Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August Nemo

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Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo Romancistas Essenciais

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dobrada sobre a mesa, soluçava.

      — Que é, mamãe? Que foi? Então Violante desapareceu? Como? Quando?

      Ouvindo-lhe a voz, a velha senhora levantou o rosto demudado e, pondo nele os olhos rasos de água, arrancou do peito um suspiro, pronunciando o nome da filha, com uma expressão de imenso desespero. Paulo compreendeu imediatamente o horror do crime que haviam levado a efeito na sua ausência. Teve um movimento impetuoso, lançando os olhos ao corredor, como se quisesse partir no mesmo instante, voltar à noite fria, para seguir no encalço da fugitiva. Mas Dona Júlia, abalada, rompendo em pranto convulso, lançou-lhe as mãos aos ombros, encostando-lhe ao peito a cabeça, cujos cabelos brancos, desfeitos, esvoaçavam e, numa queixa dorida, entrecortada, pôs-se a dizer: "Que nunca esperara aquilo de uma menina que ela criara com tantos sacrifícios, privando-se de tudo para que nada lhe faltasse, trabalhando como uma moura para poder satisfazer os seus caprichos de moça. Ah! nunca esperara tamanha ingratidão!"

      — Mas como foi? perguntou Paulo, sentando-se numa cadeira próxima.

      — Não sei, meu filho, não sei. Eu estava deitada, passara pelo sono, um pouco aliviada, depois do curativo. Acordei de repente com uma dor muito viva, umas alfinetadas que me subiam até o peito, como se me estivessem picando. Quis levantar-me para ir buscar a pomada, que estava em cima da cômoda, não pude: as dores eram muitas, tolhiam-me. Foi, então, que cheguei à parede e bati, como sempre fazia. Bati, bati, chamei, e tão alto, que Felícia ouviu na cozinha, e veio correndo, coitada! saber se eu queria alguma coisa.

      "Ah! meu filho! Eu estava adivinhando, o coração dizia-me que havia acontecido alguma coisa. Antes de cuidar de mim, mandei Felícia ao quarto de Violante. Não sei como não morri quando a rapariga voltou espantada, dizendo que tua irmã não estava lá. Não sei como não morri. Foi Deus que não quis. Fiquei sufocada, com um bolo no peito, como se o meu coração fosse rebentar, e, nem sei como, saltei da cama e fui ao quarto dela. Ah! Paulo, meu filho, nunca pensei que aquela menina fosse capaz de uma coisa assim."

      O pranto abalou-a de novo, um pranto humilde, infeliz, cortado de gemidos. A negra, então, que se conservava à distância, calada, ousou continuar, e Paulo boquiaberto, esgazeado, levantou a cabeça e fitou nela os olhos.

      — Ela nem se deitou: a cama está assim mesmo.

      — E com quem foi?

      — Quem sabe lá! - gemeu Dona Júlia - algum malvado.

      — Eu bem dizia a mamãe que não desse tanta liberdade à Violante.

      — Que havia eu de fazer? Ela é moça, todas as moças namoram. Nunca me passou pela cabeça que minha filha fosse capaz de dar um passo como esse. E agora, meu Deus! que há de ser dela?

      Paulo, sem responder, ergueu-se, pôs-se a procurar alguma coisa pelos cantos, sobre os móveis. "Meu chapéu...!?"

      A negra adiantou-se:

      — Vosmecê está com ele na cabeça, nhonhô.

      Com o vento da noite, que entrava d'esfuzio pelo corredor, a chama do gás zumbia, ruflava dobrando-se como a de um maçarico; bátegas de água ruflavam nos vidros. Paulo dobrou as calças e, surdamente, pôs-se a rilhar os dentes, curvado, com o pé sobre uma cadeira. Dona Júlia, ouvindo o rumor forte da chuva, que desabara, perguntou lacrimosa:

      — Queres sair com este tempo?

      — Então?

      — Onde vais?

      — Vou à polícia. Mas... mamãe não desconfia de alguém?

      — Eu? eu, não; eu vivia sempre metida aqui dentro.

      A negra resmungou: "Que Nhá Violante conversava de noite com um moço da vizinhança, um que costumava passear de velocípede. As vezes, um soldado parava defronte, junto do muro da Estrada, e ficava até tarde batendo a calçada".

      — Um soldado?

      — Ele tem farda, explicou a negra.

      — E tu és capaz de reconhecê-lo, se o vires?

      A negra fez um momo:

      — Hum... eu sou, como não? mas eu tenho muito medo dessa gente, nhonhô. Ele é alto, tem bigode preto. Mas nhonhô não me chame, sou uma pobre velha, ando por aí de noite sozinha. Tenho muito medo dessa gente.

      — Mas é preciso, Felícia.

      — Mas não foi ele não, nhonhô; vosmecê pode ficar certo de que não foi ele; Nhá Violante não gostava dele - cuspia, batia com a janela, fazia toda a sorte de desfeitas quando ele se punha a rondar a casa. Não foi ele não, nhonhô. Quem foi não é daqui, fique vosmecê certo. Numa rua passa tanta gente! Quem foi não é daqui, vosmecê há de ver.

      Paulo encarava-a desconfiado, como se a suspeitasse de conivência no caso. Por fim, resolvendo-se, caminhou alguns passos, mas, voltando-se, pediu à mãe que se recolhesse, que se fosse deitar: Estava doente, não devia ficar ali fora exposta ao frio - podia ter alguma coisa séria. A polícia havia de descobrir o raptor. E insistiu: Que ele bem dizia: tantas vontades haviam de dar naquilo. Violante fazia o que entendia e, se ele falava, ai! porque era impertinente, grosseiro e mais isto e mais aquilo. Ali estava o resultado. Pensou rapidamente no escândalo - nos comentários da vizinhança, nos risinhos dos colegas, nas alusões dos companheiros de trabalho.

      — Vai, então, meu filho: tem paciência. Vai ver se ainda podes salvar aquela infeliz. E que Deus te acompanhe. Nunca pensei que Violante fosse capaz de fazer isto comigo. Nunca pensei!

      — Bem, mamãe. a senhora não consegue nada com lágrimas; vá deitar-se. Eu vou à polícia.

      E baixinho, à negra, com voz trêmula, recomendou:

      — Não a deixes, Felícia; tem paciência. Ela está doente, pode ter alguma coisa séria com este choque.

      — Vosmecê pode ir descansado.

      — Até já, mamãe: e vá deitar-se.

      Dona Júlia balançou a cabeça desanimadamente, e Paulo enfiou pelo corredor, por onde o vento zunia. Na sala deteve-se, d'olhos altos, trincando os lábios, e, como a negra lembrasse o sobretudo, voltou-se repentinamente:

      — Hem?

      — Por que vosmecê não leva o sobretudo? Está chovendo tanto.

      — Não: não é preciso.

      Escancarou a porta e mergulhou na escuridão tempestuosa, com o guarda-chuva diante do peito, chapinhando em poças, sem ver, sem ouvir, atordoado e com os olhos cheios de lágrimas que lhe rolavam pela face.

      Diante da Central, obscura e deserta, elevando os olhos neblinados, viu que eram duas horas. Nem um bonde, nem um tílburi: a praça estava vazia, à chuva. O vento, com uivos, em fortíssimas rajadas, apanhando-lhe o côncavo do guarda-chuva, arrastava-o, como se o quisesse levar, em monção propícia, mais depressa e direito ao destino. Em frente, a sombra era densa e os lampiões, brilhando, irradiavam no aguaceiro como aranhas d'ouro em teias de cristal.

      Que seria dela? Onde andaria?! Tirou um cigarro do bolso, rebuscou a caixa de fósforos e, como não a encontrasse, teve um ímpeto de cólera, atirando

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