Romancistas Essenciais - Eça de Queirós. Eca de Queiros

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Romancistas Essenciais - Eça de Queirós - Eca de Queiros Romancistas Essenciais

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      — E cá o rapaz acompanha, disse um sargento do 6 de Caçadores, tomando logo a guitarra. Fez-se um silêncio: o Sr. Agostinho deitou o cabelo para trás, fincou a luneta, apoiou as duas mãos às costas duma cadeira, e fitando Amélia:

      — À Morena de Leiria! disse.

      Nasceste nos verdes campos

      Onde Leiria é famosa,

      Tens a frescura da rosa,

      E o teu nome sabe a mel...

      — Perdão, exclamou o recebedor, a Sra. D. Juliana não está boa. Era a filha do escrivão de direito de Alcobaça; tinha-se feito muito pálida, e, lentamente, desmaiava na cadeira, com os braços pendentes, o queixo sobre o peito. Borrifaram-na de água, levaram-na para o quarto de Amélia; quando lhe desapertaram o vestido e lhe deram vinagre a respirar, ergueu-se sobre o cotovelo, olhou em redor, começaram a tremer-lhe os beiços e rompeu a chorar. Fora, os homens em grupo comentavam: — Foi o calor, diziam.

      — O calor que ela tinha sei eu, rosnou o sargento de caçadores. O Sr. Agostinho torcia o bigode, contrariado. Algumas senhoras foram a casa acompanhar a Sra. D. Juliana. D. Maria da Assunção e a S. Joaneira, atabafadas nos seus xales, iam também. Havia vento, um criado levava um lampião, e todos caminhavam na areia, calados.

      — Tudo isto é teu proveito, disse a Sra. D. Maria da Assunção baixo à S. Joaneira, demorando-se um pouco atrás.

      — Meu!?

      — Teu. Pois tu não percebeste? A Juliana, em Alcobaça, era namoro do Agostinho. Mas o rapaz aqui anda pelo beiço pela Amélia. A Juliana percebeu, viu-o recitar aqueles versos, olhar para ela, zás!

      — Ora essa!... disse a S. Joaneira.

      — Deixa lá, o Agostinho tem um par de mil cruzados que lhe deixam as tias. É um partidão!

      Ao outro dia, à hora do banho, a S. Joaneira vestia-se na sua barraca, e Amélia, sentada na areia, esperava, pasmada para o mar.

      — Olá! sozinha? disse uma voz por detrás.

      Era Agostinho. Amélia, calada, começou a riscar a areia com a sombrinha. O Sr. Agostinho suspirou, alisou outro pedaço de areia com o pé, escreveu — AMÉLIA. Ela, muito vermelha, quis apagar com a mão.

      — Então! disse ele. E debruçando-se, baixo: — É o nome da Morena, bem vê. O seu nome sabe a mel!...

      Ela sorriu:

      — Ande, que fez ontem desmaiar aquela pobre Juliana — disse.

      — Ora! importa-me a mim bem com ela! Estou farto daquele estafermo! Então que quer? Eu cá sou assim. Tanto digo que me não importo com ela, como digo que há uma pessoa por quem dava tudo... Eu sei...

      — Quem é? É a Sra. D. Bernarda?

      Era uma velha hedionda, viúva de um coronel.

      — É, disse ele rindo. É justamente por quem eu ando apaixonado é pela D. Bernarda.

      — Ah! o senhor anda apaixonado! disse ela devagar, com os olhos baixos, riscando a areia.

      — Diga-me uma coisa, está a mangar comigo? exclamou Agostinho puxando por uma cadeirinha, sentando-se junto dela.

      Amélia pôs-se de pé.

      — Não quer que eu me sente ao pé de si? perguntou ele ofendido.

      — Eu é que estava cansada de estar sentada.

      Calaram-se um momento.

      — Já tomou banho? disse ela.

      — Já.

      — Estava frio hoje?

      — Estava.

      As palavras de Agostinho eram agora muito secas.

      — Zangou-se? disse ela docemente, pondo-lhe de leve a mão no ombro. Agostinho ergueu os olhos, e vendo o bonito rosto trigueiro, todo risonho, — exclamou com veemência:

      — Estou mesmo doido por si!

      — Chut!... disse ela.

      A mãe de Amélia, levantando o pano da barraca, saía, muito abafada, de lenço amarrado na cabeça.

      — Mais fresquinha, hem? perguntou logo Agostinho, tirando o chapéu de palha.

      — Estava por aqui?

      — Vim dar uma vista de olhos. E agora toca ao almocinho, hem?

      — Se é servido... disse a S. Joaneira.

      Agostinho, muito galante, ofereceu o braço à mamã.

      E desde então seguia sempre Amélia, de manhã no banho, de tarde à beira-mar; apanhava-lhe conchas; e tinha-lhe feito outros versos — o Sonho. Uma estrofe era violenta:

      Senti-te contra o meu peito

      Tremer, palpitar, ceder...

      Ela murmurava-os com grande comoção, de noite, suspirando, abraçando o travesseiro.

      Outubro findava, as férias tinham acabado. Uma noite o alegre rancho da Sra. D. Maria da Assunção e das amigas fora dar um passeio ao luar. À volta, porém, erguera-se vento, nuvens pesadas empastaram o céu, caíram gotas de água. Estavam então junto a um pequeno pinheiral, e as senhoras, aos gritinhos, quiseram abrigar-se. Agostinho, com Amélia pelo braço, rindo alto, foi penetrando longe dos outros na espessura; e então, sob o monótono e gemente rumor das ramas, disse-lhe baixo, cerrando os dentes:

      — Estou doido por ti, filha!

      — Creio lá nisso! murmurou ela.

      Mas Agostinho, tomando subitamente um tom grave:

      — Sabes? talvez eu tenha de me ir amanhã embora.

      — Vai-se?

      — Talvez; não sei ainda. Além de amanhã é a matrícula.

      — Vai-se... suspirou Amélia.

      Ele então tomou-lhe a mão, apertou-lha com furor:

      — Escreve-me! disse.

      — E a mim, escreve-me? disse ela.

      Agostinho agarrou-a pelos ombros e machucou-lhe a boca de beijos vorazes.

      — Deixe-me! deixe-me! dizia ela sufocada.

      De repente teve um gemido doce como um arrulho de ave, e abandonava-se — quando a voz aguda de D. Joaquina Gansoso gritou:

      — Há uma aberta. É andar! é andar!

      E Amélia, desprendendo-se, atarantada, correu a agachar-se sob o guarda-chuva

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