Um club da Má-Lingua. Dostoyevsky Fyodor
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– Deixe lá, tiozinho, contará isso tudo, para outra vez. Agora, não será tempo de irmos dar o nosso passeio?
– Pois, sim, vá lá, ficará para outra vez; e d'ahi talvez não interésse… Mas com tudo isso… é uma doença… extrê-ê-mamente interessante. Com uma tal variedade de episodios! Vê se me lembras, meu caro, contar esta noite, com todos os pormenores, uma certa particularidade das humorroides.
– Ora, escute, principe, atalhou ainda Maria Alexandrovna. Devia ir ao estrangeiro, para ver se se curava.
– É isso, é! Ao estrangeiro, absolutamente. Lembro-me de que, ahi por 1820, a gente divertia-se im-men-sa-mente no estrangeiro. Estive para casar com uma viscondessa, e era francêsa. Eu estava apaixonado por ella, e queria consagrar-lhe toda a minha vida. Que ella, aliás, casou com outro… Caso exquisito!.. Tinha estado em casa della não havia ainda duas horas, e foi n'este meio tempo que um barão allemão a conquistou. Veiu a acabar n'um hospital de doidos.
– Mas, caro principe, estavamos falando na sua saúde, e dizia-lhe eu que devia pensar n'isso muito a sério. Ha grandes medicos lá pelo estrangeiro. De mais a mais a mudança de ar, já por si, é importantissima. Terá que renunciar a Dukhanovo, por uns tempos, quando menos.
– Abso-o-lu-tamente! Já me conformei, tenciono tratar-me pela hy-dro… the… rapia.
– Pela hydrotherapia?
– Está claro! Foi isso mesmo que eu disse, pela hy… dro… the… rapia. Já me tratei pela hy… drotherapia. Estava eu nas aguas. Tambem lá estava uma senhora de Moscou, varreu-se-me o nome, uma mulher muito poetica, com setenta annos, ou coisa assim; tinha uma filha com uns cincoenta annos, e com uma belida n'um olho. Falavam ambas sempre em verso. Aconteceu-lhe um desastre! N'um fogacho de genio, matou o criado. Teve seus da-res e to… mares com a justiça. E como eu ia dizendo, puzeram-me no regimen da agua; que eu, ainda assim, não estava doente: mas se não faziam senão dizer-me "Trate de si! trate de si!" E eu, por delicadeza, puz-me a beber a agua e, effectivamente, senti allivio. Bebi, bebi, e tornei a beber! Acho que bebi um lago inteiro… É optima coisa a tal hy-dro-the-rapia. Dou-me muito bem. Eu, se não tivesse caído de cama, tinha passado lindamente.
– Lá isso é verdade, rico tio. Ora dize-me, rico tio, aprendeste logica?
– Valha-o Deus! Que pergunta? observa Maria Alexandrovna, escandalizada.
– Está c-claro, meu amigo… ha muito tempo, aqui para nós. Estudei philosophia, na Allemanha. Frequentei os cursos todos mas d'ali a pouco esqueceu-me tudo… Mas… confesso, metteu-me um tal susto no corpo com as taes do… enças que… fiquei atarantado… Eu volto já. Dêem-me licença!
– Aonde vae, principe? exclama, pasmada, Maria Alexandrovna.
– Não tardo aqui. Não me demoro… Vou apenas… assentar um pensamento… Até já…
– Que tal lhe pareceu? exclama Pavel Alexandrovitch, á gargalhada.
Maria Alexandrovna perde de todo a paciencia.
– Eu não o entendo, na verdade, não posso comprehender de que é que se ri! – começa ella com animação. Rir de um ancião respeitavel, de um parente! Rebentar a rir a cada palavra que elle solta da bôcca! Abusar d'aquella bondade evangelica! Tenho até vergonha de o ouvir, Pavel Alexandrovitch! Mas não me dirá o que é que lhe encontra de ridiculo? Ainda não fui capaz de lhe notar o lado ridiculo.
– Mas se nunca conhece ninguem, se não faz senão metter os pés pelas mãos!
– Ahi tem as consequencias do tal sequestro de cinco annos entregue á guarda d'aquella megéra! Devemos antes ter dó d'elle, em vez de rirmos á sua custa. Veja lá, nem a mim mesmo me conheceu, até! O senhor foi testemunha. Pois não é terrivel! É preciso salvá-lo. Eu, se lhe propuz ir ao estrangeiro, foi na esperança de que se resolva a largar de mão aquella… regateira.
– Sabe o que lhe digo, é preciso casál-o, Maria Alexandrovna.
– E o senhor a dar-lhe! É incorrigivel, senhor Mozgliakov.
– Não sou, acredite, Maria Alexandrovna, eu, d'esta vez, estou falando até muito a sério. Por que é que o não havemos de casar? É uma ideia como outra qualquer. Em que é que isso o pode prejudicar? No estado a que elle chegou, é um expediente que o pode salvar, creio eu. A lei ainda lhe permitte casar. D'esse modo, vê-se livre d'aquella desavergonhada, desculpe a expressão. Escolherá para ahi qualquer menina, ou qualquer viuva honesta, intelligente, carinhosa e pobre, sobretudo, que não deixará de o tratar como filha e que comprehenderá que lhe deve ser grata. Que coisa melhor lhe poderia acontecer? Um coração terno e fiel, em vez d'aquella… moita! Está claro que convem que seja bonita, pois o tio professa ainda o culto da belleza. Não viu os olhos que elle deitava á Zinaida Aphanassievna?
– E onde irá desencantar semelhante ideal? pergunta Nastassia Petrovna toda ella ouvidos.
– Não está má pergunta? A senhora, por exemplo, sem irmos mais longe… se me dá licença, perguntar-lhe-hei por que é que não ha de casar com o principe? Primeiro e segundo, porque é bonita, e viuva, ainda por cima. Terceiro, por que é fidalga. Quarto, por que é honestissima. Ha de amá-lo, amimá-lo, pôr na rua a tal carcereira, carregar com o principe para o estrangeiro, dar-lhe papinha e goloseimas… tudo isto até que chegue o dia em que elle diga adeus a este mundo de amarguras, o que tardará para ahi um anno, quando muito, ou um mez ou dois, quem sabe; depois fica sendo princesa, viuva, rica e, para compensar o trabalho, casa para ahi com um marquez qualquer, ou um general. É bonito, pois não acha?
– Ai! Deus meu! Que amor eu lhe havia de ter, por gratidão, quando por mais não fosse, se elle pedisse a minha mão! exclama Madame Ziablova.
Os olhos feriram-lhe lume, até.
– Mas, isso sim!.. são sonhos!..
– Sonhos? Tem empenho em que se realisem? Experimente, peça-me que lhe alcance essa pechincha. E corto desde já este dedo se hoje mesmo não fôr noiva do principe. Não ha nada mais facil do que persuadir o meu tio. Diz sempre a tudo, que sim. A senhora bem o ouviu, ha boccado. Casamol-o sem elle dar por isso. Enganamol-o, é verdade, mas se é para seu bem, pois não acha? Em todo o caso, a senhora do que devia tratar era de ir arranjando uma toilette á altura das circumstancias, Nastassia Petrovna.
A animação de Mozgliakov transforma-se em enthusiasmo. A Madame Ziablova, com o seu tino todo, está-lhe a crescer até agua na bôcca.
– Eu bem sei; nem é preciso que m'o lembre, que estou para aqui uma trapalhona… Pareço até uma cozinheira, pois não pareço?
Maria Alexandrovna está com um cara de palmo. Afoito-me a affirmar que ouviu a proposta de Pavel Alexandrovitch com uma pontinha de terror. Quer sim quer não, teve mão em si.
– Tudo isso é muito bonito, mas é um chorrilho de futilidades sem pés nem cabeça, e que não vem nada a proposito! disse, com sequidão, dirigindo-se ao Mozgliakov.
– Então por quê, minha querida Maria Alexandrovna? Por que é que diz que são futilidades fóra de proposito?
– O