Mestres da Poesia - Mário de Andrade. Mário de Andrade
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e o vento com seus roncos…
Ninguém.
– Alguém!
Olha, junto dos troncos,
um reflexo de baioneta!…
Epitalâmio
É sempre assim. De manhãzinha, braço dado,
nos jardins claros do hospital,
ele mancando, a ela apoiado,
silenciosos, lado a lado,
dão o passeio matinal.
E, vagarosamente, se entranhando
no perfume vermelho da manhã,
ela vem triste, como que sonhando,
– ela, que é sã –
e ele, – o ferido – traz sorrisos francos,
vem assobiando entre seus lábios brancos
uma valsa alemã…
E no fundo do parque redolente,
onde tudo é perfume e som,
sentam-se e dizem, já maquinalmente:
“Êtes-vous las?” – “Oh! non!”
Então ele, com sua voz quebrada,
vendo o sol que no longe aponta,
entrando sorrateiro sob a touca,
brincar entre os cabelos brunos dela,
pela décima vez conta e reconta
como o prenderam e feriram pela
tardinha, ao proteger a retirada
dos seus soldados.
Ela, dedos febris entrelaçados,
bebe o reconto que lhe sai da boca.
E ele lembrando, sem vanglória, o heroísmo
que praticou, a vê chorar…
Então se arrasta para junto dela,
pergunta-lhe a razão do seu mutismo,
pede-lhe as mãos para beijar…
– “Porquoi pleures tu?” – “Moi!” – “Mais oui!…”
E no seu colo se debruça,
cola-lhe a boca às mãos; e enquanto ele soluça,
agora, ela sorri.
É sempre assim…
Mas ao voltar, vem resplendendo
nela o beijo nas mãos, nele a esperança…
Voltam pelos meandros do jardim,
e ela vem rubra, que ele vem dizendo
quanto acha lindas as manhãs de França…
Refrão de Obus
Partir pelo ar, atravessar girando
o ambiente perfumado do verão.
Sentir o vento novo e brando;
no ímpeto da carreira,
perfumar-se e abrandar-se à viração!…
Partir, com o íntimo esforço, velozmente:
ver na campina a última leira,
rasgada pelo último arado,
aberta a boca mansa, esperar a semente!…
Partir, ouvindo os passarinhos,
que despertara a cotovia,
musicar, lado a lado,
o êxtase florescido dos caminhos!…
Ó! como é bom partir, subindo!…
Sob a palpitação da madrugada fria,
à ovação triunfal do dia infante e lindo
ó! como é bom partir subindo!…
Partir, alimentando um desejo de escol;
partir, subindo pelo espaço para o sol!…
Mas na suprema glória de subir,
sentir
que as forças vão faltar:
e retornar de novo para a terra;
e servir de instrumento numa guerra;
e rebentar,
e assassinar!…
Primavera
Fora desmantelado,
quando, golfando pela fauce aberta
o atestado dos órfãos e das viúvas,
um grande obus lhe rebentara ao lado…
No modesto recanto do jardim
da aldeia miserável e deserta,
na sua herança má de mudo e eterno,
estático e sem fim,
viu, no outono, morrer o sol das chuvas,
entrajou-se de neve em pleno inverno;
e agora, à sussurrante primavera
mostra no beiço o riso do jasmim…
Converteu-se. Sorriu à natureza;
perdoou a rabugice ao vento sul;
e, no êxtase imortal – Santa Teresa
da primavera – ele olha esperançosamente,
essa visão seráfica e esplendente,
a claridade mágica do azul…
Na culatra soaberta, onde altos estampidos
gerara a bala estrepitosa e fera,
fizeram ninho as andorinhas…