Romancistas Essenciais - Franklin Távora. August Nemo

Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу Romancistas Essenciais - Franklin Távora - August Nemo страница 11

Romancistas Essenciais - Franklin Távora - August Nemo Romancistas Essenciais

Скачать книгу

terrível império à sombra da ignorância que ainda nos assoberba, e que em todas as terras e em todas as idades tem sido considerada com razão a origem das principais desgraças que afligem e destroem as famílias e os Estados.

      Joana, a mãe boa e fraca, viveu em luta incessante com Joaquim, o pai sem alma nem coração. José foi sempre o motivo, a causa desse combate sem tréguas, José, o filho sem sorte que estava fadado a legar à posteridade um eloqüente exemplo para provar que sem educação e sem moralidade é impossível a família; e que a sociedade tem o dever, primeiro que o direito, de obrigar o pai a proporcionar à prole, ou de proporcioná-lo ela quando ele o não possa, o ensino que forma os costumes domésticos nos quais os costumes públicos se firmam e pelos quais se modelam.

      Aos sete anos de idade o pequeno já sabia matar passarinhos com seu bodoque, presente que lhe fizera o pai com expressa recomendação de amestrar-se em seu uso para que viesse a ser mais tarde um escopeteiro consumado.

      — Ó José, ouve bem o que te vou dizer. Quando o sanhaçu ou o bem-te-vi não cair morto da bala do bodoque, mas só com uma perna ou uma asa quebrada não lhe apertes o pescoço para que não esteja penando. Faze um espetinho de cabuatã, e crava-o na titela do passarinho. Tu não sabes que os passarinhos são diabinhos que nos perseguem, furando as laranjas e destruindo as bananas do quintal?

      — Tenho pena, papai, e não farei isso aos pobrezinhos — respondeu o menino.

      — Tens pena, tu José? Pois sabe que é preciso que percas esta pena e que te vás acostumando a ser homem. Se hoje cravas o espeto na titela do bem-te-vi, amanhã terás necessidade de cravar a faca no peito de um homem; e se no momento da execução tiveres a mesma pena, ai de ti! que a mão te fraqueará, e o homem te matará.

      Uma manhã José entrou saltando de contente, e trazendo um preá que o fojo tinha apanhado.

      — Ó papai, como é que hei de matar este preá?

      Joana chamou o menino para junto de si, tomou-lhe a presa que ele trazia, e pôs-se a mirá-la com ternura.

      — Olha, meu filho, olha bem para ele. Não achas vivos e bonitos os olhos do preazinho? Que lindo pescoço! Que mãos bem-feitas! Que dizes, José?

      — É, mamãe. Acho tudo bonitinho.

      — E se o achas bonitinho, para que o queres matar, meu filho?

      — Para aprender a matar gente quando eu for grande.

      — Matar gente! José, José! Quem te ensinou esta barbaridade? Virgem da Conceição!

      — Foi papai, mamãe.

      — Não, eu não consentirei, nem o céu permitirá que levantes em tempo algum a tua mão para ofender a alguém. Que desgraça, Mãe Santíssima! Como é que Joaquim ensina semelhantes coisas ao filho?!

      — Dê-me o meu preá, mamãe. Quero espetá-lo vivo como fiz ontem com o papa-capim.

      — Ainda me vens falar nisso? exclamou Joana consternada.

      E levada de uma inspiração ou de um repente irresistível, chegou à porta que dava para o pequeno cercado onde o capinzal crescia, e aí soltou o inocente prisioneiro.

      José chorou, gritou, esperneou, rolou pelo chão com raiva. Irritada por este procedimento, para o qual. ela foi buscar explicação antes na inconveniente direção que a José ia dando Joaquim que no impulso de reprovadas paixões de que julgava isento o filho naturalmente dócil e terno, puxou-lhe de leve pelas orelhas, dizendo-lhe que se outra vez judiasse com os passarinhos lhe daria uma surra que ele havia de agradecer.

      Quando Joaquim voltou a casa, o menino correu a relatar-lhe o que tinha acontecido. O mau marido, o péssimo pai ralhou com Joana em quem por um triz não bateu; e para completar a lição e o exemplo pernicioso, prometeu a José que o primeiro preá que o fojo pegasse havia de ser sujeito a um gênero de morte que ele ainda não conhecia.

      O menino mal pôde dormir aquela noite. Nunca desejou tanto que a armadilha lhe desse caça. A curiosidade de conhecer a nova forma de matar os animais, prometida ao primeiro que tivesse a sorte de se deixar apanhar, o teve por muito tempo na maior excitação e vigília.

      Pela manhã correu José ao fojo, onde encontrou, em lugar de preá, um coelho.

      Era uma lindeza o animal. Gordo, coberto de macio pêlo em que se divisavam ligeiras malhas tão alvas como o algodão que pendia dos capulhos estalados acima de sua masmorra, o filho do campo despertava, pela beleza das formas e pela harmonia dos contornos, todos os sentimentos benévolos de que é capaz o humano coração. Os olhos reluziam como dois coquinhos polidos, O coração batia-lhe precipite qual se quisesse sair-lhe pela boca. E essa criatura tão cândida e inofensiva ia morrer! Oh, meu Deus, por que extravagante e bárbara interpretação das leis naturais, há de o homem julgar-se com direito à vida de semelhantes entes que mais merecem a sua proteção do que desafiam a sua covardia?

      Quando José, irresistivelmente cativo da formosura da inocente criaturinha, estava ainda admirando os seus encantos, um movimento violento arrancou-lha das mãos.

      — Meu coelho! gritou o menino sentido de lhe terem arrebatado a graciosa presa.

      — Ah, supunhas que havias de pôr-me terra nos olhos, José? Não, este lindo animal não morrerá.

      — Sim, sim mamãe; eu não o levarei a papai para o matar como ele disse; não quero que o meu coelho morra. Ele é tão bonitinho, que faz gosto. Quero criá-lo para mim, para mim só, já ouviu, mamãe? Meu coelhinho tão bonitinho!

      José estava fortemente comovido, e Joana, fixando nele olhos perscrutadores, leu em seu rosto a pureza e a sinceridade da sua comoção, indício irrecusável, senão prova convincente, da excelência das inclinações do filho. Todas as hesitações que traziam seu espírito em contínua inquietação dissiparam-se diante do enternecimento do menino de cuja brandura e natural bondade já não lhe foi lícito duvidar.

      — Dê-me o meu bichinho, mamãe, — pediu José quase chorando.

      — Ele é teu, José, e ninguém, ainda que seja teu pai, te privará dele. Mas, antes que o tenhas contigo, quero saber por curiosidade o que vais fazer do coelhinho.

      — Ora! Vou levá-lo para casa. Levo logo daqui capim bem verde para ele comer, e faço lá uma caminha no canto do meu quarto para ele dormir junto de mim.

      — E se teu pai o quiser matar?

      — Pedirei a papai que o não mate, não. Olhe, mamãe: o melhor é eu ir esconder o coelhinho no mato sempre que meu pai estiver para chegar. Deus me livre de ver meu coelho morrer.

      — Deus te livre, atrevido! gritou ao pé da mulher e do filho o mau marido, o pai desnaturado, carrasco da família antes de sê-lo da sociedade e de si próprio.

      E arrebatando com rudeza bruta das mãos de Joana o pobre animal, fez gesto de lhe quebrar a cabeça contra uma pedra que lhe ficava fronteira.

      — Que queres fazer, Joaquim? interrogou Joana, não obstante achar-se aterrada pela presença do marido.

      — Ainda perguntas, mãe covarde que só sabes dar a teu filho lições de mofineza? Eu não quero meu filho para chorão.

      — Mas

Скачать книгу