Um club da Má-Lingua. Dostoyevsky Fyodor

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Um club da Má-Lingua - Dostoyevsky Fyodor

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Não é coisa que se obtenha por exigencia, Pavel Alexandrovitch; mas, para o tranquillizar accrescentarei que o não rejeito definitivamente. E comtudo, note que, se o deixo esperar uma decisão favoravel, é por dó da sua inquietação. Repito-lhe que quero tomar em plena liberdade a minha decisão, e se eu em conclusão lhe declarar que o rejeito, nem por isso depois me deve increpar por lhe ter dado esperanças. E fique isto assente por uma vez!

      – Mas então, então! exclamou Mozgliakov em voz de mais em mais supplice, será isso uma esperança? Poderei fundar uma qualquer esperança n'essas suas palavras, Zinaida Aphanassievna?

      – Lembre-se de tudo que lhe tenho dito e funde tudo que quiser: é livre. E nada mais acrescentarei. Não o rejeito, digo-lhe, tão somente: Espere! Reservo-me o direito de o rejeitar se assim o julgar necessario… Far-lhe-hei ainda notar o seguinte, Pavel Alexandrovitch: se veiu mais cedo do que tinha dito com o sentido em operar por meios indirectos, esperançado em fazer valer a sua influencia, a da mamã, por exemplo, enganou-se nos seus calculos. Se assim fôra, rejeitál-o-hia de vez, entendeu? E agora, basta, se me faz favor! Até que eu proprio lhe torne a falar n'isso, nem palavra a semelhante respeito.

      Foi proferido em tom firme, sêcco, o conjuncto d'este discurso, sem hesitações, como se fôra decorado de antemão. E Pavel sente o nariz a crescer-lhe. N'este comenos eis que entra Maria Alexandrovna. Logo atráz d'esta entra madame Ziablova.

      – Já ahi vem, Zina! Quer-me parecer que não tarda ahi! Nastassia Petrovna, avie-se… o chá!

      E Maria Alexandrovna n'uma azafama, toda ella.

      – A Anna Nikolaievna já mandou saber noticias; a Aniutka, a creada, até já veiu pedir informações á copa. Ha de estar como uma bicha! disse a Nastassia Petrovna, investindo com o samovar.

      – E a mim que me importa? responde Maria Alexandrovna, a desfechar as palavras por cima do hombro a madame Ziablova. Como se me interessasse o que poderá pensar Anna Nikolaievna! Tenho a certeza em como não serei eu que mande seja quem fôr á sua copa. E demais, fique sabendo, muito me admiro de que me façam passar por inimiga da Anna Nikolaievna, coitada! Pois é opinião corrente em Mordassov. Ora seja juiz, Pavel Alexandrovitch. Conhece-nos a ambas: por que é que eu havia de ser sua inimiga? Para lhe disputar a supremacia? Sou indifferente a essas coisas! Ella que seja a primeira, eu lhe irei dar os parabens! Emfim, é injusto, e quero defendêl-a. É meu dever. Mas para que é que a calumniam, para que hão de andar a malhar assim na pobre da creatura? É nova, gosta de se enfeitar: será por isso? Quanto a mim, acho que vale mais gostar dos trapos do que um certo numero de coisas de que tanto gosta a Natalia Dmitrievna, das taes coisas que nem sequer se podem nomear. Será ainda lá porque a Anna Nikolaievna gosta de visitas e não pode parar em casa? Mas, santo Deus! Se ella não tem instrucção de qualidade nenhuma, e com certeza que lhe havia de ser difficil o abrir um livro e entreter-se dez minutos a fio fosse com o que fosse. É garrida, dá de olho, da janella abaixo, a todo e qualquer que passa pela rua. E d'ahi?.. Mas para que será que andam para ahi a apontál-a como uma beldade? É macilenta, que até mete medo! Dansa que é um riso vê-la, chega a ser comica, convenho, mas por que será que dizem que a polkar é um portento? Usa uns chapeus inconcebiveis! E d'ahi, ella terá culpa de lhe faltar o gosto? Affirme-lhe que faz bem em pregar na cabeça um papel de rebuçado, e verá que o faz. É linguareira, mas se por aqui não haverá quem o não seja. O senhor Suchilov, com aquellas suas enormes suissas, está pregado em casa della de manhã até á noite, e de noite até manhã, tenho a certeza. E d'ahi, santo Deus! para que é que o marido joga as cartas até ás cinco horas da madrugada? Se o que se vê por ahi são maus exemplos! E demais, não deixará de ser talvez mais outra calumnia. N'uma palavra, hei de sair sempre, sempre, sempre, sempre a defendêl-a… Mas! ai, Senhor! Ahi vem o principe! É elle! é elle! conheci-lhe os passos! Era capaz de os distinguir entre mil. Até que o vejo, afinal, meu principe!..

      IV

      Á primeira vista, ninguem confundiria o principe com um velho, mas examinado de mais perto, ninguem deixaria de verificar que é um cadaver movido por mólas; empregaram toda a casta de artificios para disfarçar n'um adolescente semelhante mumia. Um chinó estupendo, suissas, bigodes postiços, mais pretos que o proprio ébano, lhe tapam metade do rosto. As faces estão pintadas com singular pericia; nem uma ruga: que é d'ellas?.. Vestido no rigor da moda, dir-se-hia saído de um figurino de alfaiate. Traz assim a modos de uma visite, isto é, qualquer coisa elegantissima feita expressamente para as visitas matutinas. Luvas, gravata, collete, tudo isso de brancura deslumbrante e do mais requintado gosto. O principe manqueja um tudo-nada, mas tão levemente! Dir-se-hia mais um tempêrozinho exigido pela móda.

      Um monoculo no olho, – n'aquelle, exactamente, que é de vidro, – vem saturado de perfumes. Quando fala, arrasta umas certas palavras, talvez por impotencia senil, ou por serem postiços os dentes, ou ainda por elegancia. Pronuncia umas certas syllabas com doçura extraordinaria e accentua a letra e. Tem uma pontinha de não se-me-dá que lhe ficou da sua vida de homem feliz em amores. Se não perdeu de todo a transmontana, pelo menos está sem memoria. Engana-se a cada instante, fica-se a mascar e a metter os pés pelas mãos. É necessario ter um certo dom de opportunismo para sustentar com elle uma conversa. Maria Alexandrovna, todavia, tem a consciencia dos proprios recursos, e a presença do principe léva-a ao auge do enthusiasmo.

      – Mas não o acho nada mudado, nada, nada! exclama ella agarrando em ambas as mãos ao hospede e amesendando-o n'uma commoda poltrona. Sente-se! sente-se, principe! Seis annos! seis annos, inteirinhos e integrados sem nos vermos, e nem uma carta, nem uma linha, durante todo o tempo! Oh! quantas culpas não tem para commigo, principe! Se soubesse o quanto eu estava zangada comsigo, meu caro principe! Mas, e esse chá! esse chá! Ah! meu Deus! Nastassia Petrovna, o chá!

      – Obrigado… ô – ôbrigado!.. sou cul… cul… pado… gaguejou o principe.

      (Esqueceu-nos dizer que gaguejava um tanto; e d'ahi, é moda.)

      – Cul… culpado! Ora imagine que, o anno passado, quiz abs… absolutamente vir aqui, acrescentou a mirar a casa através da luneta.

      Mas tinham-me mettido medo: disseram-me que por aqui andava a có… cólera…

      – Não, principe, não a tivemos por cá, affirmou Maria Alexandrovna.

      – Tinhamos a morrinha, meu tiozinho, interrompeu Mozgliakov, que se quer tornar conspicuo.

      Maria Alexandrovna méde-o com olhar sevéro.

      – Ha de ser isso… a mo… mo… rrinha ou coisa que o valha. E vae, eu então deixei-me ficar. E seu marido, minha que.. querida Maria Nikolaievna, ainda está na ma… a… gistratura?

      – Não, principe, diz Maria Alexandrovna, meu marido não está na ma… a… gistratura.

      – Iá apostar que o tiozinho a está confundido com a Anna Nikolaievna Antipova! exclama o perspicaz Mozgliakov.

      Acto continuo, porém, mordeu o beiço, percebendo que nem por isso está muito á vontade Maria Alexandrovna:

      – Pois é isso, é… A Anna Nikolaievna, e… e… e eu sempre a esquecer-me… e então! Antipovna, exactamente, An… ti… povna, confirma o principe.

      – Não, principe, está equivocado! disse Maria Alexandrovna com um rizinho azêdo. Eu não me chamo Anna Nikolaievna, e, confesso, nunca suppuz que se esquecesse de mim. Estou espantada, principe, sou a sua velha amiga, a Maria Alexandrovna Moskalieva. Não se recorda, principe, da Maria Alexandrovna?

      – Maria Ale… lexan… xandrovna! Ora vejam! E eu a confundi-la com a Anna Vassiliévna… é delicioso!.. Dizia eu, pois, que me não

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