O outro lado do amor. Catherine Spencer
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– Chamava-se Francine – continuou Molly como se estivesse a cuspir balas. – Abraçava-te com tanta força quando a levavas na pendura da tua moto, que parecia uma lapa.
– Sempre foste mordaz com as palavras – riu. – Alegro-me que não tenhas perdido essa virtude.
Molly não dissera nenhuma piada.
O homem dera-se conta de que a separação fora mais dolorosa para ela do que Molly era capaz de admitir.
O que aquela mulher nem imaginava era que para ele também não fora nada fácil. Não teve outro remédio senão deixá-la quando descobriu que só tinha dezassete anos e não os vinte que dissera. Apesar de ser um jovem desmiolado, tinha senso comum.
– Sinto muito ter sido uma besta.
– Eu não – ripostou ela. – Agradeço-te teres mostrado como eras na realidade. Foi mais fácil recomeçar a vida noutro lugar.
– Como?
Molly corou e deu meia volta.
– Nada – disse enquanto acendia o fogão. – Digamos que amadureci rapidamente. Por isso, dei conta de que tinha estado muito confusa ao acreditar que poderíamos ter sido um casal estável.
– Mal partiste e conheceste o homem dos teus sonhos. Casaste-te e constituíste família.
Molly encolheu os ombros.
– Conheci o homem dos meus sonhos. E tu? Não encontraste a mulher da tua vida?
– Não me casei, se é isso que queres saber.
– Por quê? Não encontraste ninguém à altura?
– Na verdade até encontrei, mas, como sempre, estou a fazê-la esperar – respondeu. – Olha, isto é o que tens de dar à tua mãe antes de dormir – disse ao anotar algo numa folha. – Os medicamentos estão numa bandeja que está no armário do seu quarto. Se tiveres qualquer problema ou dúvida, telefona-me. Não te esqueças de passar amanhã pela clínica.
– Vou ver se tenho tempo – respondeu Molly, desafiante.
– Espero que tenhas – advertiu-a. – Não estou a pedir, estou a ordenar. Se te importas com a tua mãe, irás.
Na manhã seguinte, fê-la esperar meia hora antes de recebê-la. Ver-se num local tão neutro e asséptico pareceu-lhe melhor do que aquele homem a aparecer lá em casa sempre que lhe apetecesse.
Quanto menos a visse e, sobretudo, a Ariel, melhor.
Todavia ainda não estava recomposta do susto, ao descobrir que Dan era o médico de sua mãe. Na sua presença, sentia-se frágil como uma taça de fino cristal, com as emoções à flor da pele.
Aquela fragilidade era perigosa. Poderia fazê-la perder a razão, quando lhe fizesse perguntas sobre o pai de Ariel. Era impossível não vê-lo, assim teria de lidar com ele da melhor forma possível. Tinha muitas dúvidas a colocar-lhe sobre a saúde da sua mãe.
Para o bem da menina queria contar-lhe que o que a sua mãe dissera sobre o marido rico não era correcto.
Hilda contara, quando Molly partiu, que a filha tinha arranjado um marido rico. Fora essa a desculpa que arranjara. Hilda explicara à filha toda a história, a noite passada.
– E se alguém perguntar a Ariel por ele?
– Por que é que haveriam de perguntar? É apenas uma criança.
– Porque os vizinhos são uns bisbilhoteiros, sabe-lo bem. Por que é que não disseste que tinha arranjado trabalho ou, melhor, por que é que não os ignoraste?
– Impossível! – exclamou Hilda. – Alice Livingston iria contar que a minha filha tinha fugido. Por isso, decidi dizer que tinhas casado. Achei que seria demasiado aborrecido e que assim falariam de outras coisas.
– Nem sei como é que acreditaram nisso!
Hilda sorriu e segurou na mão da filha.
– Até o teu pai acreditou. Nunca lhe revelei a verdade. Sei que me culpas por ter permitido que ele te maltratasse. Mas doía, provavelmente, mais a mim todos os maus tratos que sofreste, só não ficava com feridas visíveis.
Ariel já estava deitada. Era a primeira vez que mãe e filha conversavam sozinhas. Molly sentiu-se com forças para perguntar o que sempre desejara saber.
– Então, por que é que nunca o deixaste? Por que é que não fugimos? Como conseguiste viver com semelhante besta?
– Porque, como costumas dizer, vivíamos no passado, com um século de atraso. Tive-te com quarenta e três anos de idade. As mulheres da minha idade não abandonam os maridos. Além disso, no início da casamento ele não era assim. Quando casámos era um homem adorável, mas o acidente modificou-o. Ao perder a perna, perdeu a vida. Era alto e forte, mas um coxo não faz nada num barco de pesca. Morreu ao saber que tinha deixado de ser o patrão da frota.
– Ser coxo não o impedia de perseguir-me pela rua cheio de ira.
– Porque o recordavas de como ele era antes do acidente… são, forte e independente. A raiva devorava-o. Por isso, às vezes, dizia e fazia aquelas coisas.
– Às vezes? Não me recordo de um só dia em que não me fizesse sentir mal. Era rebelde porque ele me tornou assim.
A sua mãe suspirou.
– Fisicamente és parecida com ele, mas não quero que te pareças com o seu carácter. Não deixes que a sua ira te invada porque te destruiria a ti e à minha preciosa neta.
Molly tinha dado voltas àquelas palavras. Chegara à conclusão de que faziam sentido. Tinha de libertar-se da influência do pai.
A porta da clínica abriu-se, Dan entrou.
– Olá, Molly – saudou-a. – Entra para o meu consultório. Venho já.
Demorou cerca de dez minutos, Molly começava a ficar impaciente.
– Julgas que tenho o dia todo? – soltou.
– Bem, bem, as crianças não têm hora marcada para nascer. Devias sabê-lo. Por acaso a tua filha nasceu com hora marcada?
A última pessoa de quem queria falar era de Ariel, mas tinha que contestá-lo.
– Não – disse.
– Vês? – disse com um daqueles irresistíveis sorrisos. – Tens fome?
– Como?
– Se tens…
– Eu ouvi, mas não sei porque é que perguntaste isso.
Dan observou-a.
– Pára de te comportar como se tivesses engolido um limão. Estou a convidar-te para almoçar, não estou a dizer que vou arrancar-te o coração.