Mestres da Poesia - Mário de Andrade. Mário de Andrade
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para que o povo passe adiante
terraplenar os Pireneus e o Jura:
é ter a luz e compreender a luz,
é ser bom finalmente, é ser Jesus!…
– Mas o pior dos homens deste mundo,
o menor, o mais triste, o mais mesquinho,
deve de ser o homem que andando seu caminho,
é infecundo no espírito, e fecundo
só nos desvairos e erros que pratica;
deve de ser o homem que andando seu caminho,
faz desgraçado quem se lhe aproxima;
e à própria caravana, inumerável, rica,
faz tomá-lo por Deus, e a enlouquece e dizima…
Infeliz! Pensa em luz, e engendra escuridades;
quer replantar o bem, o mal deita raízes!…
– Certo: é a maior das infelicidades
fazer dos outros homens infelizes.
Devastação
Já foi aqui a civilização.
Brilhou a luz. Cantou a fé. Riu o trabalho.
– Mas no rebanho há-de haver sempre algum tresmalho:
tresmalhou a afeição;
e veio a derrocada.
Seguindo os largos rios nos seus cursos,
nas faldas da cadeia abruta e torturada,
junto ao primeiro roble secular,
muito antes, tinham vindo os homens se agrupar,
na defesa comum contra as renas e os ursos.
– E a esperança brilhou, como sempre, a primeira.
Conseguiram vencer. O último urso brama,
e rebenta-lhe o crânio o machado de pedra…
Já pascem, junto ao lar, domesticadas renas;
o homem pensa em plantar, e o terreno se redra…
Enfim, na encantação de amplas tardes serenas,
– canta no alqueive o rouxinol, a terra cheira –
ao convívio do bem-estar,
o homem pode mirar a companheira
e colocá-la num andor…
E quando, pelas manhãs claras,
avoaçou a calhandra sobre as searas,
houve searas também, plantadas pelo amor.
– E o amor brilhou em cada lar.
Pelo trabalho, pelo engenho o homem procura
fortificar então sua ventura.
É só lançar a mão: e mais, e mais,
grassa na concha dos convales calmos
a poesia alourada dos trigais…
…É só lançar a voz: e sobre o monte,
e sobre o vale, e no horizonte,
e em toda parte lhe respondem outras vozes…
Sobem os fumos pelo céu – que ao fogo
já se derretem os metais –
já se não temem animais ferozes;
tudo é progresso!… Então, reunidos no sopé
da cadeia, a cantar, como em glórias e salmos,
soltam aos ares o primeiro rogo…
– E rebrilhou a fé.
Cria-se o livro. Os homens pensam.
Pensam e agitam-se em tumulto.
Por sobre os seus trabalhos paira a benção:
e todos os trabalhos tomam vulto;
O saber suspicaz penetra o alto segredo
da vida. É tudo um labutar de ciência.
O homem afoita-se, descobre, perde o medo…
– E brilha, altiva e forte, a inteligência.
E ele atinge afinal o cume do Jungfrau.
Olha em redor e vê, na campina tamanha,
uma herança que é sua e que se perde além:
e tem um pensamento mau.
Ele atingiu o cume da montanha!
Só ele é grande, mais ninguém!
Cogita, e se entremeia em labirintos
de sofismas agudos; e, infeliz!
diz tudo o que não pensa ou que não sente,
mas o que sente ou pensa nunca diz.
Constrói teorias, alevanta em plintos
novo ideal, que lhe é Deus; e, indiferente
encara o mundo e nada o maravilha…
– E o orgulho máximo e insensato, brilha.
Vem a rivalidade, a traição, a mentira,
o exagero da glória, a negação da falta;
Caim mata de novo Abel, – mas por mais alta
que sobressaia a eterna voz,
aos seus ouvidos não há voz que fira! –
Mesmos os Abéis tornaram-se Cains;
e os homens todos, na avareza atroz,
ganiram, defendendo os bens, como mastins…
A afeição tresmalhou. E no esterco fecundo
de mil invejas e ambições, abrolha
a flor de púrpura da guerra… E o mundo
todo, a tremer nos seus arcanos