.

      – Desculpe-me.

      – Pois não! Mas, a minha doença foi uma criação dos meus medicos, e a minha cura proveiu de minha inabalavel resolução de abandonal-os. Eu estava em ultimo grau de desengano quando o doutor foi chamado. Voltei assim às mãos de um allopatha. Homeopathas e feiticeiros nada fizeram de resultado para minorar os meus padecimentos. Quando adoeci, aos vinte e tres annos, foi numa convalescença de enfermidade effectivamente assassina: o amor. Eu tinha conseguido, pela vez primeira, objectivar uma paixão. E, não só isto: tivera, com todo o delirio proprio da idade, a posse facil, e passageira contra a minha vontade, de uma mulher amada. O mundo inteiro concentrou-se, ao meu sentir, nos violentos pezadelos de minha carne inexperimentada. Foram sessenta dias, mil quatrocentas e quarenta horas, ou oitenta e seis mil e quatrocentos minutos de frenetico jogo de instinctos, durante os quaes as paradas assediaram-me a alma, remontando as fichas do meu gozo ao maximo possivel. O prazo desse amor fôra, entretanto, fatal. Exgottou-se e a mulher fugiu-se-me dos braços como a espiral do fumo que procura as alturas. Ao depois disto, separado do entretenimento carnal, que me combalia as fibras, como a agua que vai abalar as galerias subterraneas para derribar as minas, tive a sensação do remorso de um grande crime…

      – De um crime delicioso…

      – Talvez, doutor.

      – E então?

      – Encegueirado pelo amor, o mundo ficou às escuras sem a luz do olhar della. Quiz correr nas suas pégadas, e senti-me tolhido como a voz na garganta do atormentado por um pezadêlo. Vi em todos os convivas de minha existencia, terriveis sombras fantasticas… E tudo findava sempre num choro convulso, durante o qual me punha a tremer com tanta violencia quanta fazia extremecer todo o assoalho de minha alcova e soar fóra de tempo a campainha do relogio sobre a meza… Senti-me muitas vezes balançado como a espherasinha de madeira que anima o trillo dos apitos…

      – É curioso, de véras, o seu caso.

      – Foi, doutor.

      – Sim! Foi! E hoje sinto não lhe ter visto nesse

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