Ndura. Filho Da Selva. Javier Salazar Calle
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DIA 2
– Não, não o matem! –gritei, agitando-me convulsivamente e causando minha queda da árvore com um ruído abafado.
Agitei-me de um lado para outro, fugindo de meus próprios fantasmas, ignorando a dor da queda. Olhei para todos os lados totalmente desorientado e fiquei quieto momentaneamente, encolhido, gemendo como um animal gravemente ferido. Enquanto esfregava as costas machucadas me dei conta de que havia sido um pesadelo, um pesadelo muito realista, já que havia sonhado que voltava a vivenciar a morte de Juan, a colisão do avião, outra vez o corpo inerte de Alex entre minhas mãos. O suor me escorria pelo rosto, minhas mãos tremiam. Respirei fundo por um momento e decidi me mover, somente desejava me distanciar o máximo possível do avião em que havia perdido parte da minha vida. Meu passado era terrível, meu futuro desolador.
Doíam-me muito as costas pela posição que havia tomado, pela queda ou por ambas as coisas ao mesmo tempo, e estava um pouco trêmulo. Subi lamuriante para pegar as mochilas e me dei conta de que a mochila com a comida havia sumido. O pulo que dei com o susto quase me derruba da árvore novamente. Sem essa mochila não teria nada que fazer. Procurei assustado por entre os galhos e, quando supus que nunca a encontraria, vi que estava caída ao solo com todo o seu conteúdo esparramado. Possivelmente eu a havia jogado, arrastando-a na minha queda ou me movendo durante a noite. Desci cuidadosamente com a outra mochila no ombro e recolhi tudo o que localizei: três latas de refresco, um sanduíche de linguiça, uns biscoitos mordiscados e cheios de formigas, uma caixa com saquinhos de sal para usar nas saladas e duas caixas, que eram de marmelo. O resto havia desaparecido, suponho que tenham sido levados por animais. Isso me fez concluir que havia caído durante a noite.
Decidi fazer um inventário de tudo o que levava para ver o que me podia ser útil e tirar o que não o seria. Não havia sentido em carregar peso inútil e eu precisava saber de que meios podia dispor. Na minha mochila, além da comida, levava a navalha que havia comprado para o meu pai, todas as figuras de madeira, um livro de viagem sobre a África Central, um pacote de lenços de papel, binóculo 8x30, um gorro de tecido cáqui e uma camiseta onde se lia "I love Namibia". Do estojo de remédios me restavam uma caixa de aspirinas pela metade, uma caixa inteira de antidiarreico, uma bandagem, três curativos adesivos e alguns comprimidos contra enjoo. Além, é claro, da documentação. Na mochila de Juan também estava a documentação dele, e além disso, três mantas e um travesseiro do avião, um pequeno livro com frases em suaíli, seus óculos de sol, um boné, umas barrinhas de chocolate, uma garrafa plástica de água de um litro quase vazia, um garfo, uma grande figura de madeira de um elefante e várias menores, um maço de cigarros quase cheio e um isqueiro.
No entanto, não podia carregar duas mochilas, de modo que guardei tudo na minha, que estava em melhores condições, exceto uma das mantas, o travesseiro que ocupava muito espaço e todas as figuras de madeira, inúteis nesse meio; enterrei tudo e tampei com folhas secas do chão. Enquanto ia descartando algumas coisas, lembrava das pessoas para quem elas eram destinadas; Elena, minha família, meus amigos, Alex, Juan… e não tardei a começar a chorar de novo. Nunca mais voltaria a vê-los, nenhum deles. Bem, Alex e Juan eu veria logo, no paraíso ou aonde quer que se vá depois de morto.
As barras de chocolate comi nesse momento, derretidas pelo calor, limpando a embalagem com a língua até que não sobrasse nem rastro. Estava delicioso. Também bebi a pouca água que restava na garrafa. Foi então que me dei conta de que teria que parar um pouco para refletir quais seriam os próximos passos que devia dar. Algumas perguntas sugiram em minha mente: Os rebeldes sabiam que eu estava vivo? Para onde deveria ir agora?
Com respeito à primeira pergunta não tinha resposta. Na melhor das hipóteses haviam conseguido que algum passageiro confessasse que me havia visto, ou procuraram nas redondezas e encontraram minhas pegadas ou a lata que joguei no chão depois de beber (isso foi um grande erro, ainda que naquele momento tivesse que fugir), ou estavam por todos os lados e me encontrariam de qualquer jeito, ou não sabiam de nada. Fosse o que fosse, a partir de agora deveria tentar ser mais cuidadoso e deixar menos rastros possíveis por onde passasse.
Com respeito a para onde me dirigir. Parecia me lembrar que desde o avião, durante a aterrissagem vertiginosa, vi que havia um povoado no horizonte e uma grande clareira na selva. O que não sabia era se seria a base dos rebeldes ou não, mas era muito provável que fosse, já que estava muito próxima de onde nos haviam atacado. Como íamos do sul da África para o norte, devia supor que indo sempre na direção norte eu sairia da selva, chegaria a outro país e teria mais possibilidades de encontrar ajuda. Como sentia falta dos meus amigos nesse momento! Agora me cairiam muito bem o entusiasmo, o otimismo e a alegria abundante de Alex e a capacidade de análise fria, a serenidade e o poder de decisão do Juan. Como precisava da companhia deles para me encorajar e enfrentar este desafio que se apresentava de forma inevitável! Com eles isto seria mais fácil, inclusive seria uma aventura para contarmos na volta; mas estavam mortos, assassinados, exterminados sem piedade como moscas sem valor, aniquilados na melhor fase da vida… e eu teria que sobreviver conforme possível. Desgraçados, filhos da…! Calma, Javier, calma, devia tentar manter a calma. Era minha única opção para ter alguma chance. Bem, supomos o sol nascendo no leste e se pondo ao oeste, e sabendo que amanheceu mais ou menos por esse lado… deveria andar naquela direção. Se com esse sistema de orientação chegasse a algum lugar não seria habilidade e sim milagre. De todos os modos, para me assegurar, subi cuidadosamente em uma das árvores mais altas que pude ver.
Foi fácil, já que ela tinha muitos galhos para usar como degraus, ainda que quanto mais subia, menores e mais flexíveis eles se tornavam. Assim, tive muito cuidado em ir pisando justamente na base dos ramos, que é a parte mais larga e resistente. Sobressaía por cima da maioria e quando cheguei ao topo a paisagem era estarrecedora. Um mar verde se estendia em todas as direções como um tapete, subindo e descendo, seguindo o contorno do solo, imitando as ondas, uma vasta extensão de vida. Apenas algumas árvores solitárias muito mais altas do que o resto se destacavam na imensidão desse tapete formado pela fronde das copas infinitas da selva. Não via mais que copas de árvores em todas as direções, sem fim. Nem com ajuda do binóculo consegui ver alguma coisa por lado nenhum. De fato isso não me ajudava em nada na busca de que direção seguir. Desci da árvore e escondi a mochila de Juan com tudo o que deixava nela meio enterrada debaixo de um tronco caído. Em um último momento decidi ficar com a girafa para Elena, caso voltasse a vê-la gostaria de ter um presente para ela. Dei uma última olhada ao redor para comprovar que não deixava sinais claros da minha presença e, quando estava mais ou menos convencido, comecei a andar sem muita esperança. Como precisava de meus amigos!
Durante toda a caminhada encontrei uns pássaros coloridos com peitos vermelhos chamativos e o resto do corpo esverdeado6. Revoava um bando de uns doze ou quinze entre os galhos das árvores com incrível agilidade. Quando fiz um algum ruído, desapareceram de minha vista em um instante. Somente esses belos animais me tiraram por um momento da sensação esmagadora de solidão com que a selva me golpeava implacavelmente: um mundo opressor, hostil, impiedoso, na sombra permanente de que a agonia, o cansaço e o sufoco não eram mais que companheiros habituais da viagem.
O caminho era difícil. Constantemente tinha que dar voltas ou saltar obstáculos. Às vezes havia pequenas clareiras, mas as circundava com medo de ficar muito visível. Suava sem parar e tinha muita sede, mas não queria tomar outra lata pois só me restavam três. Devia estar fazendo uns 25°C com altíssima umidade, o que fazia com que a angústia e o calor aumentassem. Durante um tempo tirei a camisa, mas tantos mosquitos me picaram que tive que vesti-la novamente. Em alguns momentos o pequeno bosque ficava tão espesso que tinha que abrir caminho com uma vara que havia catado e que fazia as vezes de facão. Nesses casos, praticamente não avançava, já que com a vara o máximo que conseguia era
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Fauna: Surucuá (Trogon) de narina, Apaloderma narina