Entrevistas Do Século Breve. Marco Lupis
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Porém, lembro perfeitamente ainda hoje daquela sutil descarga elétrica, aquele arrepio de energia que precede - os teria sentido depois mil vezes - uma entrevista importante. Um encontro importante, porque cada entrevista é muito mais do que uma simples série de perguntas e respostas.
Peppino de Filippo estava no fim - iria morrer dali a poucos anos - de uma carreira teatral e cinematográfica que até então tinha feito história. Ele nos recebeu sem parar de se maquiar, em frente ao espelho. Foi gentil, cortês e disponÃvel e demonstrou não estar maravilhado por se encontrar em frente a dois rapazes cheios de espinhas. Lembro de seus gestos calmos, metódicos, enquanto estendia a maquiagem da cena, que me pareceu pesada, densa e muito clara. Mas lembro, principalmente, de uma coisa: a profunda tristeza do seu olhar. Uma tristeza que me atingiu intensamente, porque a percebi intensamente. Talvez sentisse que a sua vida estava se encaminhando ao fim ou talvez era apenas a prova que desde sempre se fala dos comediantes, isto é, mesmo fazendo rir a todos, são na realidade as pessoas mais tristes do mundo.
Falamos de teatro, de seu irmão Eduardo, naturalmente. Ele nos contou como nasceu no palco e estava sempre rodando com a companhia de famÃlia.
Fomos embora depois de quase uma hora, um pouco atordoados e com o cassete do gravador cheio totalmente cheio.
Aquela não foi apenas a primeira entrevista da minha vida. Foi sobretudo o momento em que entendi que a profissão de jornalista teria sido para mim a única opção possÃvel. E foi o momento em que experimentei pela primeira vez aquela estranha alquimia, quase uma magia sutil, que se instaura entre o entrevistado e o entrevistador.
Uma entrevista pode ser a fórmula matemática da verdade ou uma inútil e vaidosa exibição. A entrevista é também uma arma poderosa nas mãos do jornalista que tem o poder de escolher se agradar o entrevistado ou servir e apaixonar o leitor.
Para mim, a entrevista é também muito mais; é um confronto psicológico, é uma sessão de psicanálise. Na qual são envolvidos ambos, o entrevistado e o seu entrevistador.
Como me disse mais tarde o Marquês de Vilallonga, em uma das entrevistas coletadas neste livro, «o segredo está todo naquele estado de graça que se cria quando o jornalista para de ser um jornalista e se torna o amigo ao qual se conta tudo. Mesmo aquilo que não se conta a um jornalista».
A entrevista é aplicação em prática da arte socrática da maiêutica, a capacidade do jornalista de extrair do entrevistado os seus pensamentos mais sinceros, de levá-lo a abaixar a guarda, de surpreendê-lo enquanto conta e conta de si sem filtros.
Não sempre esta magia particular se realiza. Mas quando acontece, então estamos diante de uma bela entrevista. Algo mais de uma pergunta e resposta estéril, nada a ver com a inútil vaidade do jornalista que mira só executar um scoop .
Em mais de trinta anos de atividade jornalÃstica, encontrei celebridades, chefes de estado, primeiros ministros, lÃderes religiosos e polÃticos. Mas tenho que admitir que não foi com eles que senti instaurar-se uma verdadeira forma de empatia.
Por formação cultural e familiar, deveria ter-me sentido do lado deles, do lado daquelas mulheres e daqueles homens que lidavam com o poder, que tinham o poder para decidir o destino de milhões de pessoas, da sua vida e, com frequência, da sua morte. Ãs vezes, do futuro de povos inteiros.
Em vez disso, nunca foi assim. A empatia, a corrente de simpatia, o arrepio e a excitação os vivi quando encontrei os rebeldes, os lutadores, aqueles que estavam prontos - e o demonstravam - a sacrificar as suas vidas, geralmente tranquilas e favorecidas, pelos seus ideais.
Que fosse um chefe revolucionário com o capuz, encontrado em uma cabana na floresta mexicana ou uma mãe corajosa que procurava digna, mas teimosamente, saber a verdade sobre o fim horrÃvel dos seus filhos, desaparecidos no Chile de Pinochet.
Eles me pareceram os verdadeiros poderosos.
Grotteria, agosto de 2017
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As entrevistas coletadas neste livro foram publicadas em um perÃodo que vai de 1993 a 2006, nos jornais para os quais trabalhei no curso dos anos, como enviado ou correspondente, principalmente da América Latina e do Extremo Oriente: os jornais semanais Panorama e LâEspresso , os diários Il Tempo , Il Corriere della Sera e La Repubblica e algumas para a rai .
Mantive intencionalmente a forma original na qual foram ao seu tempo escritas, Ã s vezes na estrutura tradicional de pergunta/resposta, outras vezes, naquela mais coloquial do "entre aspas" .
Escolhi antecipar cada uma das entrevistas com uma introdução que ajudasse ao leitor a orientar-se no espaço e tempo em que elas foram realizadas.
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Subcomandante Marcos
Venceremos! (antes ou depois)
Chiapas, México, San Cristobal de Las Casas, Hotel Flamboyant .
A mensagem foi inserida por baixo da porta do quarto:
à necessário partir para a Selva hoje.