Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo - Joaquim Manuel de Macedo Romancistas Essenciais

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      — Com muito prazer.

      — Mas minha senhora, disse Fabrício, vermelho de despeito e aturdido com um beliscão que lhe dera Leopoldo; há cinco minutos que já estava engajada até á duodécima.

      — E verdade, tornou d. Carolina; e agora só acabo de ratificar uma promessa; o sr. Augusto poderá dizer se ontem pediu-me ou não a terceira contradança.

      — Juro... balbuciou Augusto.

      — Basta! acudiu Fabrício interrompendo-o; é inútil qualquer juramento de homem, depois das palavras de uma senhora.

      Fabrício e Leopoldo retiraram-se; d. Carolina, que tinha iludido o primeiro, vendo brilhar o prazer na face de Augusto, e temendo que daquela ocorrência tirasse este alguma explicação lisonjeira demais, quis aplicar um corretivo e, erguendo-se, tomou o braço de Augusto. Aproveitando o passeio, disse:

      — Agradeço-lhe a condescendência com que ia tomar parte na minha mentira... foi necessário que eu praticasse assim; quero antes dançar com qualquer, do que com aquele seu amigo.

      — Ofendeu-a, minha senhora?

      — Certo que não, mas diz-me coisas que não quero saber.

      — Meu Deus! É um crime que também eu tenho estado bem perto de cometer!

      — Pois bem, foi esta a única razão.

      — Mas eu temo perder a minha contradança... alguns momentos mais e serei réu como Fabrício.

      — A culpa será de seus lábios.

      — Antes dos seus olhos, minha senhora.

      — Cuidado, sr. Augusto! Lembre-se da contradança!

      — Pois será preciso dizer que a detesto?...

      — Basta não dizer que me ama.

      — Ë não dizer o que sinto; eu não sei mentir. Ainda há pouco ia jurar falso...

      — Nas palavras de um anjo ou de uma...

      — Acabe.

      — Tentaçãozinha.

      — Perdeu a terceira contradança.

      — Misericórdia! Eu não falei em amor!...

      Neste momento a orquestra assinalou o começo do sarau. E preciso antecipar que nos não vamos dar ao trabalho de descrever este; é um sarau como todos os outros, basta dizer o seguinte:

      Os velhos lembraram-se do passado, os moços aproveitaram o presente, ninguém cuidou do futuro. Os solteiros fizeram por lembrar-se do casamento, os casados trabalharam por esquecer-se dele. Os homens jogaram, falaram em política e requestaram as moças; as senhoras ouviram finezas, trataram de modas e criticaram desapiedadamente umas às outras. As filhas deram carreirinhas ao som da música, as mães, já idosas, receberam cumprimentos por amor daquelas e as avós, por não terem que fazer nem que ouvir, levaram todo o tempo a endireitar as toucas e a comer doces. Tudo esteve debaixo destas regras gerais; só basta dar conta das seguintes particularidades:

      D. Carolina sempre dançou a terceira contradança com Augusto, mas, para isso, foi preciso que a sra. d. Ana empenhasse todo o seu valimento; a tirana princesinha da festa esteve realmente desapiedada. e não quis passear com o estudante.

      .A interessante d. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló como nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par, e até dançou uma valsa corrupio.

      Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo mais.

      Agora são quatro horas da manhã; o sarau está terminado, os convidados vão retirando-se e nós, entrando no toilette, vamos ouvir quatro belas conhecidas nossas, que conversam com ardor e fogo.

      — É possível?!... exclamou d. Quinquina, dirigindo-se à sua mana; pois é verdade que esse sr. Augusto lhe fez uma declaração de amor?...

      — Como quer que lhe diga, maninha!... Asseverou que meus olhos pretos davam à sua alma mais luz do que aos seus olhos todos os candelabros da sala nesta noite, e mesmo do que o sol nos dias mais brilhantes... palavras dele.

      — Que insolente!... tornou d. Quinquina, ele mesmo, que me jurou ser a mais bela a seus olhos e a mais cara ao seu coração, porque meus cabelos eram fios de ouro e a cor das minhas faces o rubor de um belo amanhecer!... Palavras dele.

      — Que atrevido!... bradou d. Clementina; o próprio que afirmou ser-lhe impossível viver sem alentar-se com a esperança de possuir-me, porque eu sabia ferir corações com minhas vistas e curar profundas mágoas com meus sorrisos!... Palavras dele.

      — Oh! Que moço abominável, disse, por sua vez, d. Gabriela; e ousou dizer-me que me amava com tão subida paixão que, se fora por mim amado e pudesse desejar e pedir algum extremo, não me pediria como a outras, para beijar-me a face, porque das virgens do céu somente se beijam os pés, e de joelho! Palavras dele.

      — Mas isto é um insulto feito a todas nós!

      — Como se estará ele rindo!

      — Qual! Se ele está apaixonado... Apaixonado?... E por quem?...

      — Por nós quatro... talvez por outras mais: ele pensa assim.

      — Que maldito brasileiro com alma de mouro!...

      — E havemos de ficar assim?...

      — Não, acudiu d. Joaninha: vamos ter com ele, desmascaremo-lo.

      — Isto é nada para quem não tem vergonha!...

      — Pois troquemos os papéis: finjamos que estávamos tratadas para desafiar-lhe os requebros, e... ridicularizemo-lo como for possível.

      — Sim... obriguemo-lo a dizer qual de nós é a mais bonita; cada uma lhe pedirá um anel de seus cabelos... uma prenda... uma lembrança... ponhamo-lo doido.

      — Muito bem pensado! Vamos!

      — Deus nos livre!... A vista de tanta gente!...

      — Então, quando e aonde?

      — Uma idéia... seja a zombaria completa: escreva-se uma carta anônima, convidando-o para estar ao romper do dia na gruta.

      — Bravo! Então escreva...

      — Eu, não, escreva você...

      — Deus me defenda! ... escreva d. Gabriela, que tem boa letra...

      — Então, nenhuma escreve? Pois tiremos por sorte.

      A idéia foi recebida com aprovação e a sorte destinou para secretária d. Clementina, que tirando de seu álbum um lápis uma tira de papel, escreveu sem hesitar:

      "Senhor: — Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura tem um segredo a confiar-vos: ao ralar

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